
Atendendo às solicitações da Minerva, o presidente do Cade (Conselho Administrativo de Defesa Econômica), Gustavo Freitas de Lima, intimou os sauditas da Salic a prestar informações sobre a participação acionária cruzada que detêm em BRF e Marfrig, companhias que estão em processo de fusão, e na própria Minerva.
Desde que ingressou no órgão antitruste como terceira interessada no processo de fusão que criará a MBRF, a Minerva argumenta que a presença simultânea da Salic representa um risco de práticas anticompetitivas no mercado de carne bovina in natura, apesar de argumentar o extremo oposto no Uruguai.
No despacho assinado ontem à noite, o presidente do Cade pediu informações à Salic para averiguar essa possibilidade. “Pelo exame dos autos, parece-me que essa questão ainda não foi devidamente considerada nos estudos técnicos”, escreveu Freitas de Lima.
Com a fusão entre BRF e Marfrig, a Salic terá cerca de 10% do capital da MBRF. Ao mesmo tempo, a firma ligada ao fundo soberano da Arábia Saudita é a segunda maior acionista da Minerva, com 25%, e faz parte do bloco de controle ao lado da VDQ, holding da família Vilela de Queiroz.
A partir da intimação, a Salic terá dez dias corridos para prestar as informações ao órgão antitruste. Entre os dados solicitados, estão a existência de controle direto ou indireto, participação e a existência de direitos de preferência para ampliar a fatia acionária nas três companhias (Minerva, BRF e Marfrig).
O Cade também solicitou informações sobre a existência de memorando de entendimentos firmado pela Salic que preveja a fusão entre BRF e Marfrig, e sobre os direitos políticos que os sauditas terão. Além disso, a Salic terá de esclarecer ao Cade se possui contratos de fornecimento com as companhias no mercado de carne bovina.
Diante do desconforto da Minerva com a presença da Salic na MBRF e dos pedidos feitos ao Cade, os sauditas já vinham se preparando para prestar as informações solicitadas.
A expectativa é que a resposta dos sauditas seja protocolada na próxima segunda-feira, apurou The AgriBiz. Segundo fontes, a Salic argumentará que será um investidor passivo na MBRF — o mesmo papel exercido na BRF —, sem indicar qualquer membro no conselho de administração. Na Minerva, os sauditas possuem três assentos no board.
No caso dos contratos de fornecimento da Salic com a MBRF, não haverá nada relacionado à carne bovina, mas apenas à carne de frango, disse uma fonte. Com a Minerva, os sauditas possuem um contrato de fornecimento de carne bovina.
O fator Latache
Enquanto a situação com a Salic se desdobra, um outro fator chamou atenção dos observadores na disputa particular travada entre Minerva e Marfrig.
Nesta semana, um fundo da gestora Latache entrou no Cade pedindo a reavaliação da fusão entre BRF e Marfrig. A gestora sugeriu a venda de marcas relevantes da dona da Sadia como um remédio concorrencial para fusão.
O argumento causou estranhamento pois a firma de investimento declarou ter “interesse legítimo” no caso por ser acionista minoritária tanto de BRF quanto de Marfrig. Com esses pedidos, a gestora estaria jogando contra o próprio patrimônio, criticou uma fonte próxima às companhias.
A postura da Latache despertou ainda mais curiosidade diante das relações da gestora com pessoas ligadas à Minerva.
Nesta semana, o sócio-fundador da Latache, Renato Azevedo, se tornou um dos investidores do grupo liderado por Rafael Ferri que comprou a posição da Home24 na Toky — dona de Tok&Stok e Mobly.
Com esse movimento capitaneado por Ferri, Edison Ticle, diretor financeiro da Minerva, será indicado como chairman da Toky, segundo uma reportagem do Pipeline.
Uma fonte próxima à Latache descartou relação entre as duas questões. “Esse é um investimento do Renato na física e ele não indicou o Edison para o conselho. Não há qualquer documento nesse sentido”, justificou.
Na fusão entre BRF e Marfrig, acrescentou a mesma fonte, o interesse da Latache está relacionado à relação de troca entre as ações. A gestora de Azevedo considera que o equity da dona da Sadia foi subvalorizado, favorecendo a Marfrig — e, em última instância, os controladores.
Apesar das tentativas da Latache, a discussão sobre a relação de troca não é um tema concorrencial e, portanto, não competiria ao Cade. Na Justiça, onde também questionou os termos da fusão, a gestora de Azevedo já foi derrotada duas vezes — na primeira e segunda instâncias.
Após a publicação da reportagem, Ferri entrou em contato com The AgriBiz. Segundo ele, as ilações entre a indicação de Ticle e a Latache são completamente infundadas. “Eu sequer conheço o Renato Azevedo”, afirmou.
Ferri acrescentou que a indicação de Ticle à presidência do conselho da Toky foi feita por ele mesmo. “Investi R$ 20 milhões. O Azevedo colocou uma mixaria, que eu só soube depois ao ver a matéria do Pipeline”, assegurou.