
Em terra de Selic alta, quem tem pouca dívida é rei. Trocadilhos à parte, é nesse lugar privilegiado que a BrasilAgro se vê atualmente, com a baixa alavancagem da empresa abrindo espaço para oportunidades de compra de terras e negociações mais vantajosas com bancos.
“O Brasil teve uma expansão agrícola importante nos últimos anos, feita em parte com endividamento, principalmente em regiões como o Mapito. Agora é a hora de a onça beber água, aproveitar oportunidades em meio ao stress financeiro”, afirmou André Guillaumon, CEO da BrasilAgro, a jornalistas.
Não se trata, entretanto, de um mar de oportunidades, tampouco costuradas com rapidez. O stress financeiro colabora, mas a mecânica de ajustar acordos com credores e com donos de terras leva tempo, frisou o CEO. Na fala, Guillaumon destacou principalmente o Maranhão e o Piauí como regiões em que a BrasilAgro está de olho no País — mas o bolso não está limitado às fronteiras nacionais.
A BrasilAgro também está de olho em terras no Paraguai. Inclusive, Guillaumon contou que vai viajar neste final de semana para avaliar oportunidades para arrendamento e compra. Hoje, a BrasilAgro tem em seu portfólio 33 mil hectares no país vizinho. “A situação é um pouco diferente da do Brasil, mas estamos muito otimistas de que tem terra boa por lá.”
Ao todo, a BrasilAgro tem hoje 271 mil hectares em seu portfólio, com a maior parte, mais de 150 mil, concentrados no Brasil. Do total geral, 65% das terras da BrasilAgro são próprias e as demais são arrendadas.
Crescer nos arrendamentos também pode ser uma opção ao longo do tempo, mas, olhando para o Brasil, o CEO diz que ainda há espaço para mais queda nos preços. Hoje, regiões com um valor de arrendamento entre 16 a 17 sacas por hectare e um preço da soja menor, por exemplo, têm deixado uma margem muito pequena para o produtor.
“Talvez não baixe muito desse patamar, mas a inflação é o remédio para tudo. Se ficar como está, ela come parte desse arrendamento. Nós já vimos redução de múltiplos recentemente, mas ainda não dá para sair arrendando”, afirmou Guillaumon.
Dívida pouca (e barata)
Aproveitar essas oportunidades, sejam elas de curto ou de médio prazo, é uma prioridade para a BrasilAgro. Para chegar lá, a companhia usa como trunfo a alavancagem na casa de 1,86 vez, como mostra o balanço divulgado nesta quarta-feira — em linha com a média histórica da companhia. Numa perspectiva de setor, a alavancagem da SLC Agrícola ficou ao redor de 2 vezes após recentes aquisições.
Mesmo sem grandes surpresas, a piora do entorno faz com que a empresa consiga contratar financiamentos a taxas mais baixas, o que é atribuído ao CEO à aversão do setor financeiro a apostas mais arriscadas.
“Estamos chegando a patamares com bancos que eram coisas que eu não pensava que seriam possíveis há seis meses, reflexo desse cenário de risco, retorno e inadimplência”, disse Guillaumon. Hoje, a dívida líquida da BrasilAgro tem um custo inferior ao CDI.
A empresa hoje trabalha com uma necessidade de 30% de seu capital de giro apoiada em financiamentos. Considerando que a necessidade total é de R$ 1 bilhão, a parte alavancada fica em R$ 300 milhões.
“Nós estamos muito distantes de um produtor pessoa física, por exemplo, que trabalha com custeio financiado, em cerca de 70% a 80% da necessidade de capital de giro”, explicou Gustavo Lopez, CFO da BrasilAgro.
Colocando a discrepância em números: se a companhia tivesse tamanha necessidade, gastaria cerca de R$ 140 milhões com despesas de juros, ante os R$ 45 milhões gastos atualmente, no acumulado dos nove meses da safra.
Mesmo com a diferença sendo gritante, os juros altos não deixam de cumprir seu papel: há cerca de um ano, o gasto da BrasilAgro com juros era de R$ 25 milhões a R$ 30 milhões (um ponto que reforça a necessidade de disciplina financeira). O endividamento total da companhia somava R$ 884 milhões ao final de março.
Além de manter olhos atentos ao patamar de juros, a companhia tem apostado, ainda como medida de austeridade, em um menor estoque de insumos para a safra. A BrasilAgro segue num comportamento “da mão para a boca”, frisou Guillaumon.
A próxima safra
De olho na safra 2025/26, o CEO apontou que há um aumento de custos de 12% em relação ao período anterior. “O preço de sementes está muito parecido com o do ano passado, de químicos está baixo em dólares e de fertilizantes também parecido com o da última safra, à exceção do MAP”, explicou o CEO referindo-se aos fosfatados.
Trazendo a perspectiva em reais por hectare, no início do ano, quando fez o orçamento, a companhia estimava um dólar de R$ 5,30 e, agora, está mais próximo de R$ 5,85. Com essa variação cambial, o custo para a produção de soja deve passar de R$ 3,5 mil por hectare para R$ 4,1 mil a R$ 4,2 mil.
“Nós vendemos câmbio para a próxima safra a R$ 6,30. Quando o dólar atinge as mínimas, procuramos já pagar uma parcela maior desse custo, melhorando a margem. Fizemos isso no primeiro trimestre, quando o dólar chegou a R$ 5,65”, explicou Guillaumon.
Na safra 2024/25, que está terminando, a empresa estima uma colheita de 216 mil toneladas de soja, um aumento em relação às 200 mil da safra 23/24, mas abaixo do potencial. No início do ano, a expectativa da BrasilAgro era de produzir 251 mil toneladas.
No caminho entre teoria e prática, o clima atrapalhou: a falta de chuva na Bahia comprometeu a produtividade e, em Mato Grosso, o excesso de chuva diminuiu a qualidade da soja em algumas áreas.
O grão de pior qualidade trouxe efeitos para o balanço do terceiro trimestre. Cerca de 60 mil toneladas de soja tiveram descontos, sendo vendidas a R$ 90 a saca ante a média de mercado de R$ 120. A margem Ebitda dessa soja vendida mais barata ficou na casa de 10% a 12%, distante das expectativas da companhia para a venda da maior parte da produção, em 18% a 20%.
Com isso, o Ebitda ajustado da companhia acabou ficando negativo em R$ 5 milhões no trimestre encerrado em março, ante R$ 5 milhões positivos no mesmo período de 2024. Na última linha do balanço, no entanto, o prejuízo diminuiu de R$ 30 milhões para R$ 1 milhão na mesma comparação.
Segurando a soja
Para garantir melhores níveis de rentabilidade, a receita da BrasilAgro permanece a mesma do ano passado: segurar soja para vender no segundo semestre. Na conturbada relação entre EUA e China, os prêmios nos portos brasileiros, que eram projetados em negativos em 20 e 30 pontos para março e abril (ou US$ 0,20 a US$ 0,30 por bushel), ficaram na verdade positivos em 20 a 30 pontos nesse período.
“O prêmio ficou positivo, mas veio uma pressão de oferta importante que não conseguiu sustentar. Mas no segundo semestre ele deve voltar a recuperar”, disse Guillaumon. Nessa expectativa, a companhia carregou o equivalente a R$ 150 milhões em estoque de soja a mais do que o ano passado para o segundo semestre.
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A BrasilAgro (AGRO3) tem um valor de mercado de R$