
BELÉM (PA) — Quando ela falou que lá dentro era até 4°C menos quente do que na rua, concordei com a cabeça, mas, no fundo, não acreditei.
Mas assim que adentramos os primeiros 20 metros de mata fechada na Capoeira do Black, senti o calor (úmido e brutal) de Belém arrefecer.
Mais cedo, Joice Ferreira, pesquisadora da Embrapa Amazônia Oriental, havia dado uma entrevista ao The AgriBiz sobre o lugar.
Ela explicou que aquele fragmento florestal — o termo técnico — tem 8,5 hectares e integra o complexo de mais de 3 mil hectares da maior sede regional da Embrapa na região norte.
Na COP30, o imenso “escritório” é a casa também da AgriZone e sua programação de painéis e debates sobre a adaptação da agricultura às mudanças climáticas. O lugar abriga as “vitrines sustentáveis” — como são chamadas as pesquisas abertas à visitação sobre inovações em diversas culturas.
Para Ferreira, entre todas elas, a Capoeira tem algo de especial.
Originalmente mata virgem, aquela terra sofreu desflorestamento e depois iniciou uma trajetória de restauração — no que foi auxiliada pela existência de áreas virgens nos arredores, como o Parque do Tinga, ela explica.
Perto dos cem anos, o lugar hoje é como uma floresta, ou o mais próximo possível. A cada passo trilha adentro, o ruído urbano se esvai. Ouve-se pássaros — são mais de 40 espécies ali, diz Ferreira — e se vê árvores de todos os tipos e tamanhos; são cerca de 265 diferentes.
Sem falar nas flores, insetos, fungos e pequenos lagartos, além das abelhas, que vêm e vão do vizinho Meliponário Iratama, outra “vitrine sustentável” onde são criadas espécies nativas sem ferrão para produção sustentável de mel.
Pássaros e morcegos trazem e distribuem sementes, e as abelhas polinizam a vegetação. Nessa simbiose, aquela pequena fatia de mata fechada encrustada na cidade já tem uma diversidade oito vezes maior do que a de toda a Inglaterra.
“E tem um pedaço dela se regenerando naturalmente, sem plantação. Na Amazônia, muitas áreas que no passado foram derrubadas estão se recuperando. O potencial é enorme”, explica a pesquisadora.
Black, o primeiro cientista
Ecóloga de formação, Ferreira é de Tocantins, mas está em Belém há cerca de 20 anos, desde que entrou na Embrapa para atuar no então recém-criado setor de Serviços Florestais. Mudou de bioma, diz, brincando — do Cerrado para a Amazônia.
Ela explica que a Capoeira do Black tem esse nome por dois motivos. Primeiro, a etimologia; o termo vem do tupi para “ka’a”, que significa “mata”, e “puera”, que é “aquilo que já foi”.
De fato, o local “já foi” mata virgem antes de ser desmatado em algum momento no fim do século XVIII, dando lugar à Fazenda Murutucu, com uma olaria e um engenho.
Em 1940, o fragmento passou aos cuidados do Instituto Agronômico do Norte (IAN). Nessa época, foram instalados ali os primeiros viveiros e plantios experimentais.
Em 1945, um jovem pesquisador americano chamado George Alexander Black começou a fazer os pioneiros registros botânico-científicos no local.
Black virou uma espécie de guardião, e ajudou a cuidar do lugar em seus primeiros anos de regeneração — até morrer afogado em Santarém, em 1957, aos 41 anos, enquanto participava de uma missão de reconhecimento no Baixo Rio Amazonas.
A partir daí, o local passou a ser conhecido como Capoeira do Black.
Em 1962, o IAN foi renomeado Instituto de Pesquisas e Experimentação Agropecuária do Norte (Ipean). Nessa era, a Capoeira foi demarcada como reserva biológica.
