Opinião

O Brasil precisa superar falhas na regulação das ferrovias

Os problemas são complexos e sua solução requer investimentos elevados, mas adiar o problema só tornará tudo mais difícil para os usuários e para as concessionárias

O crescimento da safra nas últimas décadas trouxe o desafio de manter a competitividade do agronegócio para o abastecimento interno e para as exportações. Nem é preciso dizer o quanto isso ganhou relevância desde o início do ano, tanto pela oscilação dos preços internos, quanto pela instabilidade geopolítica que coloca em risco as exportações.

No entanto, o quadro é bem mais complexo em razão de elementos estruturais associados à infraestrutura de transportes insuficiente e da menor taxa de crescimento da demanda externa.

Isso foi discutido no Seminário Desafios do Transporte Ferroviário e Competitividade do Setor Produtivo, realizado no dia 5 de agosto no auditório da Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA), em parceria da ABIOVE com a Associação Nacional dos Usuários de Transportes de Carga (ANUT) e a Associação das Empresas Cerealistas do Brasil (Acebra). Aos que não puderam participar, convido a assistir à gravação disponível no pelo link.

Com boas palestras e discussões, ficou claro o ambiente de insatisfação generalizada dos usuários com o quadro de prestação de serviços de transporte ferroviário. O ponto principal não é a comparação da evolução histórica da carga transportada agregada, mas sim o que tem sido ofertado por malha e, especialmente, em relação à demanda existente.

Com relação à oferta por malha, a apresentação do professor Thiago Pera, pesquisador da Esalq-Log, evidenciou que, enquanto a Ferrovia Norte-Sul, por exemplo, apresenta números bastante positivos, o desempenho é sofrível na maior parte delas, quando não desalentadores, como na Malha Oeste e na Ferroeste do Paraná.

Ou seja, a ociosidade é elevada e o abandono é fato em muitos casos. Por isso, olhar os totais não ajuda a entender o que se passa regionalmente.

Já quando se olha a razão oferta/demanda, fica claro que a oferta, mesmo a total, ficou muito aquém da necessária. Aí, é preciso ver que a participação ferroviária caiu, sendo essa, possivelmente, a maior indicação de que não faltou carga, mas trilho – parafraseando o título da apresentação do professor.

O prof. Gesner de Oliveira fez outra brilhante apresentação na qual discutiu o papel da regulação para correção das bem conhecidas falhas de mercado. Diante do poder econômico de monopólio e da assimetria da informação, a regulação é essencial para equilibrar a relação com os usuários e evitar abusos. Para isso, a fiscalização deve garantir o fiel cumprimento dos contratos, reduzir a ociosidade e zelar pelos bens públicos.

A riqueza das discussões se deve à constatação de que esse quadro não pode se perpetuar sem que o Brasil corra sério risco de piorar indicadores socioambientais importantes relacionados à emissão de poluentes e aos acidentes de trânsito, bem como de reduzir sua competitividade.

Se continuar nesse ritmo, veremos nossas importações de diesel crescerem a volumes insustentáveis e ficaremos cada vez mais distantes das melhores práticas mundiais, como bem apontou a ESALQ-LOG.

Sistemas de monitoramento

Outro fato que me chama a atenção é que a ANTT ainda não dispõe de sistemas integrados de monitoramento e fiscalização. Além disso, os instrumentos administrativos à sua disposição têm se mostrado ineficazes, uma vez que o que mais vemos são empresas arcando com as penalidades e multas impostas, ao invés de promoverem as mudanças de comportamento necessárias. Nem mesmo os processos administrativos têm levado a resultados concretos, já que, quando judicializados, arrastam-se por anos.

O problema está à frente de todos: nosso País, de dimensões continentais e amplo potencial, depende das ferrovias, assim como estas precisam das cargas para desenvolver seus negócios. É urgente discutir soluções para os problemas apresentados:

1) A ANTT precisa implantar sistemas de monitoramento em tempo real para poder fiscalizar as concessionárias;

2) Os usuários precisam ter seus direitos respeitados, com a prestação do serviço adequado e a garantia de oferta, mediante os necessários investimentos para superar gargalos e elevar a produtividade; e

3) Os trechos subutilizados e, especialmente, os abandonados, precisam ser recolocados em operação dentro de um horizonte temporal aceitável e compatível com as demandas pelos serviços. É fundamental encontrar uma saída com incentivos e penalidades adequada para que isso aconteça.

A situação é difícil, mas não insuperável. Temos cargas para movimentar, exemplos de trechos operando em boas condições e usuários satisfeitos. Ignorar o problema só vai aumentar os custos futuros, e o cenário internacional não permite descuidar da competitividade.

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Dedico este artigo ao querido Alexandre Barra, consultor da ABIOVE, cujo trabalho incansável foi fundamental para produzirmos o evento do dia 5 de agosto e avançarmos no entendimento desse quadro complexo sobre o transporte ferroviário. Registro meu respeito a ele, que nos deixa saudades e sempre será lembrado pelo bom humor e otimismo.