Estratégia

Discrição e calma: 3tentos, a joia da família Dumoncel

Estreia em etanol de milho reforça estratégia traçada há quase 30 anos, diz o CEO e fundador da 3tentos, Luiz Osório Dumoncel

No último domingo, a gaúcha 3tentos completou 29 anos de uma história que começou em 4 de fevereiro de 1995, quando recebeu o seu primeiro carregamento de milho no município de Santa Bárbara do Sul.  Houve uma comemoração no grupo, bem discreta, como manda a cartilha da família Dumoncel.

Motivos não faltaram para celebrar o final de um ciclo e o início do novo. No ano passado, a inauguração da fábrica de esmagamento de soja em Vera (MT) marcou a presença da 3tentos em toda a cadeia da soja no maior estado produtor do País.

Já nos primeiros dias de 2024, a empresa anunciou o seu novo ciclo de expansão, com R$ 2 bilhões a serem investidos na construção de uma usina de etanol de milho, uma nova estrutura logística no Arco Norte e a abertura de dezenas de lojas de insumos agrícolas.

Se a decisão de entrar em etanol de milho surpreendeu uma parte mercado, que vê a imprevisibilidade das políticas macroeconômicas como um risco adicional, o fundador e CEO da 3tentos, Luiz Osório Dumoncel, garante que a escolha tem origem na essência da empresa.

“A visão da 3tentos não mudou desde aquela época, de sermos uma empresa de soluções no agronegócio”, disse Dumoncel em entrevista ao The Agribiz. “Esse é o cerne da nossa decisão: fornecer tecnologia e ajudar o produtor a conduzir cada vez mais e melhor a produção. E industrializar essa primeira etapa do alimento e da energia renovável.”

Luiz Osório, que ao lado do irmão João Marcelo lidera o negócio, começou a planejar o novo plano de expansão da 3tentos logo após a conclusão do IPO, em 2021. Na época, o projeto apresentado aos investidores estava baseado na expansão das operações do grupo no Rio Grande do Sul, onde já era forte, e na região da BR-163 em Mato Grosso, o coração da produção de grãos do País. “Mas vimos que existia uma oportunidade de crescimento no Vale do Araguaia”.

Fábrica da 3tentos, em Vera

Nos últimos dois anos, a empresa intensificou estudos para definir qual seria a melhor alternativa para crescer na região: uma outra planta de soja ou uma unidade de processamento de milho, produzindo o etanol, o DDG (subproduto do etanol de milho usado na ração animal) e o óleo de milho em pequena escala. “Depois de colocar isso em todos os modelos, decidimos pela planta de milho”.

Por que o Araguaia

Localizada no nordeste de Mato Grosso, a região do Vale do Araguaia está “em pleno desenvolvimento”, diz Dumoncel. A área cultivada com soja chega a 2,8 milhões de hectares, enquanto a área de milho soma 1,2 milhão de hectares. Há, portanto, potencial para mais que dobrar o plantio de milho no curto prazo, considerando somente as áreas que colhem soja na primeira safra e podem receber o milho na safrinha.

Talvez falte incentivo econômico. Não por acaso, a estratégia da 3tentos prevê a abertura de revendas de insumos agrícolas na região. Das 29 lojas que a empresa pretende abrir até 2030, a maior parte estará no Vale do Araguaia. Dessa forma, a empresa fortalecerá também a assistência técnica que pode resultar em aumento de produtividade na região, além de sua força comercial — tanto na venda de insumos como na originação de grãos.

Com a presença no Vale do Araguaia, a 3tentos fortalece um outro importante eixo de logística, com mais facilidade para escoar os seus produtos, afirma Dumoncel. O DDG da nova unidade deve ser facilmente absorvido por pecuaristas no sul do Pará e norte de Mato Grosso, áreas com elevado rebanho bovino. O etanol, por sua vez, poderá atender consumidores do norte e do nordeste.

Um pé na infra

Com o novo plano de investimentos, a 3tentos também coloca o pé em logística — e Dumoncel dá sinais de que mais aportes podem surgir no longo prazo.

