
A luta de décadas entre os produtores de laranja e o greening está redefinindo as fronteiras do cinturão citrícola brasileiro, ilustrando as dificuldades de controlar a doença que dizimou os pomares da Flórida, nos EUA, que já foi o maior produtor mundial.
Na tradicional região produtora de laranja — formada por São Paulo e pelo Triângulo Mineiro —, a contaminação vem comprometendo os pomares. Quando sobrevivem, as árvores têm a produtividade afetada, pressionando as margens dos produtores.
Em resposta, alguns começam a testar novas fronteiras. Os principais destinos são Mato Grosso do Sul, Minas Gerais (fora do Triângulo Mineiro) e Paraná, segundo um estudo inédito do Rabobank, divulgado com exclusividade por The AgriBiz.
Na safra 2025/26, a área de laranja nos três estados deve atingir 73 mil hectares, segundo o material produzido pelo analista Andrés Padilla. Até 2028/29, deve atingir 100 mil hectares, com as maiores expansões em Minas Gerais e Mato Grosso do Sul.
“Isso representaria quase um terço da projeção de área plantada em São Paulo”, diz o estudo. “Não será um êxodo, mas um movimento gradual”, pondera.
Renato Bassanezi, pesquisador do Fundecitrus, a associação de citricultores e indústrias de suco, prefere falar em expansão, e não em migração, “porque a estrutura continua forte aqui em São Paulo”.
Ibiapaba Netto, diretor-executivo da CitrusBR, que reúne os exportadores de laranja, vê “um movimento natural e necessário”: “É uma decisão de investimento diante da inviabilidade de replantio em áreas com incidência alta de greening”.
Perdendo a guerra?
O greening é causado por uma bactéria, a Candidatus Liberibacter asiaticus, que é transmitida às plantas por um inseto, o psilídeo Diaphorina citri.
A doença chegou ao Brasil em 2004 e começou a se alastrar com mais força em 2018. Hoje, é a maior restrição para a cadeia da laranja, segundo os especialistas.
“Estamos perdendo essa guerra. É muito difícil de controlar, a ciência ainda não deu conta”, contextualiza Cesar de Castro Alves, gerente da consultoria agro do Itaú BBA.
Em São Paulo, principal produtor e exportador de suco de laranja, o greening afeta 44% dos laranjais. Em algumas regiões do estado, já está em mais de 70% das plantas, segundo o Rabobank.
A previsão do Fundecitrus, que já vê uma desaceleração no aumento, é que a contaminação cresça por mais alguns anos antes de começar a ceder.
Enquanto isso não acontece, a praga colabora para ampliar os custos de produção. Segundo o Cepea, eles devem aumentar entre 15% e 16% na safra 2025/26 devido à “intensificação dos tratamentos fitossanitários” contra a doença.
No MS, crescimento de três dígitos
Diante desse cenário, abrem-se duas opções. Uma delas é lutar contra o greening. Nesse sentido, o Fundecitrus anunciou a criação, em parceria com Fapesp e Esalq/USP, do Centro de Pesquisa Aplicada em Inovação e Sustentabilidade da Citricultura (CPA), com investimento de R$ 200 milhões em cinco anos.
Para Bassanezi, do Fundecitrus, o horizonte é positivo. “Em 2020, o psilídeo começou a desenvolver resistência aos inseticidas, e o greening cresceu muito. Desde então, os produtores passaram a fazer a rotação dos inseticidas, e a população do inseto caiu drasticamente. Não será do dia para a noite, mas estamos retomando as rédeas.”
Outro caminho, escolhido por cada vez mais produtores, tem sido levar a produção a regiões onde o greening ainda não chegou ou está sob controle.
Com isso, laranjais estão sendo instalados em outros estados. Segundo o Rabobank, o “vencedor” desse processo é a porção sul-sudoeste de Minas, pela combinação de proximidade do polo industrial paulista, clima favorável, disponibilidade de mão de obra e infraestrutura. “Minas Gerais deve atingir 15% da área plantada em SP até 2027/28, contra 10% em 2021/22”, diz o estudo.
