
Em um momento em que o mundo discute a transição energética e a segurança alimentar, o Brasil se vê diante de uma oportunidade única: mostrar que os biocombustíveis não competem com a produção de alimentos, mas podem ser grandes aliados nesse desafio global.
Essa foi a tônica dos debates promovidos no seminário realizado entre a ABIOVE e a FGV Agro no dia 14 de abril, que reuniu especialistas para discutir o papel estratégico do biodiesel e de outras fontes renováveis nos próximos anos.
O biodiesel para uso rodoviário, como mistura com o diesel fóssil para composição do diesel B, abriu os debates. Os palestrantes reagiram com grande naturalidade e trataram o biodiesel como um produto necessário e desejável para o Brasil por suas capacidades de reduzir as importações de diesel, gerar PIB, empregos, melhorar a qualidade do ar e os indicadores de emissões de gases de efeito estufa.
Ou seja, de certa forma, aquilo que parecia um processo distante e ousado, hoje se mostra factível e bem-vindo. Não se vê uma oposição, mas tão somente pequenas divergências sobre o caminho a ser percorrido para que o País alcance a mistura de 25% colocada como teto pela Lei Combustível do Futuro.
Com a nova especificação técnica da Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP) em vigor, a implementação do Programa de Monitoramento da Qualidade do Biodiesel (PMQBio), o lançamento de veículos com garantia de fábrica para uso de B20 a B100 e, por que não dizer, de certificações privadas como o ABIOVE Bio+, as questões técnicas para os usos superiores se mostram cada vez mais um assunto praticamente superado.
No entanto, se essas metas já trazem desafios para a oferta de matérias-primas, em especial óleos vegetais e gorduras animais, a perspectiva de uso de biodiesel como substituto parcial nos combustíveis marítimos, bem como o potencial de produção de combustível sustentável de aviação (SAF) pela rota de Ésteres e Ácidos Graxos Hidroprocessados (HEFA), deixa claro que teremos que enfrentá-los para que o Brasil se torne uma potência capaz de promover a transição para a bioenergia sustentável nos próximos anos.
De fato, estamos tratando de volumes de biocombustíveis muitas vezes maiores do que a produção e o consumo atuais. A oferta de oleaginosas, portanto, terá de crescer aceleradamente para garantir esse suprimento.
Chegamos até aqui, e com sucesso, aumentando a safra e o esmagamento de soja. Mas para darmos esse novo salto, precisaremos de políticas públicas adequadas para as chamadas oleaginosas de inverno e perenes.
Essa categoria de oleaginosas inclui culturas como a canola, o girassol, o amendoim, a palma e a macaúba, entre outras, as quais possuem alta produtividade em termos de produção de óleo vegetal por hectare.
A denominação de inverno advém da avaliação de que, idealmente, serão complementares às lavouras anuais atuais, ou seja, irão se somar, e não substituir. Poucos países no mundo possuem condições de clima, solo e tecnologia para almejar ter mais uma safra e chegar a duas, ou quem sabe três, colheitas no mesmo ano.
O desafio no farelo
Esse processo também terá implicações no aspecto da proteína: mesmo com maior teor de óleo, ainda assim teremos um volume muito maior de farelos sendo colocados no mercado, o que terá consequências para os preços desses produtos.
Podemos olhar esse movimento de duas formas, no mínimo: na primeira, teremos um problema para direcionar esses produtos ao mercado interno ou para exportações; na segunda, o Brasil terá matérias-primas acessíveis e de qualidade para se tornar um produtor ainda maior de proteínas animais e abastecer o mundo com esse tipo de alimento.
O desafio está posto. Essa é a grande oportunidade que a transição energética oferece ao Brasil. É fundamental avançarmos em programas de apoio à agricultura para termos escala na produção dessas oleaginosas, bem como avançarmos nos processos de certificação pública e privada para garantia de origem em relação a temas como controle fitossanitário e sustentabilidade socioambiental.
Não nos falta conhecimento desses mecanismos para isso, nem a necessidade de expansão sobre áreas de vegetação nativa, considerando a existência de terras já abertas com potencial produtivo.
Esses requisitos são bem conhecidos por nós, brasileiros. Mas o desafio agora é convencermos nossos clientes e concorrentes internacionais de que temos condições de crescer de forma compatível com as novas demandas da sociedade, pois boa parte das nossas conquistas foram voltadas ao mercado interno.
Assim, parafraseando um palestrante que falou que o Brasil tem biofuels for food, acrescento que precisamos mostrar ao mundo, com base em evidências científicas e por meio da diplomacia, que temos sustainable biofuels for food.