Crédito

Com inadimplência recorde no agro, BB prevê mais dois trimestres de estresse

Inadimplência deve continuar alta nos próximos meses, mas CEO projeta melhora em 2026 com nova estratégia de cobrança: sai o cafezinho e entra a execução de garantias

Sede do Banco do Brasil (BB) | Schutterstock

Está ruim como nunca antes, e ainda pode piorar antes de começar a melhorar. Essa foi a principal mensagem sobre a inadimplência no agronegócio transmitida pela liderança do Banco do Brasil em seus comentários ao balanço do segundo trimestre, nesta sexta-feira.

Os destaques foram a queda de 60% no lucro líquido, que ficou em R$ 3,78 bilhões, e o aumento da inadimplência superior a 90 dias na carteira agro, que passou de 3,04% em março para 3,49% em junho — há um ano, o patamar era de 1,32%.

A piora levou a um aumento das provisões para perdas, que subiram 74% ano contra ano, para R$ 17,4 bilhões, também sob efeito da resolução 4.966/2021, do Conselho Monetário Nacional, que impôs uma contabilidade mais conservadora para ativos sob estresse. O efeito adicional em provisões no trimestre foi de R$ 6 bilhões, segundo o CFO Marco Geovanne Tobias da Silva.

“Estamos no nível de maior inadimplência do agro da história do Banco do Brasil. Nunca tivemos um percentual desse tamanho, e nem nas previsões mais pessimistas projetaríamos o que vemos hoje”, detalhou a CEO da instituição, Tarciana Medeiros, durante call para analistas nesta sexta-feira.

Segundo Medeiros, 52% da inadimplência da carteira agro está concentrada nas regiões Centro-Oeste e Sul. E 50% do saldo devedor diz respeito a soja, milho e bovinocultura. Até 2023, 74% dos devedores nunca tinham ficado inadimplentes.

A CEO detalhou que, até setembro, há um saldo relevante de vencimentos ligados ao Plano Safra do ano passado, que começou mais tarde. Nesse contexto, o banco projeta um terceiro e um quarto trimestres ainda muito ruins.

“O que a gente vê de vencimentos é muito parecido com o segundo trimestre, são clientes e dívidas com as mesmas características. De forma prudencial, estamos antecipando a deterioração.”

Sai o cafezinho, entra a ação judicial

A presidente do BB disse que o banco tem respondido ao inédito estresse de crédito no agro quebrando um paradigma: passou a acionar a Justiça.

“A gente era conhecido como o banco que não protesta e não busca garantias. Isso mudou. Principalmente para quem fez recuperação judicial antes de conversar com a gente. Do total de ações judicializadas, 38% já foram regularizadas”, disse Medeiros.

Se antes o BB trabalhava com penhor e hipoteca, agora está migrando para a alienação fiduciária, onde considera que o acesso à garantia é mais rápido. Além disso, a área de recuperação foi “plugada” na de originação, para otimizar a cobrança.

“Até o ano passado, o banco preferia tomar café com o cliente e evitar a animosidade. Mas foi necessário mudar”, complementou o CFO. Segundo ele, o resultado começa a aparecer: foram R$ 2 bilhões recuperados no segundo trimestre, com 65% em caixa e 35% a prazo.

A expectativa até 2026 é de intensificação da recuperação de créditos, em paralelo com queda na inadimplência — puxada pela recuperação da capacidade financeira dos produtores — e maior seletividade na concessão de novos créditos. A partir daí, o cenário começa a melhorar.

Piora motivou mudança de VP para o agro

A disparada da inadimplência no setor, marcada por uma explosão nas recuperações judiciais, vem contaminando o balanço do banco desde 2024.

A situação se agravou com as dificuldades climáticas que se abateram sobre a safra passada, o aumento da Selic e, segundo Medeiros, o crescimento da alavancagem extra-bancos, com produtores enrolados após acessarem o mercado de capitais.

Sob pressão, o banco trocou recentemente a liderança do setor de Agronegócios e Agricultura Familiar, colocando Gilson Bittencourt no lugar de Luiz Gustavo Braz Lage no cargo de vice-presidente para tentar reverter a crise.

A mudança tem ligação com as perdas na Bolsa. Nos últimos 12 meses, a ação do BB (BBAS3) caiu 22%. Hoje, operava em alta — por volta das 15h, subia quase 2%.

Cortes no guidance e dividendos

Os principais números do balanço no segundo trimestre vieram abaixo da expectativa do mercado, que já era ruim. A inadimplência total subiu de 3% para 4,21% frente ao mesmo período do ano passado, e o retorno sobre o patrimônio líquido (ROE) caiu de 16,7% no primeiro trimestre para 8,4%.

Para ajustar as expectativas, o banco apresentou uma revisão do guidance para 2025, que havia sido anunciado em fevereiro e suspenso em março. A principal mudança foi no lucro líquido, agora estimado entre R$ 21 bilhões e R$ 25 bilhões — uma queda de 41% frente à projeção anterior de entre R$ 37 bilhões e R$ 41 bilhões.

Mesmo após o corte, o resultado ainda seria o quarto ou quinto melhor da história do banco, defendeu-se o CFO.

O crescimento na carteira de crédito foi reduzido para um intervalo entre 3% e 6%. No agronegócio, a projeção anterior era de aumento entre 5% e 9%, e agora está entre 3% e 6%.

Além disso, o BB também reduziu o payout de dividendos — a fração do lucro líquido que uma empresa remunera aos acionistas — dos atuais 40% a 45% para 30%. “A partir de 2026, vamos retomar o patamar dos anos anteriores”, disse Medeiros.

Por outro lado, se o agro é a criança problemática da vez, o irmão prodígio é o crédito consignado para pessoas físicas, que cresceu 3% na base trimestral e é uma “avenida de crescimento seguro”, afirmou Tobias. “É a carteira que nos dá o melhor retorno ajustado ao risco atualmente.”