
“O futuro da pecuária nacional feita em regime de pastagem é promissor.” Essa é a mensagem da estudo realizado pela consultoria Fauna Projetos, do pesquisador Eduardo Assad, que analisou o balanço de carbono de 103 pequenas e médias fazendas de pecuária em 12 estados brasileiros.
O resultado é surpreendente: quase um terço das fazendas (31%) removem CO2 equivalente da atmosfera, enquanto 45% emitem de 0 até 1,4 tonelada de CO2eq por hectare e 24% estão com uma emissão acima de 1,4 tonelada de CO2eq/ha.
“Com o mínimo de manejo de solo e recuperação dos pastos, todas essas fazendas em pouco tempo estariam na situação de mitigadoras”, disse Assad, que também professor na Fundação Getúlio Vargas, em entrevista ao The AgriBiz.
Iniciada em 2023, a pesquisa em questão foi encomendada à Fauna Projetos pelo Instituto Inttegra de Métricas Agropecuárias, que coordena o Programa Fazenda Nota 100 (PFN10) da Friboi, que hoje engloba 500 propriedades e tem por finalidade melhorar a produtividade, sustentabilidade e rentabilidade das propriedades fornecedoras de carne para o frigorífico.
O balanço de carbono das 103 fazendas foi feito com a calculadora de emissões de gases do efeito estufa (GEE) da pecuária, desenvolvida com base no GHG Protocol, do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC).
“Do mesmo jeito que a gente mede indicadores sociais, econômicos e zootécnicos, decidimos monitorar indicadores ambientais. Somos obsessivos por números, por identificar quais práticas tornam a fazenda mais sustentável”, afirmou o zootecnista Antonio Chaker, diretor do Instituto Inttegra.
A pesquisa começou com 103 fazendas, já ampliou para 200 propriedades e até o final deste ano terá analisado 300 estabelecimentos rurais voltados à pecuária. “Até agora os resultados estão muito parecidos e o objetivo é qualificar essas fazendas do ponto de vista ambiental”, disse Chaker.
O que fazem as fazendas mitigadoras?
As propriedades voltadas à pecuária que integram o grupo de 31% das fazendas que removem mais CO2eq do que que emitem têm três iniciativas em comum.
A primeira delas é o cuidado com as pastagens. Não deixar o solo descoberto, com plantas daninhas, mas manejar bem as pastagens, plantar mix de forrageiras.
“O segundo aspecto é que são fazendas com processos internos mais eficientes no quesito produtivo. Animais que são abatidos mais jovens e, portanto, emitem menos gases do efeito estufa no seu tempo de vida”, explica o diretor da Inttegra.
Lembrando que o metano (CH4), subproduto da digestão animal, tem um potencial de aquecimento global cerca de 28 vezes maior que o CO2 em uma escala de 100 anos.
“Sim, a pecuária emite gases do efeito estufa. O boi emite metano, mas se fizermos o manejo adequado dos pastos, neutralizamos o metano”, afirma Eduardo Assad.
Só para se ter uma ideia, a média de abate de um boi no Brasil é de 42 meses (3,5 anos), enquanto as fazendas mitigadoras geralmente abatem os animais com 30 meses ou menos meses. Inclusive, hoje o chamado “boi 30” é uma exigência da China para importar a carne brasileira.
A terceira iniciativa comum entre as fazendas mitigadoras são os processos regenerativos mais bem estruturados. Essas propriedades usam menos adubos químicos — como o nitrogênio, que corresponde a 6% das emissões totais do agro —, fazem compostagem e semeiam plantas de cobertura que ajudam a captar carbono da atmosfera.
“Quanto mais sustentável uma fazenda de pecuária é, mais rentável ela se torna. Existe uma correlação direta e essa é nossa grande boa notícia”, comemora Chaker.
Fazendas neutras ou de baixa emissão
Maior grupo das propriedades analisadas na pesquisa, engloba 45% das fazendas que emitem de 0 até 1,4 tonelada de CO2eq por hectare. São os estabelecimentos rurais que com pequenas mudanças facilmente se tornariam mitigadores de CO2eq, segundo Assad.
“Com um pouco de investimento em manejo correto, ciência e tecnologia, facilmente se reverte a situação de emissão para remoção de gases do efeito estufa”, diz o pesquisador.
“Geralmente são propriedades que usam um pouco mais de fertilizantes químicos, não usam só as plantas forrageiras, às vezes têm áreas de pastagens degradadas que precisam ser recuperadas”, acrescenta Chaker.
“Mas quando você melhora a pastagem, aduba corretamente, coloca leguminosas, melhora a densidade de sementes de forrageiras no pasto, você sai de 1,4 tonelada de CO2eq que você emite para 1,4 tonelada de CO2eq que você está evitando de emitir”, diz Assad.
Fazendas com alta emissão
Essas propriedades fazem parte dos 24% de estabelecimentos rurais voltados à pecuária com emissão acima de 1,4 tonelada de CO2eq/ha.
“Este grupo da lanterna é muito representado por fazendas que, em algum momento da sua história recente, tiveram desmatamento, mesmo que legal. O solo degradado mais a presença de desmatamento, mesmo dentro de um horizonte de 20 anos, fazem com que elas se tornem emissoras, porque carregam isso no seu histórico. Além de serem propriedades menos eficientes de forma geral”, explica o zootecnista.
Quando uma fazenda do portfólio da Inttegra é enquadrada na lanterna, o primeiro passo é informar o produtor. “Isso incomoda muito, porque ninguém gosta de estar neste grupo. Mas, a partir daí, criamos um projeto de recuperação de pastagens, de utilização de práticas sustentáveis que também trazem resultados econômicos”, diz Chaker.
O melhor dos mundos
Não há dúvidas de que o primeiro nível para a melhoria dos sistemas produtivos na pecuária é a recuperação de pastagens degradadas. Inclusive, em 2023, o governo federal lançou um Programa Nacional de Conversão de Pastagens Degradadas, cuja pretensão é a conversão de 40 milhões de hectares de pastagens de baixa produtividade em áreas voltadas à produção de alimentos.
“O segundo nível seria os sistemas integrados, com lavoura e pecuária, em que você melhora a eficiência e aumenta o efeito mitigador da pecuária”, afirma Assad.
O terceiro nível, o mais eficiente de todos, é a Integração Lavoura-Pecuária-Floresta, no qual é possível aumentar a produtividade e reduzir as emissões do gado. “Este é o futuro do Brasil. Há 25 anos digo isso, espero que nossos produtores se voltem a isso nos próximos 40 anos”, finaliza o professor.