Ainda segundo o banco, o Paraná deve seguir crescendo em ritmo “lento, mas consistente”, e o Mato Grosso do Sul vem ganhando destaque.
No estado, as plantações saltaram de 2,5 mil hectares em abril de 2023 para 18 mil hectares, segundo a engenheira agrônoma Karla Bethânia de Nadai, coordenadora da Secretaria Executiva de Desenvolvimento Econômico e Sustentável do estado.
A estimativa oficial, agora, é chegar a 30 mil hectares até o fim de 2026. Caso ela se concretize, o Mato Grosso do Sul passará a hospedar o equivalente a quase 10% da lavoura monitorada pelo Fundecitrus, que será de 362 mil hectares em 2025/26.
Segundo o governo estadual, que assinou um convênio com o Fundecitrus para troca de informações e treinamento sobre a produção e o combate ao greening, os números incluem 4,8 mil hectares da Cutrale em Sidrolândia. A Citrosuco, outra gigante do setor, planeja um plantio experimental em Três Lagoas.
Além delas, a Cambuhy Agrícola, do Grupo Moreira Salles, anunciou no fim de 2024 um plantio de 1,2 mil hectares em Ribas do Rio Pardo; a AGT Citrus vai plantar 1,6 mil hectares em Bataguassu; a Frucamp vai plantar 3,2 mil hectares em Cassilândia; e o Grupo Junqueira Rodas iniciou plantios em Paranaíba (1,5 mil hectare) e em Naviraí (2,5 mil hectares).
Bassanezi, do Fundecitrus, ressalva que mudar de região por si só não resolve o problema. “Além de comprar ou arrendar terra, vai ter o preparo do solo, a compra das mudas e as etapas do plantio, incluindo o controle do greening. Além disso, nesses locais é preciso ter irrigação, e falta mão de obra para a colheita.”
Migração da indústria não é garantida
Como a indústria está toda em São Paulo, as novas lavouras terão o desafio de deslocar a produção. “Talvez a gente veja esmagadoras indo para outros estados, pode ser um caminho para produzirmos mais”, diz Castro Alves, do Itaú BBA.
O Rabobank também ponderou a conexão entre lavouras e polo industrial: “A indústria no Brasil é baseada nas processadoras de suco. Só 40 a 50 milhões de caixas são vendidas frescas, enquanto 200 a 250 milhões de caixas são processadas. Como resultado, a proximidade das plantas fabris é um elemento crítico”.
O estudo do Rabobank aponta o Mato Grosso do Sul como o candidato mais forte a receber uma nova fábrica, por estar além da distância máxima viável do polo industrial em São Paulo, estimada pelo banco em 450 km a 500 km. A partir daí, faz sentido erguer uma nova processadora, já que os custos com frete seriam impraticáveis.
“Mas há outros fatores, como qualidade das estradas, topografia, mão de obra e acesso a água e eletricidade para irrigação”, ressalva o trabalho.
Entre os governos dos estados com novas lavouras, a expectativa é grande de que o desenvolvimento da citricultura represente a chegada de novas fábricas.
No papel, a conta fecha. Uma indústria tem capacidade de processar cerca de 30 milhões de caixas por ano, explica Netto, da CitrusBR. Tomando por base a projeção de produtividade do Fundecitrus em 2025/26, de 869 caixas por hectare, e assumindo que os novos pomares tenham a mesma capacidade, na teoria ficará justificada a instalação de uma fábrica quando a lavoura local atingir 34,5 mil hectares.
Na prática, porém, pode demorar para o crescimento da porteira para dentro tornar essa opção atraente também da porteira para fora, diz o diretor-executivo da CitrusBR.
“Temos uma capacidade ociosa nas indústrias em São Paulo, e a lavoura em Minas Gerais é maior do que na Flórida, mas lá não tem fábricas. Me parece que ainda é mais viável arcar com os custos de frete.”