Tendência

A onda da proteína adicionada chegou ao Brasil — e mobiliza o agro

Obsessão por produtos “proteicos” fura a bolha das academias, transforma o food service e impacta da fazenda à Faria Lima. Indústrias tentam ampliar produção

Após transformar o mercado consumidor nos EUA, a onda da proteína adicionada chegou de vez ao Brasil, com os consumidores obcecados por itens “proteicos”.

No varejo, a tendência faz surgir produtos com proteínas extra, de barrinhas e bebidas até doces e refrigerantes, além de redes dedicadas à moda.

Na Faria Lima, direciona os cheques para negócios ligados à saudabilidade, incluindo a vertical da proteína — já há ao menos duas gestoras dedicadas a investir em saúde e bem-estar, e uma delas fez um aporte recente em uma rede de shakes proteicos.

A busca por proteína adicionada, que já movimenta R$ 2 bilhões por ano no Brasil, segundo a Euromonitor, gera reflexos no agro, com indústrias e produtores fazendo esforços para melhorar a qualidade do leite — junto com um aumento nas importações.

Andres Padilla, analista do Rabobank, endossa o aumento da demanda dos brasileiros por proteínas adicionadas e lembra que a tendência começou com as dietas à base de carne. “À época, estudos mostraram pela primeira vez que as pessoas ingeriam menos proteínas que o ideal. Até porque ter um bom consumo proteico custa caro.”

Em paralelo, diz, ganhou força a discussão sobre a baixa qualidade nutricional dos snacks. Sob pressão, a indústria de alimentos, principalmente a de lácteos, passou a lançar produtos com reforço de proteína. E isso, segundo Padilha, vem impactando toda a cadeia.

Mercado de US$ 9 trilhões no mundo

Nos EUA, um estudo recente da Cargill mostrou que 61% dos americanos ampliaram o consumo de proteínas adicionadas em 2024 frente a 2023. Segundo a pesquisa, 63% estão proativamente buscando snacks com mais proteínas.

A indústria de lácteos responde ao estímulo. “Nos últimos dois anos, dobramos o número de produtos com proteína em nosso portfólio. E vamos investir cada vez mais na categoria”, diz Wesley de Pádua Barbosa, diretor de Nutrição do Grupo Piracanjuba, que tem linhas como ProForce e Zquad.

“Essa tendência tem influenciado de maneira significativa nossas decisões de portfólio e inovação”, endossa Lara Miranda, Head de Marketing da Nestlé Health Science, que cita o estudo do Euromonitor que aponta que a proteína adicionada já movimenta R$ 2 bilhões por ano no País. E lista inovações da empresa, como a expansão da linha Nutren Senior, para pessoas acima de 50 anos, e os capuccinos proteicos Nescafé.

Lara Miranda, Head de Marketing da Nestlé Health Science

Já a Danone, com linhas como YoPRO, Nutridrink e Danone Mais, diz monitorar a proteína “como uma tendência estratégica”.

Os motivos do interesse crescente, segundo Gustavo Alvarez, diretor de Pesquisa e Inovação Latam da Danone, são a preocupação com a saúde e o envelhecimento; o aumento da prática de atividades físicas; o uso de remédios para perda de peso, como o Ozempic, que exigem reposição de proteínas; e a demanda por praticidade.

No mundo, o Global Wellness Institute verificou que o setor de saúde e bem-estar saltou de US$ 3,4 trilhões em 2013 para US$ 6,3 trilhões em 2024 — quatro vezes mais que a indústria farmacêutica. Nesse mercado, o segmento que mais cresce é o de nutrição e alimentação saudável, onde estão as proteínas adicionadas. Sozinho, ele gira mais de US$ 1 trilhão.

Para o setor como um todo, a previsão é passar de US$ 9 trilhões até 2028. No Brasil, foram US$ 96 bilhões em 2024, a 12ª posição mundial.

Gustavo Alvarez, diretor de Pesquisa e Inovação Latam da Danone
Gustavo Alvarez, diretor de Pesquisa e Inovação Latam da Danone

Das barrinhas à água gaseificada

Primeiro vieram as barrinhas de proteínas — subsegmento que permanece aquecido, com crescimento de 20% nos primeiros cinco meses de 2025, na comparação com o mesmo período do ano passado, segundo o Radar Scanntech.

Depois, surgiram as bebidas e os iogurtes com proteínas, que evoluíram para os shakes — a moda dentro da moda. A Tetra Pak registrou em 2024 um aumento de 9,7% nas vendas de embalagens de bebidas proteicas.

