
Surgida há três bilhões de anos e responsável por metade do oxigênio na atmosfera, a flora marinha é cada vez mais vista como uma aliada do agronegócio na busca pela segurança alimentar.
No contexto de crescimento populacional e de mudanças climáticas, as algas são uma fonte natural abundante e que não compete por terra, lembra Marciel Stadnik, professor da UFSC (Universidade Federal de Santa Catarina).
As pesquisas e regulamentações vêm avançando, e algumas empresas já colocaram produtos no mercado baseados em diferentes algas, com distintas utilidades.
Pioneira em lavouras
Uma das principais algas no mercado de bioinsumos é a ascophylum nodosum, uma espécie marrom que cresce em regiões frias do Atlântico Norte, como Canadá, Irlanda e Noruega, e que passou a ser utilizada como adubo no fim do século XIX.
“É a espécie mais amplamente estudada e com maior confiabilidade para uso na agricultura”, diz Vinícius Marangoni, gerente técnico de portfólio de Nutrição da Nitro.
O avanço das pesquisas destacou o potencial bioestimulante em complementariedade com insumos químicos. Certas substâncias nessa alga, como antioxidantes, vitaminas e aminoácidos, aumentam a resistência das plantas a estresses climáticos — na soja, estimulam o crescimento do sistema radicular, melhorando a absorção de nutrientes.
Segundo Stadnik, da UFSC, o aumento de produtividade proporcionado pela ascophylum nodosum é de 16%, em média, em diversas culturas. Na tangerina, um estudo evidenciou aumento de 30% na produção de frutos.
Com estoque no Nordeste, ajuda a fixar fósforo
Outra alga com cada vez mais estudos é a lithothamnium, uma espécie vermelha rica em cálcio e magnésio e disponível no litoral do Nordeste.
“É uma alga bioclástica: ao completar o ciclo de vida, se desprende pelas correntes marinhas até um depósito, onde é coletada morta. A porosidade facilita a interação de seus nutrientes com a microbiota do solo”, explica Lucas Avila, CEO da PrimaSea.
A startup é uma das empresas no Brasil com produtos agrícolas baseados na alga. São dois segmentos de atuação, explica Avila: nos vegetais e na nutrição animal.
Na primeira frente, a lithothamnium pode turbinar a nutrição: “Ela tem 16 aminoácidos que equivalem a colocar comida na boca da planta, com um arranque de crescimento”.
Mas seu principal uso é em associação com fertilizantes, elevando a absorção do fósforo em até 40%. Com isso, atenua a dependência de importação e a baixa solubilidade dos produtos, que leva os produtores a aplicarem mais do que o indicado.
O outro emprego dessa alga é na nutrição animal, especialmente em bovinos de corte ou leiteiros, mas também aves, camarão e piscicultura. Os benefícios são dois: como complemento nutricional, e, nos bovinos, reduzindo a acidose no sistema digestivo. Isso eleva a produtividade da ração e diminui a emissão de metano.
Reduz a emissão de metano em bois
Outra alga em estágio avançado de pesquisa é a asparagopsis taxiformis, uma espécie marrom abundante no Hemisfério Norte que também pode ser usada na nutrição ou para potencializar bioinsumos. “Os extratos dela melhoram a absorção de nitrogênio a partir da enzima nitrato redutase”, explica Stadnik, da UFSC.
A asparagopsis também tem uso na pecuária. Um dos compostos presentes na alga, o bromofórmio, regula o PH do sistema digestivo de bovinos de corte ou de leite. Com isso, é capaz de elevar a eficiência alimentar e reduzir a emissão de metano.
Esse é o foco da pesquisa de Abdalla, da USP: dietas alternativas para ruminantes com aditivos fitogênicos para mitigar emissões de gases de efeito estufa, em oposição a tratamentos tradicionais baseados em químicos e antibióticos. Segundo ele, a redução chega a 98% em laboratório e a 60% em animais vivos.
A asparagosis não existe no Brasil, nas há na literatura outras algas nativas que podem ser usadas com essa finalidade, diz Danielle de Bem Luiz, chefe-geral da Embrapa Pesca e Aquicultura.
“A gracilaria e a sargassum também têm compostos bioativos com efeitos imunomoduladores, antimicrobianos e promotores de crescimento vegetal.”
Potencial biofertilizante
Outra alga que vem sendo utilizada no agronegócio é a kappaphycus alvarezii, uma alga vermelha abundante no litoral Sul-Sudeste que substitui fertilizantes baseados em potássio e também interage bem com bioinsumos.
Curiosidade: ela foi tema de um debate no ano passado no Senado Federal sobre suas potencialidades no agro e na indústria alimentícia.
“Os estudos mostram benefícios em culturas como arroz, milho, feijão, soja e batata, especialmente em áreas sujeitas a estresse hídrico”, diz Luiz. Ela coordena a Rede Kappa Brasil, uma iniciativa que integra Embrapa, universidades federais, centros estaduais de pesquisa e instituições internacionais.
Nova fronteira
Também vêm crescendo os estudos sobre a aplicação na agricultura das microalgas — é a linha de pesquisa de Átila Francisco Mógor, professor da pós-graduação em agronomia da UFPR (Universidade Federal do Paraná).
Ele explica que elas produzem substâncias que influenciam o crescimento das plantas. Em alguns casos, há também efeitos antibacterianos e antifúngicos.
Mas enquanto o uso de macroalgas na agricultura remonta ao século XIX, a aplicação de microalgas é mais recente, com pesquisas capitaneadas nos últimos 20 anos por Estados Unidos e União Europeia.
No Brasil, elas vêm sendo estudadas como matéria-prima para o biodiesel. Mas há outras aplicações. Uma das pesquisas de Mógor focou um aumento da resistência da bactéria bradyrhizobium, usada para inocular nitrogênio no solo, em condições de estresse ambiental. Outros trabalhos associam microalgas a uma maior fixação de fósforo, carbono, cobre, ferro, manganês e zinco.
O número de espécies fica na casa das dezenas de milhares. Algumas se destacaram primeiro como suplementos alimentares para humanos, como a chlorella e a spirulina. Outras ainda são identificadas por códigos formados por letras e números.
Segundo Mógor, o Brasil tem algumas coleções de espécies em universidades, como a UFSC e a Ufscar. Há também acervos privados, como o da Regenera Moléculas do Mar, uma startup de bioprospecção de fungos e bactérias que tem desde 2023 uma parceria com a Nitro.
E nas microalgas nem sempre há as dificuldades operacionais e ambientais da coleta. “Muitas delas são cultiváveis em sistemas chamados de fotobiorreatores. Ao contrário das macroalgas, é possível produzir microalgas onde você quiser”, diz Mógor.
A escala ainda depende de uma maior informação dos produtores, diz Everton Campos, diretor de marketing da Krilltech, da Casa Bugre — a Agrilife, uma empresa do grupo, lançou neste ano um bioestimulante para frutos baseado em microalgas. “Elas são organismos muito mais complexos e ricos bioquimicamente do que as macroalgas. Um maior entendimento vai viabilizar a escala.”