Frigoríficos

Na Minerva, a projeção é boa. Mas o mercado não quer pagar para ver

Ações da companhia dos Vilela de Queiroz caíram quase 8% nesta quinta-feira, a maior baixa entre os papéis do Ibovespa

Frigorífico da Minerva

A tentativa da Minerva de guiar o consenso dos analistas, sinalizando uma direção para os resultados do ano e do processo de integração dos frigoríficos comprados da Marfrig, ainda não foi suficiente para convencer os investidores — ao menos por enquanto.

Apesar do potencial de receita líquida embutido no guidance divulgado ontem à noite pela Minerva (a companhia dos Vilela de Queiroz poderia chegar a até R$ 58 bilhões de receita no ano, contra uma estimativa média de R$ 51 bilhões dos analistas), muitas dúvidas ainda pairam no ar.

“A falta de detalhes sobre as principais premissas — como preços, câmbio e contribuição da divisão de negociação — limita a visibilidade do guidance”, escreveu o analista do Santander, Guilherme Palhares, em relatório enviado a clientes.

Na bolsa, as ações da Minerva ainda não parecem ter incorporado os números projetados pela companhia. Num pregão de alta do Ibovespa (o indicador subiu 2%), as ações das maior exportadora de carne bovina da América do Sul destoaram. Os papéis (BEEF3) caíram 7,7%, a maior queda do índice.

A desvalorização dos papéis também reflete uma frustração do mercado com os resultados do primeiro trimestre, também divulgados ontem à noite. Semanas antes do balanço, durante as conversas com investidores sobre o aumento de capital privado, a Minerva chegou a indicar que teria um Ebitda maior do que o efetivamente reportado.

“O pessoal está reagindo mal porque eles inflaram a expectativa. O pessoal estava esperando um Ebitda de R$ 1,1 bilhão”, disse uma fonte. O Ebitda do primeiro trimestre, no entanto, veio abaixo disso — R$ 962 milhões.

Apesar disso, as projeções da Minerva para o ano podem ser um alento, desde que os analistas considerem o número factível. Se a companhia atingir o ponto alto do intervalo de receita, chegando em R$ 58 bilhões, os resultados serão positivos — e certamente mexerão com as ações.

Diante da forte escassez de carne bovina nos Estados Unidos, a Minerva tem chances de atingir uma receita expressiva — o que poderia se espraiar pelas demais linhas dos resultados, argumenta uma fonte.

Mas nem todos querem pagar para ver. “Sem o guidance, os números da Minerva ainda não são bons. Então, o mercado ainda precisa acreditar nesse guidance”.

O guidance da Minerva

Ontem à noite, a Minerva divulgou um guidance de receita líquida para 2025, um intervalo entre R$ 50 bilhões e R$ 58 bilhões. A estimativa considera que a demanda internacional por carne bovina continuará forte, com preços em alta devido a restrições de oferta em importantes países produtores e demanda aquecida.

Dentro de casa, a projeção leva em conta o aumento no uso da capacidade instalada das plantas adquiridas e um crescimento nas vendas desses frigoríficos para o mercado externo, o que tende a melhorar os preços de venda. No primeiro trimestre, a carne produzida nesses frigoríficos ficou mais direcionada ao mercado interno devido a “dificuldades normais do processo de integração”, segundo Edison Ticle, CFO da Minerva.

“Seguimos com o processo de liberação para exportação dos novos ativos. No primeiro trimestre, teremos um grau de liberdade muito maior nas vendas. No terceiro, esperamos que o pricing e o uso de capacidade dessas unidades esteja normalizado”, disse o executivo em teleconferência com analistas.

Entre janeiro e março, os frigoríficos recém-integrados operaram utilizando entre 50% e 55% da capacidade instalada, em média. Nos próximos dois trimestres, esse índice deve convergir para os níveis históricos de uso de capacidade da Minerva, em torno de 75%.

No mercado, nem todos concordam que o processo de integração está andando acima do esperado, apesar dos argumentos repetidos pelos executivos da Minerva.

