
O financiamento ao agro brasileiro se transformou e evoluiu muito ao longo dos últimos anos. É preciso defendê-lo! O governo federal não pode desorganizar o crédito rural no Brasil.
O arcabouço do crédito agrícola (com o perdão do trocadilho) é uma construção de décadas, com baixa participação do Tesouro Nacional e que dá certo. A cada R$ 1 de crédito rural (recursos majoritariamente privado), o valor bruto da produção agropecuária (faturamento no campo) aumenta em R$ 3,60.
Foram 50 anos para construir o que agora pode ser desmontado com a medida provisória que já ganhou a nada honrosa alcunha de Taxa-Tudo. Enviada na semana passada ao Congresso Nacional, a MP tributa LCA, CRA, CDCA e Fiagros, que atualmente são isentos de imposto de renda (estimulando a concessão de crédito no agronegócio).
Vamos à história.
Em 1965, foi criado o Sistema Nacional de Crédito Rural (SNCR) com o objetivo de fornecer crédito aos produtores rurais a taxas de juros baixas, visando financiar a produção, maquinários, custos de operação e comercialização de produtos agropecuários. Até então, o crédito rural era executado somente pelo Banco do Brasil, por meio da Carteira de Crédito Agrícola e Industrial (Creai), criada em 1935.
O modelo de financiamento criado em 1965 começou a dar sinais de escassez na década de 1980. Entre 1966 e o início da década de 80, mais de 80% do crédito rural tinham como origem os recursos do Tesouro Nacional, ou seja, era o dinheiro dos impostos dos brasileiros que financiavam a agricultura.
“Após o auge das aplicações de recursos do crédito rural ocorrido entre os anos de 1979 e 1980, houve um período longo de redução de aplicações, sem que houvesse por parte do governo, no entanto, uma iniciativa para a criação de fontes alternativas de recursos”, notaram José Garcia Gasques e Carlos Villa Verde, em um texto escrito em 1996.
Na década de 1990, o financiamento do agronegócio brasileiro iniciou um processo de transição em busca do financiamento com recursos privados, uma verdadeira revolução reconhecida pelos governos da época.
“O Estado deixou de ser, essencialmente, um agente que concentra poupança e distribui crédito. O crédito oficial farto e subsidiado é um fato do passado e não é compatível os dias atuais”, disse o então ministro da Agricultura José Eduardo de Andrade Vieira, em 1995.
Nesse processo, foram criados inúmeros instrumentos: poupança rural (1986), os fundos constitucionais (1988), os Adiantamentos Sobre Contratos de Câmbio – ACC (1995), Finame Agrícola (1995), Cédula de Produto Rural Física (1994), CPR Financeira (2001), CDCA, LCA, CRA (2004), Lei do Agro I (2020), Fiagro (2021) e Lei do Agro II (2022).
Os avanços legislativos e regulatórios deram base para o modelo que temos hoje, majoritariamente privado. O modelo atual é um sucesso, pois o Tesouro Nacional contribui com menos de 3% do total utilizado pelos produtores rurais.
Segundo a CNA, a demanda anual de financiamento aos produtores rurais é de R$ 1,3 trilhão por ano. Deste total, o Tesouro Nacional contribui muito pouco: R$ 16 bilhões em subvenção, R$ 11,7 bilhões em benefícios tributários da LCA e CRA e R$ 10,9 bilhões dos fundos constitucionais (FNE, FNO e FCO). São dados da Frente Parlamentar da Agropecuária e do professor Luiz Cláudio Caffagni, da FGV.
Quando consideramos esses R$ 40 bilhões por ano investidos pelo governo federal (com aplicação direta, seja com benefícios tributários e creditícios), vemos que o número é pequeno, especialmente se comparado com demais países da OCDE. No Japão, 40% da receita bruta do produtor vem de subsídios. Na União Europeia, 19%. Nos EUA, 9%. Na China, 14%.
Ao propor a taxação das LCAS, CRAs e Fiagros, o governo federal não está resolvendo uma problema de subsídios em excesso, mas tentando se eximir do descontrole das contas públicas causado por si próprio. Em outras palavras: o problema não são os incentivos ao agronegócios.
Nos últimos anos, o governo federal cometeu diversos erros, acelerando o endividamento do país: PEC Emergencial (2021), PEC da Transição (2022) e Novo Arcabouço Fiscal (2023).
Com a liberação da gastança federal nesse período, a taxa Selic saiu de 2,75% em março de 2021 para 14,75%. Segundo Rafaela Vitoria, economista–chefe do Inter, a “dívida pública cresceu cerca de 5 pontos percentuais para 76,2% do PIB desde 2022, devendo inclusive superar 80% até o final deste mandato presidencial”.
O governo federal precisa se concentrar no controle das despesas ineficientes. Quem deve liderar a agenda de gastos públicos é o Poder Executivo. Buscar semanalmente novas medidas fiscais (aumento de impostos) só conseguirá ampliar a desorganização do custo de capital do setor privado.
No agro, em especial, que tem papel de garantir a segurança alimentar do mundo, as novas medidas atingem fortemente um modelo organizado. Não existe razão para isso. O sistema de financiamento é privado (97%) e mesmo os subsídios são baixíssimos se comparados aos países de OCDE.
Não é correto comparar a tributação das LCAs, CRAs e Fiagros com outros títulos e fundos dentro do Brasil. O correto é comparar os subsídios ao agro com os países da OCDE. E mesmo assim, emprega 28 milhões de pessoas, é responsável por 25% do PIB nacional e continua carregando o saldo da balança comercial brasileira.
Mais uma vez, a sorte grande do agro é a Frente Parlamentar da Agropecuária, que é o maior seguro do agronegócio nacional. Só mesmo a FPA para derrubar as propostas do governo nas próximas semanas.
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Octaciano Neto, colunista de The AgriBiz, é fundador da Zera.Ag. Foi secretário de Agricultura do Espírito Santo no governo de Paulo Hartung.