Bioenergia

Setor de biocombustíveis aposta na dobradinha com as carnes para crescer

Em busca de previsibilidade, Frente Parlamentar do Biodiesel prepara projeto de lei para tornar abertura de mercados para a carne brasileira uma política de Estado

Soja colheita

BRASÍLIA – O setor de biocombustíveis quer crescer. E, para isso, quer levar junto a cadeia da carne e tornar essa dobradinha uma política pública prioritária.

“Não vejo mais o biodiesel na cadeia de combustíveis, mas na de carne e proteína”, sintetizou nesta quinta-feira (21) o deputado federal Alceu Moreira, presidente da Frente Parlamentar do Biodiesel (FPBio).

A aposta em colar uma indústria na outra está no centro do novo posicionamento do setor, apresentado nesta quinta-feira em um seminário na Confederação Nacional da Agricultura (CNA) promovido pela FPBio, que reúne cerca de 200 deputados federais e senadores.

Os dois setores já têm uma relação direta: a indústria de proteína animal é o principal consumidor de farelo de soja e do DDG — dois produtos usados na ração animal que também resultam do processo de produção de biodiesel e de etanol de milho, respectivamente. No caso do etanol de milho, também chegam a competir pela mesma matéria-prima, contribuindo para uma sustentação no preço da commodity (o que é bom para o produtor).

Associar a indústria de biocombustíveis à de carnes também pode ser interpretada como mais uma ação para blindar o setor de possíveis intervenções motivadas por resquícios do debate food vs fuel (comida versus combustível). Vale lembrar que a escalada nos preços do óleo de cozinha no mercado interno levou o governo federal a postergar em cinco meses a adoção do B15, atrapalhando o planejamento da indústria.

O setor produtivo defende que o potencial desenvolvimento da produção de biocombustíveis — que tem um pipeline agressivo de expansão nos próximos dez anos — vai ampliar ainda mais a capacidade de o País ter uma oferta competitiva de carne, em um contexto de crescimento da demanda em regiões como Ásia e Oriente Médio.

O Brasil já é o maior exportador de carne bovina e de frango, e neste ano pode ocupar o terceiro lugar em exportações de carne suína. Para o líder da FPBio, o setor de proteínas pode avançar mais na esteira dos biocombustíveis.

Duas curvas precisam avançar de forma coordenada, diz o deputado: o aumento no volume de biocombustíveis — e, consequentemente, de farelo e DDG — requer que a demanda dos frigoríficos por ração animal cresça. Estes, por sua vez, precisam de mais compradores no exterior para vender o aumento na produção. “Já poderíamos produzir mais carne, só não fazemos por não ter mercados”, disse Moreira.

Com o aumento esperado na produção de biodiesel, um relevante volume adicional de farelo de soja precisará ser escoado, diz André Nassar, presidente executivo da Abiove (Associação Brasileira das Indústrias de Óleos Vegetais).

“Cada ponto percentual a mais [na mistura do biodiesel ao diesel] significa 3 milhões de toneladas adicionais de esmagamento”, diz. “Será preciso ter mais mercados no exterior para suportar o crescimento.”

Hoje, o mandato de biodiesel está em 15%, mas esse percentual deve aumentar gradativamente até chegar a 20% em 2030.

Mais valor agregado

A FPBio quer bater na tecla do valor agregado, defendendo que o avanço dos biocombustíveis contribui para multiplicar o faturamento e gerar empregos também na indústria de proteínas.

Nas contas de Nicole Rennó, economista e professora da Esalq-USP, a cadeia da soja já contribui com 6% do PIB e 2,4 milhões de empregos. Mas uma intensificação da industrialização poderia multiplicar os ganhos. “Nossos cálculos indicam que a industrialização gera quatro vezes mais PIB e empregos”, disse.

Segundo João Henrique Hummel, diretor-executivo da FPBio, o desafio agora é conscientizar a população e a classe política sobre os atributos da produção integrada entre biocombustíveis e alimentos. Para ajudar no processo, a entidade atualizou seu website com um dashboard com dados em tempo real sobre a indústria.

Projeto de lei

A ideia da FPBio é transformar a promoção integrada das cadeias de biocombustíveis e proteína animal em uma política de estado.

“É preciso ter previsibilidade, visão de no mínimo dez anos. Não podemos abrir uma nova usina de esmagamento e aí vem outro presidente da República e diz que não quer mais biocombustíveis”, comentou Moreira.

O setor prepara um projeto de lei que propõe criar o Programa Nacional de Promoção Internacional das Proteínas Brasileiras (PNPIPB) para fortalecer a presença da carne brasileira no mercado internacional.

Nos moldes do rascunho, o programa seria implementado pelo Ministério das Relações Exteriores (MRE), com suporte da Agência Brasileira de Promoção de Exportações e Investimentos (Apex-Brasil).

Com o PL, além da previsibilidade, a FPBio espera que nas barganhas comerciais, o governo passe a priorizar as exportações de proteínas — inclusive em eventuais conversas com os Estados Unidos sobre a taxação de 50% para produtos brasileiros.

O jornalista viajou a Brasília a convite da FPBio.