Depois, nos anos 1970, veio um revés no contexto dos projetos de infraestrutura do governo militar na região amazônica: a construção da rodovia Murutucu em seu extremo norte, com o trânsito pesado pondo em risco a regeneração.
Mas a Capoeira resistiu. E, em 1998, a imensa propriedade da qual ela faz parte ganhou o nome Embrapa Amazônia Oriental.
Entre 2000 e 2005 foram os anos de ouro, um “período de retomada efetiva da sucessão florestal” que fez o índice de estabilidade (indicador da saúde da terra na floresta) passar de 90%.
(O dado e a reconstituição histórica são dos pesquisadores da Embrapa Orlando dos Santos Watrin, Ademir Roberto Ruschel, Caio Felipe Almeida Rodrigues, Thamyres Marques da Silva e Márcio Hofmann Mota Soares, em um estudo publicado em 2019.)
Hoje, o lugar tem outros usos além de laboratório aberto: é um espaço de lazer para a população de Belém (PA), destino de passeios promovidos por escolas.
Isso deve se intensificar, celebra Ferreira, já que às vésperas da COP30, foi inaugurada uma nova trilha, reformada, para visitantes se embrenharem na mata.
Em mais uma boa notícia recente, a Capoeira inspirou a criação do Centro Avançado em Pesquisas Socioecológicas da Recuperação da Amazônia, em junho, focado em replicar aquele exemplo em todo o bioma.
A pesquisadora salienta outra importante função do lugar, ligada à agricultura: quanto mais floresta por perto e mais densa, menor a temperatura, maior a umidade, e maior a produtividade nas culturas-teste vizinhas, como soja, milho, trigo e cacau.
“Essas lavouras ainda ganham polinizadores e predadores que atacam as pragas, proporcionando redução no uso de defensivos químicos.”
É uma reprodução em escala-teste, ela explica, da convivência entre lavouras e reservas florestais preconizada pelo modelo da Embrapa de agricultura tropical.
Uma árvore, dois carros por um ano
Em meio a uma COP marcada pela busca por cálculos de carbono mais adequados às particularidades tropicais, tanto nas emissões quanto nos sequestros, a Capoeira do Black é uma amostra do potencial que o Brasil tem de ser recompensado por regenerar seus biomas nativos.
Especialmente a Amazônia, diz Ferreira: “A floresta cresce rápido, é igual criança, tem um espichão. E, nesse processo, absorve e acumula carbono nas árvores”.
No dia da visita, The AgriBiz participou da medição do carbono em uma árvore. Com 199 centímetros de diâmetro, cerca de 25 metros de altura e madeira de densidade baixa, de 0,35 gramas por centímetro cúbico, o resultado foram 8 toneladas de carbono equivalente estocado.
É o mesmo que a energia elétrica consumida por uma casa brasileira durante quatro anos, ou a emissão anual de dois carros a gasolina. Vale repetir: uma única árvore.
Essa é uma das informações que mais vêm impressionando os visitantes. Inclusive os ilustres, como o presidente da COP30, André Corrêa do Lago, que passou pelo local na semana passada — e também mediu uma árvore.
Esperança e alerta
A Capoeira do Black transmite duas mensagens na esfera simbólica, uma boa e a outra, ruim.
Sim, é possível regenerar áreas florestais desmatadas — e a natureza nem precisa de muito para assumir a responsabilidade e praticamente resolver a parada.
Mas demora um tempo que a humanidade não tem mais para gastar.
Otimista, Ferreira prefere ver o copo meio cheio — mania frequente e muito bem-vinda entre cientistas.
Ela diz que em cerca de uma década de recuperação, a mudança já é expressiva. “Já é possível ver redução da temperatura, aumento da umidade e melhoria da qualidade do solo, com mais nutrientes e água”.
Desde que não seja atrapalhada, diz Ferreira, a natureza se vira e ainda ajuda a lavoura: “Ela não pede muito, é só deixar trabalhar”.