
Duas semanas depois do anúncio do tarifaço de Donald Trump sobre as importações brasileiras, a cautela impera no mercado de carne bovina do Brasil, maior exportador mundial.
Desde a fatídica carta do presidente americano, não há mais negócios entre exportadores brasileiros e importadores americanos e nem produção de carne in natura para os Estados Unidos, mas não apenas.
As negociações com os demais importadores da carne brasileira também estão em compasso de espera, em um jogo de xadrez que só vai ficar mais claro a partir de 1º de agosto — quando as tarifas americanas estão previstas para entrar em vigor.
Neste momento, os importadores chineses, conhecidos por sua exímia capacidade de pechinchar, pressionam por descontos que variam entre 2% e 4%, disseram duas fontes da indústria.
Até aqui, os frigoríficos brasileiros resistem. Como boa parte dos exportadores contava com uma carteira relativamente alongada, em alguns casos de até oito semanas de pedidos, não há pressa, disse um grande exportador ao The AgriBiz. “O tarifaço gerou um stress pontual, mas não há motivo para pânico”, acrescentou.
Esse stress se traduz nos preços e na paralização temporária de novos negócios. Com a ausência do segundo maior cliente externo do mercado, o preço do boi gordo acumula queda de 3% desde 8 de julho. No mercado interno, o preço da carcaça bovina tem retração semelhante.
“Estamos com um fluxo de comercialização muito menor, principalmente de carne. E deve continuar assim até que os frigoríficos acumulem estoques e sejam forçados a negociar”, avalia Lygia Pimentel, CEO da consultoria Agrifatto. “O mercado segue lento”, confirma uma fonte de um grande frigorífico.
No médio e longo prazo, a expectativa é que os fluxos comerciais se ajustem. Como o cenário é de aperto na oferta global de carne, outros importadores devem ocupar o espaço deixado pelos Estados Unidos nas exportações brasileiras. Mas esse ajuste deve demorar algumas semanas.
Enquanto isso, os frigoríficos calibram as operações. As escalas de abate, que estavam alongadas no início do mês, estão mais curtas, refletindo o menor apetite dos na compra do boi gordo e o cenário de incertezas.
“Há um efeito negativo que já era esperado, mas deve ser pontual”, disse Pimentel. Para a economista, agosto ainda deve ser um mês difícil para os exportadores, que vão continuar numa queda de braço nas negociações até que eles encontrem clientes alternativos aos EUA — e que esses mercados se consolidem.
Um dos países mais promissores para ocupar parte desse espaço é o Vietnã, que abriu o seu mercado para a carne brasileira em março. O país asiático importa cerca de 480 mil toneladas por ano, dos quais 70% vêm dos Estados Unidos e da Argentina. O primeiro embarque para o Vietnã, realizado pela JBS, ocorreu no início deste mês.
Além da China, Pimentel também aponta como potenciais importadores em ascensão a Indonésia, o Chile e o Egito. E pode haver um fio de esperança até mesmo nos Estados Unidos.
A carne americana está tão cara que, mesmo com a tarifa total de 76% sobre a importação brasileira, a diferença entre as duas origens não seria tão discrepante. Segundo cálculos preliminares de um exportador, a carne brasileira estaria apenas de 4% a 5% mais cara do que a produzida nos Estados Unidos.
Sem opções para laranja e açúcar orgânico
Se os exportadores de carne têm diversas opções para preencher a lacuna dos Estados Unidos, a situação é bem mais desafiadora para outros setores. É o caso da indústria de suco de laranja, que têm praticamente metade das exportações direcionadas para os EUA.
Neste caso, a substituição é longe de ser simples. Os importadores precisam ter logística preparada para a recepção do suco congelado, além da capacidade de processamento (a transformação do suco concentrado na bebida).
Outra indústria colocada à prova pelo tarifaço de Donald Trump é a de açúcar orgânico, que tem praticamente metade da demanda mundial concentrada nos Estados Unidos.
Segundo estimativas de mercado citadas por Rodrigo Penna de Siqueira, CFO da Jalles Machado, o consumo mundial é de aproximadamente 700 mil toneladas, das quais 300 mil estão nos Estados Unidos.
No ano passado, os americanos importaram 268 mil toneladas — cerca de metade do Brasil. A dependência é mútua: nos últimos dez anos, os EUA responderam por 50% a 70% das exportações brasileiras. “É o nosso principal mercado de exportação”, disse o CEO da Jalles, uma das maiores exportadoras do País, ao The AgriBiz.
Com uma demanda doméstica estimada em apenas 12 mil toneladas, ou 0,2% de todo o consumo de açúcar brasileiro, e perda de mercado na União Europeia, que hoje importa da Colômbia sem tarifas devido a um acordo de livre comércio, os exportadores brasileiros de açúcar orgânico praticamente não têm alternativas.
Como os estoques nos EUA estão baixos e as indústrias alimentícias dependem do açúcar orgânico brasileiro, Siqueira não acredita em uma ruptura bruta das importações. “O açúcar não é uma parcela importante do custo do produto final”, observa.
Mas, caso a tarifa adicional de 50% seja mantida no longo prazo, outros produtores podem ser incentivados a aumentar a produção para abastecer os EUA, ocupando o espaço do Brasil. Nesse cenário, é provável que parte da produção de açúcar orgânico do Brasil migre para a convencional.
No caso da Jalles, as exportações de açúcar orgânico para os EUA representaram 6% da receita total da companhia no ano passado. Em média, o açúcar orgânico é vendido com um prêmio de 30% a 35% sobre o preço do produto convencional.