Mais recentemente, as redes sociais ajudaram a impulsionar a adição de proteínas em tudo, de snacks a risoto, passando por alternativas inusitadas, como pipoca, paçoca, picolé à base de tilápia e até refrigerantes e água gaseificada.

E a tendência vai além das gôndolas e aplicativos, com redes surgindo sob esse mote, algumas delas focadas no “take away”. Por exemplo, a We Protein, que acaba de levantar R$ 2 milhões em uma rodada liderada pela Moriah Asset.

Com duas lojas em São Paulo, além de e-commerce e iFood, a rede vende smoothies “de alta performance”, convidativos para o pós-treino. O investimento será usado para abrir novos pontos de venda e viabilizar a distribuição em empórios e lojas especializadas — a meta é faturar R$ 7 milhões em 2025.

Proteínas viram tese de investimento

A Moriah foi criada em 2019 e se define como “um private equity que investe em wellness”.

A casa já investiu R$ 300 milhões em cerca de 30 empresas do setor. Por exemplo, o fast food natural Néctar, a rede de açaí Oakberry, a Frutaria São Paulo, a academia Les Cinq e as marcas de roupas para atividades físicas Rowa e Armybr.

As participações têm valor de mercado de R$ 1,8 bilhão, segundo Fabiano Zettel, fundador e CEO da Moriah.

Fabiano Zettel, CEO da Moriah Asset

Ela não está sozinha: igualmente focada em wellness, a Rebels Ventures, criada por Rony Meisler, fundador da Reserva, entrou na cena há dois meses com um aporte na Guday, marca de “gummies” com creatina que almeja faturar R$ 80 milhões em 2025.

E, longe da Faria Lima, indústrias também miram a demanda. O grupo São Vicente, laticínio nacional com aspirações de integrar o top 5 no País, tem um M&A na agulha nesse setor. E a Probiótica, fabricante nacional de whey protein, fechou recentemente uma parceria com a rede de alimentação saudável Boali para uma linha de shakes proteicos.

Mudança de paradigma da porteira para dentro

O principal reflexo no campo, diz Padilla, do Rabobank, é o aumento do interesse da indústria por um leite com mais proteínas: “É uma mudança de paradigma. Em todo o mundo, a indústria incentiva o produtor a ir nessa direção”.

A proteína adicionada geralmente é extraída do soro do leite — há todo um outro nicho “plant based”, de suplementos de origem vegetal.

Em entrevista ao The AgriBiz em abril, o CEO da Tirolez, Marcel de Barros, falou sobre isso: “Uma oportunidade para a cadeia, hoje, é o teor de sólidos. Há três componentes no leite: gordura, proteína e lactose. O resto é água. A proteína é o mais crítico”.

Mais da metade do consumo no País é importado, segundo a Piracanjuba. Dados da Secretaria de Comércio Exterior mostram que as compras de “Concentrados de proteínas e substâncias proteicas texturizadas” e “Complementos alimentares” cresceram 38% entre 2023 e 2024.

A outra parte é produzida no Brasil, mas estamos atrasados, diz Padilla, do Rabobank. “A indústria ainda está mais preocupada com volume do que com teor de sólidos.”

Barros, da Tirolez, tem números sobre esse atraso: “O leite na Nova Zelândia tem 14,5% de sólidos. Nos EUA, 13,5%. No Brasil, em torno de 12%”.

Para melhorar, ele diz, as variáveis são alimentação, manejo e genética do rebanho: “Nos últimos anos, houve evolução, mas pequena. Temos que acelerar os esforços”.

Com esse objetivo, algumas das maiores indústrias no Brasil mantêm programas para qualificar a produção de leite.

Gado leiteiro na compost barn construída recentemente na Fazenda Cachoeira das Antas, em Santa Rita de Caldas (MG) | Crédito: Divulgação

A Danone tem a Jornada Flora, que oferece aos produtores crédito e insumos mais baratos e estimula a agricultura regenerativa. Segundo Alvarez, as bonificações por qualidade de leite representam até R$ 0,20 adicional por litro.

A Nestlé também tem um projeto de qualificação de produtores baseado em crédito e agricultura regenerativa, chamado Regenera.

Já a Piracanjuba, que tem um programa similar, o ProCampo, vai inaugurar em breve uma fábrica no Paraná para produzir WPC (concentrado de proteína de soro de leite) e WPI (proteína de soro de leite isolada). “A suplementação de proteínas é uma tendência que não tem volta”, diz Barbosa.