Laticínios

A receita da Danone para qualificar sua oferta de leite

Multinacional oferece a pecuaristas crédito mais barato, insumos e estimula agricultura regenerativa. Resultado: produção de seus fornecedores cresce acima da média nacional

Gado leiteiro na compost barn construída recentemente na Fazenda Cachoeira das Antas, em Santa Rita de Caldas (MG) | Crédito: Divulgação

SANTA RITA DE CALDAS (MG) – Uma das maiores compradoras de leite do País, a Danone se vê confrontada por um desafio, assim como suas concorrentes: como aumentar a qualidade e a quantidade da matéria-prima em uma cadeia marcada pela pulverização de produtores e, no recorte mais amplo, por um semi-amadorismo da produção?

A resposta da companhia passa por um conjunto de crédito, distribuição de insumos e agricultura regenerativa. Essas frentes são reunidas em um programa de fomento ao desenvolvimento sustentável chamado Jornada Flora.

A multinacional francesa passou a oferecer à base de produtores uma linha de crédito facilitado em parceria com o Banco do Brasil. Até o ano passado, a iniciativa teve juros entre 6,8% e 8,4%, bem abaixo da média de mercado.

No primeiro ano, em 2023, foram disponibilizados R$ 20 milhões, dos quais R$ 17 milhões foram utilizados. No ano passado, foram R$ 50 milhões. A demanda foi tão alta que todos os recursos foram utilizados e a Danone colocou mais R$ 2 milhões. Neste ano, serão R$ 100 milhões.

O diferencial é a governança que a Danone traz para a mesa de negociação, explica Mário Rezende, vice-presidente de Sustentabilidade e Operações. Segundo ele, o fato de a empresa fixar contratos com os fornecedores — de no mínimo 24 meses — é uma garantia que transforma a relação com o banco. “Isso gera um fluxo de caixa descontável, o que tem valor em uma cadeia ainda com alto nível de informalidade.”

Já foram beneficiados com essa linha de crédito 133 produtores ligados à Danone. Os contratos cobrem custeio e investimento, abrangendo preparo de solo, plantio de lavouras, infraestruturas, máquinas e equipamentos.

A Jornada Flora inclui uma assistência variada, desde consultorias de agrônomos até uma central de compras que possibilita reunir pedidos de diversos produtores e baixar os custos dos insumos — e sem desembolso de caixa, antecipando a produção.

O retorno

Os efeitos são tangíveis, diz Rezende. “A produção média entre os fornecedores da Danone saltou de 411 litros por dia para 601 litros/dia. Nossos produtores de até mil litros de leite diário cresceram 46% em três anos.”

A Danone também tem benefícios industriais por receber um leite de melhor qualidade, com mais sólidos. E encontra um caminho para atingir seus compromissos globais de sustentabilidade.

“Além do aumento na renda dos produtores, temos um turnover de 45%, menor que a média do mercado, e nossa produção cresceu quatro vezes a média nacional. Tem uma redução de CO2, com 20% da base produzindo leite de baixo carbono, e a emissão de metano caiu 42% desde 2020. É um ganha-ganha”, afirma Rezende.

Atualmente, integram a iniciativa 160 dos cerca de 250 fornecedores de leite da companhia, o equivalente a 51% do volume comprado, e a ideia é ampliar o alcance até chegar nos 100% — meta para a qual a Danone não estipula um prazo.

Camilo Wittica, vice-presidente de Assuntos Jurídicos, reforça a ideia de que a sustentabilidade ambiental passa por fazer o negócio mais sustentável. Segundo ele, a ideia da companhia é apresentar a Jornada Flora na COP30 como um case replicável em outras geografias. “O modelo é escalável. Ninguém vai cuidar do animal ou buscar redução de carbono se não tiver resultado financeiro.”

Mudança radical dentro da porteira

Segundo a Danone, o programa tem sido bem-sucedido em transformar a realidade de um modelo semi-extrativista para “ilhas de excelência” com rendimentos de R$ 60 mil por mês.

Na Fazenda Cachoeira das Antas, em Santa Rita de Caldas (MG), existe um antes e um depois da Danone, diz o proprietário Áureo Carvalho. Fornecedor da companhia desde 2019, ele viu sua produtividade saltar de 250 litros por dia para 2,3 mil litros por dia na propriedade de 37 hectares.

A produção começou em 2012, quando voltou ao Brasil após alguns anos trabalhando na Europa “para juntar dinheiro”. Começou com uma produção pequena de gado de corte, e, em 2014, migrou para o leite.

À época, já ouvira falar no projeto da companhia, mas o caminho pré-Danone ainda levaria cinco anos. Em 2019, conseguiu cumprir os requisitos da empresa sobre quantidade e qualidade do gado, do leite e do solo, e entrou para o time.

“A gente tem alguns parâmetros mínimos, tanto de qualidade, como a quantidade bacteriana no leite, quanto de auditoria de fornecedores, na qual a gente checa, por exemplo, se tem trabalho escravo”, explica Rezende.

Desde então, o custo caiu de 80% para 49%, sob impacto também do sistema de compras, que permite ao produtor adquirir insumos a preços melhores. E, em paralelo, a propriedade adotou técnicas que evitam desgastar o solo, visando um aumento de produtividade da lavoura destinada à alimentação do rebanho — no caso, o cultivo de milho junto de outras espécies, como a braquiária e o milheto.

Gado leiteiro na compost barn construída recentemente na Fazenda Cachoeira das Antas, em Santa Rita de Caldas (MG) | Crédito: Divulgação

“A gente produzia 40 toneladas de milho por hectare e, agora, estamos em 75. E produzimos comida para o ano todo, com uma conta precisa, sem precisar dar chute”, diz Carvalho, que hoje recebe consultoria até para seleção genética visando otimizar o nascimento de fêmeas para ampliar a produtividade.

O investimento mais recente foi na aquisição e instalação de um compost barn, um sistema de alojamento e alimentação pensado para ampliar o conforto dos animais e aumentar a produtividade.

A transformação é visível: de um lado, um galpão envelhecido que acabou se tornando um depósito; de outro, com mais que o dobro do tamanho, um alojamento de aparência moderna, municiado com ventiladores para manter a temperatura no ponto ideal, e um sistema de resfriamento na ordenha que, sozinho, vem gerando mais 2 litros por dia por animal.

“É de litro em litro a conta do produtor para ter lucro. Quando a gente fornece conforto, os animais nos retribuem em leite”, diz Carvalho.

Sua meta, agora, é construir mais um galpão para guardar ração e mais um alojamento para animais, para chegar em 3,5 mil litros por dia. Sem esquecer de continuar treinando, com ajuda da Danone, o sobrinho que estuda agronomia e representa a sucessão do negócio.

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O jornalista viajou a convite da Danone.