FLV

Do crédito às berries: a aposta de um ex-TerraMagna nas frutas vermelhas

João Paulo Torres, um dos fundadores da fintech, aposta em modelo integrado com agricultores para produzir frutas vermelhas; no futuro, objetivo é fornecer até a genética

Quando saiu das finanças para o campo, João Paulo Torres, um dos fundadores da fintech TerraMagna, tinha uma visão clara: queria atuar em uma cadeia de alto valor agregado e, em torno dela, criar uma estrutura integrada, cobrindo desde a produção até a distribuição, passando por insumos e genética.

Primeiro CEO da agtech de crédito, o executivo-produtor escolheu as berries. E assim nasceu a Bearberries, empresa de produção e distribuição de frutas vermelhas que, em 2024, faturou R$ 3,1 milhões. A empresa produz quatro delas: mirtilo, amora, framboesa e physalis, também conhecida como golden berry.

Sem investidores externos e se financiando com o próprio caixa, a Bearberries planeja faturar R$ 10 milhões neste ano, segundo Torres, com a margem Ebitda subindo de 16%, em 2024, para algo entre 20% e 22% em 2025.

A Bearberries foi criada em 2020, logo após Torres sair da TerraMagna, que, à época, se consolidava como uma fintech de antecipação de recebíveis para revendas. O desafio inicial foi conjugar dois fatores: a cultura escolhida deveria ter bastante valor agregado e precisava se adequar ao clima local. Após pesquisas, decidiu pelo mirtilo.

“Nossa visão é que no agro há cadeias muito espremidas na ponta do produtor. São 4,5 milhões de produtores pequenos, e 100 milhões de hectares de pasto degradado onde poderiam tentar algo novo com risco baixo. A gente vê uma oportunidade”, diz.

Os trabalhos começaram de forma experimental em uma área de pasto degradado na fazenda da família dele em Arcos, Minas Gerais. Em 5 hectares, Torres plantou uma variedade adaptada para climas quentes.

Em paralelo, passou a desenvolver a marca e cavar espaço em supermercados. Hoje, segundo ele, a Bearberries está presente em grandes redes, como Atacadão, Pão de Açúcar, Mambo e Zona Sul.

Demanda crescente

Torres diz que sente um crescimento na demanda por frutas vermelhas, o que ele credita a um aumento dos cuidados com a saúde e à percepção das berries como “super alimentos”.

“São ricas em antioxidantes e têm alto valor nutricional. A gente está vendo um boom, com as pessoas querendo uma alimentação mais saudável, e os itens frescos estão ganhando espaço, com novas marcas surgindo.”

Nos Estados Unidos, as frutas e legumes frescos são organizados sob o título de “specialty crops” — algo como “culturas especiais”. Esse é um mercado de US$ 27,5 bilhões, projetado para chegar a US$ 33 bilhões até 2030, segundo a consultoria Mordor Intelligence.

No Brasil, na falta de uma estimativa específica para esse nicho, Torres se apoia no feedback recebido dos supermercados: “As redes fazem toda semana pedidos cinco vezes maiores do que eu consigo entregar”.

Da terra à gôndola

A receptividade do varejo criou um problema bem-vindo: era preciso aumentar a oferta. Para isso, as opções na mesa eram ampliar a produção própria ou diversificar o fornecimento incluindo outros produtores.

Torres escolheu a segunda alternativa. “Conheci outros produtores e os incentivei a tentar o mesmo caminho que o meu, de começar em uma área de pasto degradado.”

A partir daí, se cristalizou o modelo de atuação integrada, inspirada no que a BRF fez na cadeia da carne, ele diz. “Ou seja, fazer a produção, a comercialização, o marketing e a logística de cadeia fria, que é algo complexo para produtos perecíveis.”

O modelo guardava atrativos. Primeiro, a mitigação dos riscos climáticos. “Às vezes, um produtor tem um problema que é compensado por outro em outra região que tem a melhor safra que já produziu”, explica.

Segundo, a diversificação resulta em uma janela de colheita estendida, o que permite entregar o ano inteiro aos supermercados.

“E tem a questão da mão de obra. Uma fazenda gigante requer muita, o que é difícil com o êxodo rural. Já em pequenas propriedades, em que só a família trabalha, esse problema não existe.”

Além disso, a estrutura gera ganhos de logística e permite aos produtores chegar a destinos que não seria possível acessar sozinhos.

“Esse é um mercado muito pulverizado. Algumas cadeias, como a de morango, têm consolidadores unindo produção própria e compra de parceiros. Isso é o melhor para o ecossistema; um distribuidor com ‘skin in the game’ gera uma precificação mais saudável.”

Atualmente, as principais colaborações da Bearberries para os produtores são a logística de comercialização e uma solução financeira de antecipação de recebíveis. Mas o objetivo é ir além: “A gente quer entregar a genética, fornecer todos os insumos necessários, e depois buscar a produção pronta.”

As culturas demandam irrigação por gotejo, e o desenvolvimento das plantas leva entre 8 e 12 meses. “Na colheita, há um ramp up: no primeiro ano, rende 0,5 kg por planta; no segundo, 0,8 kg a 1 kg; e, no terceiro, entre 1,2 kg a 1,5 kg”, ele explica.

O objetivo é chegar ao patamar de 2 kg a 2,5 kg por planta obtidos pela Driscoll’s, nos EUA, líder mundial em berries, com faturamento de US$ 5 bilhões ao ano.

Além das berries

A estrutura da Bearberries ganhou corpo com a chegada do sócio Fernando Franco, um dos fundadores da edtech Provi — que em 2023 foi comprada pela fintech Principia. A empresa tem cinco funcionários, mais Torres e Franco.

São 25 produtores associados, espalhados por Minas Gerais e São Paulo, totalizando 60 hectares, dos quais 3,5 hectares são da propriedade em Arcos. A meta é ampliar o número para 200 até o fim deste ano, e, depois, chegar a 1 mil ao final de 2026.

No futuro, eles cogitam expandir o modelo para outros itens FLV que também são tidos como specialty crops, por exemplo a manga e o abacate.