
Um fixador foliar de nitrogênio — biológico que transforma o elemento presente no ar em nutrição para as plantas — é um dos protagonistas de um uma safrinha de milho que tem tudo para ser recorde na fazenda do grupo Pignatari em Ponta Porã, Mato Grosso do Sul.
Quem deu os detalhes sobre o produto e as perspectivas de aplicação na lavoura brasileira foi Frederic Beudot, Líder Global de Biológicos da Corteva, que falou à imprensa brasileira nesta quinta-feira durante o GAFFFF, evento do setor que acontece em São Paulo.
Batizado de Utrisha N, o produto usa uma cepa da bactéria Methylobacterium symbioticum que converte em amônio o nitrogênio atmosférico disponível no ar, fornecendo nutrientes decisivos para a lavoura ter mais produtividade.
“Hoje, aproveitamos só 30% do potencial genético da semente. Como podemos ajudar os agricultores a capturar mais do investimento que fazem?”, perguntou Beudot.
Ele mesmo respondeu: o Brasil é o único país capaz de adicionar mais terra produtiva a cada ano, mas o ritmo dessa incorporação é mais lento do que o do aumento da população no mundo. “Ao mesmo tempo, a agricultura precisa se mover em direção à sustentabilidade. É aí que as tecnologias biológicas fazem a diferença”, completou.
Os microorganismos compõem a divisão de biológicos da Corteva, que representa entre 7% e 8% do faturamento na unidade de proteção de lavouras da companhia americana. Com produtos como o Utrisha N, a Corteva quer triplicar essa fatia em dez anos.
Para isso, a Corteva vem investindo pesadamente em pesquisa em desenvolvimento. Por dia, são US$ 4 milhões em P&D — o equivalente a US$ 1,4 bilhão por ano.
Geograficamente, o Brasil é um dos principais expoentes na adoção de biológicos. O segmento tem crescido entre 18% e 30% ao ano nos últimos anos, enquanto no restante do mundo o aumento é menor, de 9% a 15%.
“Nos Estados Unidos, a adoção tem sido mais lenta, porque a maioria das regiões onde a soja é plantada tem solos profundos e ricos. Então, a percepção dos produtores — que não é necessariamente correta — é que nada mais é necessário. Mas a consciência sobre sustentabilidade está aumentando, conforme o uso de fertilizantes químicos não gera mais os mesmos benefícios”, afirmou Beudot.
Os testes no Brasil
O executivo descreveu os ótimos resultados do fixador foliar na safrinha de milho do ano passado, marcada pelo contexto de altas temperaturas e falta de chuvas.
Durante a entrevista coletiva, Beudot esteve acompanhado dos irmãos Angelo e Mario Pignatari, responsáveis pelo grupo que leva o nome da família e produz soja e milho no Mato Grosso do Sul.
Os Pignatari eram clientes há oito anos da Stoller, startup de biológicos adquirida pela Corteva em 2023. Por isso, já tinham um relacionamento com a multinacional e foram um dos primeiros no País a testar a novidade.
No ano passado, o biológico ajudou os produtores a mitigar as perdas, mesmo com a aplicação-teste em apenas 50% da área total.
“A gente viu que a planta conseguiu resistir ao pior momento de estresse e teve uma produtividade além do esperado, com 10 a 15 sacas a mais por hectare”, disse Angelo Pignatari.
Neste ano, com condições climáticas mais próximas do ideal e aplicação em 100% da lavoura, a projeção dos irmãos é de uma safrinha recorde. A produtividade pode alcançar 130 sacas por hectare, segundo o irmão, Mario.
A próxima fronteira
O executivo da Corteva e os produtores rurais reforçaram que o futuro não verá uma substituição dos químicos pelos biológicos, mas sim uma complementariedade.
“O desafio atual é que a química faz os insetos e as doenças desenvolverem resistência. Quanto mais você usa a química, com o tempo, vai perdendo sua efetividade. E aí usamos os biológicos para acelerar essa evolução. Mas não é uma substituição, está evoluindo para se tornar uma abordagem integrada”, disse.
Beudot descreveu as duas próximas fronteiras dos biológicos em sua visão: o desenvolvimento de técnicas de conservação que garantam maior estabilidade e validade aos produtos, e a edição genética em microorganismos. “Vamos ver essas tecnologias chegando ao mercado em 10 a 15 anos”, afirmou.
Segundo ele, uma das demandas mais importantes a serem endereçadas é por definição de regulações. “Esses micróbios modificados não vão ao mercado antes de serem muito bem testados. Companhias como a nossa conversam com autoridades para entender o arcabouço regulatório, fazemos um investimento forte em comunicação e educação”, disse.