
Está ruim como nunca antes, e ainda pode piorar antes de começar a melhorar. Essa foi a principal mensagem sobre a inadimplência no agronegócio transmitida pela liderança do Banco do Brasil em seus comentários ao balanço do segundo trimestre, nesta sexta-feira.
Os destaques foram a queda de 60% no lucro líquido, que ficou em R$ 3,78 bilhões, e o aumento da inadimplência superior a 90 dias na carteira agro, que passou de 3,04% em março para 3,49% em junho — há um ano, o patamar era de 1,32%.
A piora levou a um aumento das provisões para perdas, que subiram 74% ano contra ano, para R$ 17,4 bilhões, também sob efeito da resolução 4.966/2021, do Conselho Monetário Nacional, que impôs uma contabilidade mais conservadora para ativos sob estresse. O efeito adicional em provisões no trimestre foi de R$ 6 bilhões, segundo o CFO Marco Geovanne Tobias da Silva.
“Estamos no nível de maior inadimplência do agro da história do Banco do Brasil. Nunca tivemos um percentual desse tamanho, e nem nas previsões mais pessimistas projetaríamos o que vemos hoje”, detalhou a CEO da instituição, Tarciana Medeiros, durante call para analistas nesta sexta-feira.
Segundo Medeiros, 52% da inadimplência da carteira agro está concentrada nas regiões Centro-Oeste e Sul. E 50% do saldo devedor diz respeito a soja, milho e bovinocultura. Até 2023, 74% dos devedores nunca tinham ficado inadimplentes.
A CEO detalhou que, até setembro, há um saldo relevante de vencimentos ligados ao Plano Safra do ano passado, que começou mais tarde. Nesse contexto, o banco projeta um terceiro e um quarto trimestres ainda muito ruins.
“O que a gente vê de vencimentos é muito parecido com o segundo trimestre, são clientes e dívidas com as mesmas características. De forma prudencial, estamos antecipando a deterioração.”
Sai o cafezinho, entra a ação judicial
A presidente do BB disse que o banco tem respondido ao inédito estresse de crédito no agro quebrando um paradigma: passou a acionar a Justiça.
“A gente era conhecido como o banco que não protesta e não busca garantias. Isso mudou. Principalmente para quem fez recuperação judicial antes de conversar com a gente. Do total de ações judicializadas, 38% já foram regularizadas”, disse Medeiros.
Se antes o BB trabalhava com penhor e hipoteca, agora está migrando para a alienação fiduciária, onde considera que o acesso à garantia é mais rápido. Além disso, a área de recuperação foi “plugada” na de originação, para otimizar a cobrança.
“Até o ano passado, o banco preferia tomar café com o cliente e evitar a animosidade. Mas foi necessário mudar”, complementou o CFO. Segundo ele, o resultado começa a aparecer: foram R$ 2 bilhões recuperados no segundo trimestre, com 65% em caixa e 35% a prazo.
A expectativa até 2026 é de intensificação da recuperação de créditos, em paralelo com queda na inadimplência — puxada pela recuperação da capacidade financeira dos produtores — e maior seletividade na concessão de novos créditos. A partir daí, o cenário começa a melhorar.
Piora motivou mudança de VP para o agro
A disparada da inadimplência no setor, marcada por uma explosão nas recuperações judiciais, vem contaminando o balanço do banco desde 2024.
A situação se agravou com as dificuldades climáticas que se abateram sobre a safra passada, o aumento da Selic e, segundo Medeiros, o crescimento da alavancagem extra-bancos, com produtores enrolados após acessarem o mercado de capitais.
Sob pressão, o banco trocou recentemente a liderança do setor de Agronegócios e Agricultura Familiar, colocando Gilson Bittencourt no lugar de Luiz Gustavo Braz Lage no cargo de vice-presidente para tentar reverter a crise.
A mudança tem ligação com as perdas na Bolsa. Nos últimos 12 meses, a ação do BB (BBAS3) caiu 22%. Hoje, operava em alta — por volta das 15h, subia quase 2%.
Cortes no guidance e dividendos
Os principais números do balanço no segundo trimestre vieram abaixo da expectativa do mercado, que já era ruim. A inadimplência total subiu de 3% para 4,21% frente ao mesmo período do ano passado, e o retorno sobre o patrimônio líquido (ROE) caiu de 16,7% no primeiro trimestre para 8,4%.
Para ajustar as expectativas, o banco apresentou uma revisão do guidance para 2025, que havia sido anunciado em fevereiro e suspenso em março. A principal mudança foi no lucro líquido, agora estimado entre R$ 21 bilhões e R$ 25 bilhões — uma queda de 41% frente à projeção anterior de entre R$ 37 bilhões e R$ 41 bilhões.
Mesmo após o corte, o resultado ainda seria o quarto ou quinto melhor da história do banco, defendeu-se o CFO.
O crescimento na carteira de crédito foi reduzido para um intervalo entre 3% e 6%. No agronegócio, a projeção anterior era de aumento entre 5% e 9%, e agora está entre 3% e 6%.
Além disso, o BB também reduziu o payout de dividendos — a fração do lucro líquido que uma empresa remunera aos acionistas — dos atuais 40% a 45% para 30%. “A partir de 2026, vamos retomar o patamar dos anos anteriores”, disse Medeiros.
Por outro lado, se o agro é a criança problemática da vez, o irmão prodígio é o crédito consignado para pessoas físicas, que cresceu 3% na base trimestral e é uma “avenida de crescimento seguro”, afirmou Tobias. “É a carteira que nos dá o melhor retorno ajustado ao risco atualmente.”