
Um ano e meio após levantar R$ 50 milhões no mercado de capitais, o grupo CRAS Brasil, um dos maiores produtores de óleo de amendoim do País e o maior exportador do produto, não conseguiu resistir à crise, pedindo recuperação judicial diante de uma dívida de R$ 561 milhões.
Além do passivo envolvido, o pedido chama a atenção por três razões. Primeiro, por ser de uma empresa focada em uma cultura “fora do radar”, como o amendoim, contrariando a tendência de recuperações judiciais entre produtores de soja no Centro-Oeste.
Segundo, porque a RJ da CRAS tem potencial de abalar toda uma comunidade em Belém (PA) diretamente envolvida no negócio. E, terceiro, porque a empresa vinha de um faturamento de R$ 460 milhões em 2023, com crescimento de 5% frente à receita anotada em 2022, e apostava num crescimento ainda maior para frente.
O pedido, ao qual The AgriBiz teve acesso, foi protocolado no dia 13 de maio na 4ª Vara Cível da Justiça de Petrópolis (RJ), onde fica a sede da empresa.
A lista de credores inclui os cinco maiores bancos do país e é liderada pelo Banco do Brasil, com R$ 84,3 milhões a receber, e pela Caixa Econômica Federal (R$ 74,6 milhões). Bradesco (R$ 23,1 milhões), Santander (R$ 21,9 milhões) e Itaú (R$ 17,8 milhões) também são credores da companhia.
A recuperação judicial também respinga no mercado de capitais. A CRAS Brasil havia emitido um CRA de R$ 50 milhões, no fim de 2023, para comprar matéria-prima e constituir estoques.
No ano passado, o CEO da companhia, Rodrigo Chitarelli, disse aos colegas do Agfeed que esperava crescer o faturamento em 20% a partir de uma ampliação do parque industrial que adicionaria 25% à capacidade de esmagamento.
A empresa havia anunciado que passaria a atuar no mercado de insumos, produzindo e vendendo sementes de amendoim, e sua liderança argumentava “planejar cuidadosamente o crescimento, para assegurar a multiplicação com qualidade e a satisfação dos produtores”.
Um Fiagro na CRAS Brasil
A recuperação judicial acaba expondo também o CPTR11, Fiagro da gestora Capitânia, com patrimônio de R$ 405,2 milhões — o CRA da CRAS Brasil era, até abril, o sexto maior papel na carteira, com 3,8% do PL do fundo.
No último relatório gerencial, para os mais de 23 mil cotistas do fundo, a gestora informou que monitorava a CRAS Brasil pelo “elevado nível de alavancagem” e pelo “fluxo de caixa de curto prazo pressionado”.
“A companhia já contratou um assessor financeiro para conduzir a venda de uma de suas unidades, com o objetivo de reduzir a alavancagem. Nossa expectativa é que será necessário conceder carência para juros e amortizações, e talvez uma alternativa seja o pedido de Recuperação Extrajudicial ou Judicial”, detalhou a Capitânia.
A gestora informou ainda que “Em um eventual pedido, nosso caso será tratado como extraconcursal”, e afirmou que mantinha “a premissa de recuperação integral do valor investido”.
Mesmo argumentando que o CRA é extraconcursal, a processadora de amendoim incluiu essa dívida na recuperação judicial. A Opea, que fez a securitização dos títulos, aparece como a terceira maior credora da CRAS Brasil, com R$ 51 milhões a receber.
Os efeitos em Belém
Para uma fonte do mercado de crédito, a recuperação judicial da CRAS Brasil chama a atenção pelo potencial de impacto socioeconômico nas comunidades de Icoaraci e Outeiro, distritos de Belém, no Pará, dada a lista de fornecedores que estão sendo listados como credores trabalhistas.
São mais de 200 credores listados na “Classe 1 – Trabalhista”, que compreende os credores com preferência de recebimento em falências e recuperações judiciais.
As razões da crise
Mesmo com uma safra recorde de amendoim neste temporada 2024/25, os advogados da CRAS Brasil argumentaram que “todo o zelo empregado na condução dos negócios não impediu que fatores exógenos causassem uma severa crise de liquidez que ameaça a capacidade de geração de caixa e o cumprimento de obrigações com credores”.
A empresa listou as razões do insucesso, citando o clima, com a maior seca da história na safra 2023/24, a queda nos preços das commodities e o aumento da taxa básica de juros, que a forçou, segundo o pedido, a recorrer a financiamentos bancários.
De certa forma, a CRAS Brasil também argumentou ser uma vítima da enxurrada de recuperações judiciais do agro em curso no país. Os advogados da CRAS citam a RJ do grupo TresBomm, do qual a processadora de amendoim era credora em R$ 14 milhões.
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Errata: O CRA da CRAS Brasil foi emitido em dezembro de 2023. Portanto, o título de dívida foi emitido há quase um ano e meio, e não seis meses, como constava originalmente na reportagem. O texto foi corrigido. Pedimos desculpas pelo equívoco.