
O Brasil tem boas e más notícias quando o assunto é conectividade do agronegócio, essencial para integrar o setor à agricultura de precisão.
Começando pelo copo meio cheio: as áreas rurais com cobertura 4G ou 5G cresceram 81% entre abril de 2023 e abril de 2024, saltando de 18,7% para 33,9% da lavoura, segundo um estudo da ConectarAGRO com a Universidade Federal de Viçosa.
Outra boa notícia é a redução de custos, proporcionada pela chegada da Starlink. Em uma fazenda de 20 mil hectares, uma rede que antes custava cerca de R$ 2 milhões hoje pode sair por menos de R$ 100 mil, exemplificou André Guillaumon, CEO da BrasilAgro, numa conversa recente com jornalistas.
E, de acordo com Emerson Crepaldi, COO (Chief Operating Officer) da Solinftec, uma das líderes no País em soluções de automação e robótica para o agro, a conversa com os produtores ficou mais fácil — em comparação com um passado nem tão distante quando ainda era difícil explicar a importância da conectividade no campo.
Já no lado negativo, o Brasil ainda tem dois terços de seu agro offline, e, dada a falta de linhas de crédito para essa finalidade, ainda parece distante de atingir os cerca de 70% de cobertura dos Estados Unidos e da União Europeia.
“Fala-se muito em inteligência artificial e Internet das Coisas (IoT) no agro, mas como é possível sem acesso à internet?”, diz Paola Campiello, presidente da ConectarAGRO. Criada em 2018 para fomentar a expansão da internet no campo, a entidade reúne hoje oito membros: AGCO, AWS, CNH, Intelsat, Nokia, Sol by RZK, Solinftec e TIM.
Disparidades e gargalos
De acordo com o estudo, o aumento no último ano foi puxado pela expansão de rodovias que, graças à exigência de conectividade nos editais, se tornaram corredores de 4G para centenas de pequenas propriedades nos arredores. Por exemplo, a BR-153, que liga o Centro-Oeste à região Norte, e a BR-158, que liga o Centro-Oeste ao Sul.
Mas há desigualdades nessa expansão. Enquanto na cana-de-açúcar a conectividade é de 66%, na soja ela é de apenas 33% — o que a ConectarAGRO credita à preponderância do plantio no estado de São Paulo, onde 75% do território já tem cobertura de internet.
Outra disparidade é entre produtores grandes, que, segundo Campiello, têm acesso a recursos e entendem que o investimento gera retorno, em oposição aos médios e pequenos, que nem sempre têm as mesmas condições e são maioria no País.
A entidade percebe ainda um componente sucessório, com os filhos das primeiras gerações buscando adotar tecnologias quando assumem os negócios. A associação tem um roadmap para mapear a conectividade em outras culturas; o próximo alvo é o café.
Salto em produtividade
O estudo da ConectarAGRO salientou a ligação entre conectividade e produtividade. A correlação fica evidente em um projeto das associadas TIM e Case IH, fabricante de máquinas agrícolas pertencente ao grupo CNH.
Na Fazenda Conectada, iniciativa das empresas no Vale do Araguaia, em Água Boa (MT), com 3 mil hectares, a instalação de uma torre de 4G permitiu adotar novas tecnologias e resultou em uma safra 18% maior em 2023/24.
Além disso, o consumo de combustível caiu 25% e a pegada de carbono diminuiu 10% — sem falar na inclusão digital de escolas, hospitais e universidades nos arredores.
“A mudança é nas pequenas coisas. Por exemplo, o produtor poder compartilhar com o agrônomo uma foto da lavoura. No agro, as decisões têm que ser rápidas”, diz Alexandre Dal Forno, diretor de IoT e 5G da TIM Brasil.
A importância do tempo real
Entre as operadoras de telefonia, a TIM foi pioneira e ainda tem a maior penetração no agro. No setor desde 2018, a operadora bateu sua meta de 20 milhões de hectares com conexão no fim de 2024, cobrindo 1.043 cidades e 1,9 milhão de pessoas, além de 306 mil fazendas, 437 escolas públicas e 141 unidades de saúde rurais.
Segundo Dal Forno, o objetivo ao participar da fundação da ConectarAGRO era fomentar o ecossistema. Por exemplo, harmonizando aspectos técnicos para que máquinas e softwares já saiam de fábrica prontos para se conectarem à rede da TIM.
A operadora tem mais de 60 clientes na carteira agro, sua maior vertical B2B, ao lado de logística, indústria e utilities. A lista inclui empresas como a BP Bioenergy, que cobriu 3 milhões de hectares com 4G e, em dois anos, reduziu pela metade os incêndios.
A meta da TIM, agora, é chegar a 26 milhões de hectares até o final de 2025.
Também membro da associação, a Solinftec tem seus sistemas instalados em mais de 800 fazendas, explica Crepaldi. “O produtor não quer ver autópsia; se um robô estiver pulverizando errado, ele quer saber na hora.”
Outras empresas de fora da associação também estão penetrando nesse mercado. A alemã Deutsche Telekom, por exemplo, anunciou no início do mês uma parceria com a Abag (Associação Brasileira do Agronegócio) para acelerar a conectividade no País.
Já a americana John Deere, uma das líderes em máquinas agrícolas, mantém desde 2020 um projeto — em parceria com a Claro e a SOL — para promover conectividade a partir de antenas instaladas na rede de concessionárias da marca. A iniciativa já cobriu 3 milhões de hectares por meio da instalação de mais de 190 torres.
Além disso, a John Deere anunciou em janeiro de 2024 uma parceria com a Starlink para conectar 1,5 milhão de máquinas até 2026 — hoje, já são 775 mil.
Falta o poder público
A chegada da Starlink, em um modelo de parcerias com fabricantes de máquinas — primeiro a John Deere, e, mais recentemente, a CNH — vem mudando o jogo.
As antenas da empresa americana de internet via satélite fundada por Elon Musk têm custo baixo, estimado em R$ 2 mil na instalação e em menos de R$ 250 nas faturas mensais. Outras empresas com soluções similares, como a americana Hughes, também estão entrando no País.
E, ao contrário do que se poderia supor, as novatas não necessariamente rivalizam com as operadoras. “É complementar. Temos usado Starlink para conectar torres da TIM em regiões remotas, e tem sido bom para nós e nossos clientes”, diz Dal Forno.
Mas mesmo com as novas entrantes, os especialistas acreditam que os gargalos para um avanço maior são intransponíveis sem uma atuação mais protagonista dos governos.
Segundo Campiello, a ConectarAGRO tem pleiteado aos ministérios da Agricultura e das Comunicações um maior apoio público para a instalação de antenas. Por exemplo, na destinação de recursos do Fust, o Fundo de Universalização dos Serviços de Telecomunicação, criado nos anos 1990 para fomentar a instalação de orelhões.
Crepaldi, da Solinftec, defende que o Plano Safra preveja mais recursos para essa expansão. “Uma linha para pequenas e médias fazendas, igual tem hoje para energia solar, seria um bom caminho.” (Colaborou Karina Souza)