Em seu relatório, o analista do Santander destacou a queda do volume de carne produzida pela Minerva no Brasil. No primeiro trimestre, foram 210 mil toneladas, o que representa uma queda de 10% sobre as estimativa do banco e de 20% sobre o consenso de mercado.

“Este desempenho abaixo do esperado foi provocado pela deserção das operações que a Minerva já possuía e pelo ramp-up mais lento que o esperado das plantas adquirida”, escreveu Palhares.

Na Minerva, a leitura sobre a integração é outra. “Os novos ativos podem mais que dobrar a receita que eles tiveram no primeiro trimestre”, disse Ticle durante a teleconferência.

No primeiro trimestre, a receita bruta dessas unidades ficou em R$ 1,5 bilhão, lembrando que o frigorífico de Pontes e Lacerda, em Mato Grosso, só começou a operar em abril. Segundo o CFO, o potencial de receita trimestral para esses frigoríficos está entre R$ 3 bilhões e R$ 3,5 bilhões.

Com maior uso de capacidade e preços de venda mais altos, a Minerva espera melhorar as margens das novas plantas, que estão aproximadamente 250 basis points abaixo da margem Ebitda consolidada, que ficou em 8,6% no primeiro trimestre.

Ticle apresentou mais um exercício para indicar ao mercado o que esperar das margens durante o processo de integração. Nos últimos dez anos, a Minerva teve uma margem Ebitda de 9,5%, em média. A menor (9%) foi reportada em 2017, ano em que a companhia fez a integração dos frigoríficos adquiridos da JBS no Mercosul. A maior foi 11%, impactada pelo efeito da pandemia em 2020.

A partir desse histórico, é possível assumir que o negócio de carne bovina deve ter uma margem operacional de pelo menos 8,5%, com o pico entre 9,5% e 10%, segundo Ticle. “Pensar numa margem entre 8,5% e 9,5% em 2025 seria o mais adequado pelos desafios da operação, que acabam tirando parte do potencial”, afirmou.

EUA e China

Outro efeito que impactou os resultados do primeiro trimestre foi uma formação de estoques acima do normal nos Estados Unidos. Para aproveitar a cota autorizada a entrar nos Estados Unidos sem tarifa, a Minerva enviou o máximo possível no primeiro trimestre, pois essa cota (pequena perto da demanda norte-americana) costuma ser preenchida logo nos primeiros meses do ano. Com essa estratégia, a companhia também escapou do aumento adicional de 10% aplicado por Donald Trump ao Brasil.

A estratégia parece ter dado certo sob o ponto de vista comercial. A cota que o Brasil faz parte nas importações americanas de carne bovina, e que é livre de impostos, foi totalmente preenchida já em janeiro. E quase 45% dessa cota ficou com a Minerva.

Mas a operação teve um custo. A Minerva reportou uma queima de caixa de R$ 500 milhões no primeiro trimestre, linha afetada pelo aumento dos estoques nos Estados Unidos, que se tornou o principal comprador da carne da empresa fora do Brasil. Segundo os executivos da Minerva, a demanda dos americanos continua forte, assim como na China e na Europa.

Ticle ressaltou que as altas nos preços de exportação para a China ainda não foram totalmente captadas pelos números apresentados pela Secex (Secretaria de Comércio Exterior).

“A guerra comercial pegou a China muito desestocada no mercado de carne bovina, o que tem se refletido nos preços”, afirmou. Além dos chineses terem interrompido as compras dos Estados Unidos assim que Trump anunciou as novas tarifas, em 1º de abril, a oferta interna de gado na China teve uma redução significativa devido a uma reversão no ciclo pecuário, o que também acabou impactando os volumes demandados e os preços de exportação.

Para analistas, a queima de caixa maior do que a esperada no trimestre, aliado ao ritmo da integração de ativos abaixo das expectativas, pesou no desempenho das ações nesta quinta-feira. Em 12 meses, as ações da Minerva acumulam queda de 4%. A empresa vale R$ 3 bilhões na Bolsa.