Análise

Trump riscou o Brasil do mapa da carne, mas o mundo é bem maior

Sem a carne brasileira, inviabilizada com a imposição de uma tarifa de importação de 76%, os Estados Unidos perdem um fornecedor substantivo (e barato)

Em um mundo marcado pela escassez de carne bovina, a caneta de Donald Trump vale menos?

A escalada tarifária do mandatário americano contra o Brasil já provoca distúrbios na pecuária brasileira, é claro, mas o balanço global de oferta e demanda sugere que os frigoríficos terão para onde correr.

“Os Estados Unidos são um comprador importante, mas estão muito longe de ser a China”, diz uma fonte.

No médio prazo, a lógica da soma zero que caracteriza o mercado de commodities vai prevalecer, segundo os analistas.

Sem a carne brasileira, inviabilizada com a imposição de uma tarifa de importação de 76%, os Estados Unidos perdem um fornecedor substantivo (e barato). Atualmente, o Brasil responde por 14% do volume de carne bovina importada pelos americanos, de acordo com dados compilados pelo Insper Agro Global.

Com isso, os americanos terão de buscar o suprimento que vinha do Brasil de outras origens: notadamente, os vizinhos sul-americanos (Argentina, Paraguai e Uruguai) e a Austrália.

“Esses países vão deixar um buraco em algum lugar e o Brasil vai ocupar”, afirma Michel Torteli, sócio-fundador da FinPec e um dos maiores conhecedores das dinâmicas da pecuária no Brasil.

A leitura é compartilhada pela economista Lygia Pimentel, CEO da consultoria Agrifatto. “Vai ter um reequilíbrio porque a carne disponível no mundo não consegue se multiplicar”, resumiu.

Nesse cenário, a tendência é que a oferta brasileira se desloque mais para países como Chile, Argélia, Egito e, claro, China. Até isso ocorrer, no entanto, o ambiente fica um tanto bagunçado, com muita volatilidade nos preços.

Nesta quinta-feira, por exemplo, os contratos futuros de boi gordo caíram, em média, 2% em toda a curva de vencimento. Ao mesmo tempo, quase todos frigoríficos paralisaram as compras de gado — o que não é um problema para eles, que estão com as escalas de abate alongadas.

“A Minerva acordou fora das compras de gado, e os outros entraram no mercado oferecendo R$ 295 por arroba — contra R$ 305 de ontem —, mas não fecharam negócios”, contou Pimentel, que acompanha a dinâmica do mercado de boi gordo diariamente.

Nesses momentos, os negócios internacionais ficam em suspenso, com os frigoríficos adotando cautela para não fazer maus negócios em meio às tentativas naturais dos demais importadores de tirar uma casquinha do momento adverso. “A China acordou martelando preços mais baixos na importação, de forma especulativa”, disse a fundadora da Agrifatto.

No curtíssimo prazo, os preços básicos da pecuária sofrem uma pressão de baixa, mas a expectativa dos analistas é que a situação se reorganiza com o tempo, com o Brasil deslocando o volume destinado aos EUA — cerca de 10% do total exportado, superando US$ 1,5 bilhão — a outros destinos.

Inicialmente, esse processo pode levar a uma redução temporária nos preços praticados no Brasil, mas isso tende a se reverter no médio prazo — afinal, não há carne bovina sobrando no planeta.

Do outro lado, o consumidor americano terá de pagar mais para substituir a carne brasileira.

“Na média histórica, o Brasil é 14% mais barato do que a média global dos principais exportadores. Em 2025, está 21% mais barato do que a média global”, destacou Pimentel.

Atualmente, o preço médio do gado brasileiro é de US$ 55,25 por arroba, o mais barato do mundo e o boi americano, o mais caro (US$ 112,85 por arroba) graças ao severo ciclo pecuário por lá.

Nesse processo, os Estados Unidos terão de preencher o buraco na oferta de carne importando carne de países onde o boi é bem mais caro que no Brasil, o que vai resultar em mais inflação na ponta.

Para se ter uma ideia, o boi gordo na Austrália custa, em média, US$ 64,4 por arroba, contra US$ 67,06 por arroba na Argentina e US$ 68,61 por arroba no Uruguai.

Entre todos os países, o grande beneficiado da saída brasileira é o Paraguai. Embora tenha um volume insuficiente para preencher o espaço que ficava com os brasileiros, os paraguaios têm espaço para direcionar mais vendas para os Estados Unidos a um custo competitivo.

Levantamento da Agrifatto mostra que o preço médio do boi gordo no Paraguai está em US$ 55,94 por arroba, em linha com as cotações do animal pronto para o abate no Brasil.

No Paraguai, as empresas mais beneficiadas serão a brasileira Minerva Foods — maior indústria de carne do país —, o Concepción, companhia de carne bovina controlada pelo brasileiro Jair Lima.

A Minerva pode aproveitar o espaço para aumentar as exportações aos Estados Unidos por meio dos frigoríficos que detém na Argentina, onde é a líder de mercado, e Uruguai — as margens das indústrias nesses países, no entanto, são piores que a brasileira.