
O uso indevido de recursos de clientes abriu uma crise reputacional sem precedentes na Virgo. Os reflexos negativos parecem se alastrar como pólvora, provocando o afastamento de grandes clientes que costumavam confiar as emissões de CRAs e CRIs à companhia.
Em meio às desconfianças com a atuação da securitizadora de Ivo Kos, o Itaú BBA acionou a concorrente Opea ainda em julho para fazer uma varredura das operações que o banco trabalhou com a Virgo, apurou The AgriBiz.
A medida, que visa a assegurar a integridade dos ativos, é o primeiro passo para trocar de securitizadora, segundo as fontes.
Kinea e XP Asset, duas das gestoras que tiveram recursos de seus fundos de reserva usados pela Virgo sem autorização, também se mexeram. Ambas suspenderam novas operações com a securitizadora.
Nesta terça-feira, a firma de Guilherme Benchimol tirou a Virgo da emissão de um CRI de R$ 700 milhões da Buriti Brasil Terrenos. A decisão foi tomada em conjunto com os coordenadores dessa oferta: Itaú BBA, Banco ABC e Bradesco BBI.
Gestores ouvidos pela reportagem disseram que estão avaliando a melhor forma para trocar de agente securitizador, mas esse é um processo que não pode ser feito imediatamente — o que dá algum tempo para a Virgo tentar recuperar a confiança.
Com mais de R$ 90 bilhões de ativos sob gestão fiduciária, a Virgo vai precisar de muito trabalho para reverter o desconforto dos clientes, uma tarefa de alta complexidade considerando o envolvimento do controlador, Ivo Kos, na controversa alocação do CRI da Cedro Participações.
Alvo de diversos burburinhos na Faria Lima nas últimas semanas, a Virgo viu sua situação se complicar bastante após as denúncias de Eduardo Levy, executivo que deixou a companhia no início de julho em meio a uma disputa societária com o controlador da Virgo.
Na segunda-feira, Levy fez uma reclamação formal contra a Virgo na CVM, exibindo diversos prints de conversas que implicam o controlador na decisão de usar fundos de reserva para ir adiante com o CRI da Cedro Participações, um papel que contava com garantia firme de distribuição da Virgo.
Neste momento, há uma disputa quase bélica entre Levy e Kos, com ambos se acusando sobre a responsabilidade pelo uso incorreto dos recursos dos clientes. Em meio à troca de farpas, fatos e versões ainda estão em disputa.
Confusões à parte, um fato inegável é que a securitizadora usou recursos do fundo de reserva de CRIs e CRAs de clientes para investir no CRI da Cedro por meio do fundo Allocation — isso ocorreu porque a operação não encontrou demanda no mercado, e a Virgo insistiu em fazer a alocação para cumprir a garantia firme dada ao empresário Lucas Kallas, dono da Cedro.
Na versão da denúncia de Levy, três grandes gestoras — Kinea, Oriz e XP — teriam identificado o movimento, e demandaram o resgate dos recursos do Allocation (cerca de R$ 80 milhões), por considerarem que não havia permissão para que esses recursos estivessem aplicados em ativos como o CRI da Cedro.
Para devolver esses recursos sem afetar o Allocation, a Virgo teria recorrido a fundos de reservas de outros clientes, o que só fez a confusão aumentar. Em sua denúncia, Levy calcula que a securitizadora movimentou cerca de R$ 240 milhões de diferentes clientes.
Pelo menos até a semana passada, as movimentações de retiradas e entradas no fundo Allocation continuavam. A última saída, da ordem de R$ 15 milhões, ocorreu no dia 14 de agosto. Na mesma data, ocorreu uma entrada equivalente.
Fontes próximas à securitizadora argumentam que as entradas e saídas estão ligadas ao funcionamento normal de qualquer fundo com liquidez diária, mas não há como descartar que a dinâmica de uso de dinheiro de outros clientes para cobrir os resgates tenha cessado.
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Um ponto importante — e que vale a pena esclarecido — é que nenhum fundo teve prejuízo com o movimento feito pela Virgo até o momento, apesar da aplicação dos recursos em ativos que estavam fora do escopo acordado com as gestoras. O cerne da questão é a governança e, em última instância, a confiança necessária para os trabalhos de uma securitizadora.
Procurada pela reportagem, a Virgo respondeu com uma nota, reforçando “que no curso de suas atividades e da operação em questão nenhuma lei e nenhum regulamento de mercado foi violado. Além disso, é importante esclarecer que não houve dano ou prejuízo aos parceiros da Virgo. Os fundos de reserva investidos no Allocation continuam segregados de forma adequada, como determinam as regras. Desde sua fundação, a companhia já estruturou mais de 900 operações sem qualquer registro de atuação irregular por parte da securitizadora”.
Em nota, a Kinea disse que “acompanha de forma diligente a situação envolvendo a Virgo Securitizadora e reitera que não houve qualquer impacto financeiro em seus fundos. As operações contam com patrimônio segregado, garantias formalizadas e monitoramento constante da gestão. Mantendo nosso dever fiduciário, seguiremos atentos para proteger nossos cotistas tomando as medidas cabíveis”.
XP, Itaú BBA e Opea não comentaram.