“Começamos agora uma trajetória para ajudar nesses gargalos. Estamos deixando de ser eficientes nessa logística, tanto em Santos como em Paranaguá, de produtos que têm um valor agregado baixo. Então nós realmente queremos utilizar opções do norte e do sul, agregando valor desses produtos perto da produção”, disse.

A 3tentos firmou uma joint venture com a Caramuru para construir estruturas para armazenagem e de transbordo para carregamento de barcaças fluviais no terminal de Miritituba, no Pará. De lá, elas podem seguir para exportação para os portos de Santarém ou Santana. Com capacidade inicial de movimentação de 2 milhões de toneladas de grãos e de farelos — podendo atingir 5 milhões até 2028—, o principal objetivo desse investimento é exportar farelo de soja.

“Na sexta-feira, eu estava na fábrica, olhando pela janela o que a gente sonhou há muito tempo: as colheitadeiras no campo e a fábrica rodando, produzindo óleo, farelo, biodiesel… E, bem em seguida ali, esses produtos com valor agregado sendo transportados. Isso é muito animador”, conta o entusiasmo Luiz Osório. “Eu já fecho os olhos e enxergo isso acontecendo com o milho em Porto Alegre do Norte”, diz numa referência ao município onde será construída a unidade de processamento de milho.

Raízes na lavoura

A família Dumoncel começou a sua história na agricultura em 1954, quando o casal João Osório e Clélia Dumoncel semearam as primeiras áreas de trigo do Rio Grande do Sul. As atividades agrícolas cresceram com o passar dos anos e, em 1995, a 3tentos nasceu já com um modelo de solução integrada, como Luiz Osório, um dos cinco filhos do casal, resumiu. Já no primeiro ano, a empresa tinha como atividades principais a produção de sementes, venda de insumos e o recebimento, armazenamento e o comércio de grãos.

Desde o IPO, a 3tentos entregou o que prometeu, mas suas ações caíram 14%, sugerindo que os investidores ainda não precificaram o crescimento.
Luiz Osório Dumoncel, CEO da 3tentos: “Queremos utilizar os portos do norte e sul, agregando valor desses produtos perto da produção”

A expansão regional começou seis anos depois pelo interior do Rio Grande do Sul. A estreia no processamento aconteceu em 2013, com uma planta de esmagamento de soja e biodiesel em Ijuí (RS). Nos anos seguintes, continuou crescendo na distribuição de insumos e processamento de soja no Estado, até chegar ao IPO em 2021 — operação que financiou a expansão para o Mato Grosso.

“O Luiz Dumoncel está construindo uma empresa de R$ 30 bilhões de valor de mercado, mas isso vai acontecer no tempo dele”, diz um banqueiro que conhece a família. Hoje, a 3tentos vale cerca de R$ 5 bilhões. A família detém 75% do negócio.

Desde o IPO, ela entregou tudo o que prometeu, mas suas ações acumulam uma queda de 14%, sugerindo que os investidores ainda não precificaram o crescimento da companhia.

Para um analista do buyside que cobre a empresa gaúcha, a 3tentos vai se tornar a maior rede de distribuição de insumos agrícolas do país em dez anos, sem precisar de aquisições.

Há quem diga que a companhia poderia ser ainda mais agressiva, tomando mais risco para crescer mais rápido, mas Dumoncel prefere ter o negócio em suas mãos. Em um setor tão volátil como o agronegócio, não dá para dizer que ele que está errado. Afinal, a 3tentos continua investindo, enquanto outros players precisam ajustar a estrutura de capital.

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No novo ciclo de investimentos, 3tentos vai injetar R$ 200 milhões na estrutura de Miritituba (a Caramuru entrará com um valor igual). Na unidade de etanol de milho, serão investidos R$ 1 bilhão, enquanto mais R$ 280 milhões serão destinados à abertura de lojas.

A empresa usará recursos de financiamentos incentivados, de instituições como BNDES e Finep, e estuda uma operação estruturada de dívida para ajudar no funding, segundo Dumoncel. Do desembolso total de R$ 2 bilhões, 70% serão concentrados até 2025.