Prestes a transferir diversos frigoríficos para um de seus principais rivais, a Marfrig tem uma estratégia clara a seguir após a conclusão de um dos maiores negócios já realizados no setor. Usará os R$ 5,7 bilhões que entrarão no caixa para reduzir a sua alavancagem e aumentará a produção de alimentos processados.
Aprovada nesta quarta-feira pelo Cade, a venda dos ativos para o Minerva foi anunciada em agosto do ano passado por R$ 7,5 bilhões. Desse total, a Marfrig já recebeu R$ 1,5 bilhão, o que deixa o saldo da operação em R$ 6 bilhões. Subtraindo desse valor os R$ 675 milhões referentes aos ativos no Uruguai — transação que ainda depende do aval do órgão antitruste local —, a Marfrig teria R$ 5,3 bilhões a receber.
Mas a demora na conclusão do julgamento do Cade acabou resultando em um pagamento de juros de aproximadamente R$ 400 milhões pela Minerva, encarecendo ainda mais uma aquisição que já foi considerada salgada pelos analistas para o comprador.
“Esses recursos que entrarão no caixa da Marfrig vão reduzir o estoque da dívida bruta e certamente levarão a alavancagem para cerca de 3 vezes”, afirmou Tang David, vice-presidente de Finanças da Marfrig, ao The AgriBiz. Ao final de setembro, a alavancagem da Marfrig em moeda local ficou em 3,38 vezes.
Com o liability management que a empresa planeja fazer, a dívida líquida (como proporção do Ebitda) pode cair abaixo desse patamar, acelerando um processo de desalavancagem iniciado há seis trimestres.
Entre as operações avaliadas pela Marfrig para reduzir o endividamento e melhorar o perfil da dívida, está a redução de uma dívida de US$ 700 milhões em bonds com vencimento em 2026, além de dívidas bancárias com um custo mais elevado.
A expectativa da Marfrig é receber a TED da Minerva (talvez uma das mais altas já realizadas no País) até o final de outubro — previsão que é compartilhada pela Minerva. No Brasil, a Marfrig vai transferir 11 plantas e um centro de distribuição para a rival.
Foco na margem
Do lado operacional, a Marfrig vinha se preparando para tornar essa transição o mais tranquila possível e, principalmente, acelerar o seu principal objetivo por trás dela: focar em produtos de maior valor agregado.
No último ano, a Marfrig fez investimentos em algumas de suas unidades de processamento de carne bovina para aumentar a capacidade instalada. Com expansões nas fábricas de Várzea Grande, Promissão, San Jorge (Argentina) e Tacuarembó (Uruguai), a empresa planeja processar, no primeiro semestre do próximo ano, 90% do volume que fazia antes do M&A, segundo Rui Mendonça, CEO da Marfrig na América do Sul.
Isso representa uma capacidade de desossa de 11,5 mil cabeças por dia, superior à capacidade de abate, que deve atingir 9,5 mil cabeças por dia, representando 75% da atual — a Marfrig seguirá processando carne de fornecedores, incluindo a Minerva.
“Vamos trabalhar com uso de capacidade de 90%”, diz Mendonça, lembrando que a empresa costumava ocupar pouco mais de 70% da capacidade, assim como a maioria na indústria. Para isso, a empresa vai privilegiar a produção em ativos com maior garantia de abastecimento e que sofrem menos com a sazonalidade — ou seja, plantas mais próximas de confinamentos, que devem passar a fornecer mais animais para a Marfrig.
No final do dia, a Marfrig deve se beneficiar de um menor custo fixo por quilo de carne produzida, elevando as margens da operação, segundo o CEO. Ao focar nessas plantas, a Marfrig também levou em consideração o alto número de habilitações que elas têm para exportar para mercados chave, o que permite à Marfrig selecionar melhor os canais de venda também privilegiando a melhor rentabilidade.
As mudanças têm potencial para permitir à Marfrig alcançar 80% de seu faturamento atual na América do Sul até 2026. Os ativos que serão transferidos para a Minerva representam mais de 40% do faturamento anual da Marfrig, segundo dados divulgados durante o anúncio do M&A.
As obras de expansão dos complexos industriais citados por Mendonça estão 60% concluídas. A expectativa da Marfrig é finalizar os investimentos nas quatro unidades na primeira metade do ano que vem. Em Várzea Grande, os trabalhos serão concluídos ainda este ano, segundo o executivo.