Conferência do Clima

Antes de chegar à COP, Brasil precisa decidir se agro é vitrine ou vidraça

Carlos Eduardo Cerri, professor da Esalq e diretor do CCarbon, critica metodologia desequilibrada do Plano Clima

ILPF, sistema integra adaptação e mitigação às mudanças climáticas | Crédito CNA / Tony Oliveira

Ter a COP no Brasil é uma oportunidade de apresentar o diferencial da agricultura tropical — e de focar no principal vilão das emissões. Para isso, o País terá de vencer primeiro uma batalha interna, afastando as incongruências do Plano Clima.

“Se nos organizarmos melhor, podemos deixar a discussão mais ampla, sem a cortina de fumaça das COPs anteriores, que queriam induzir os sistemas alimentares como os grandes culpados do aquecimento global”, afirma Carlos Eduardo Cerri, professor da Esalq (USP – Piracicaba) e diretor do Centro de Estudos de Carbono em Agricultura Tropical (CCarbon).

Do total das emissões globais de gases de efeito estufa, 73% são provenientes do setor de energia, ou da queima de combustíveis fósseis. A agricultura, pecuária, silvicultura e mudança do uso da terra vêm em segundo lugar com 18%. Mas, nas últimas COPs, a agenda do combustível fóssil ficou de lado.

 “A COP passada foi no Azerbaijão, a anterior nos Emirados Árabes e a COP27 foi no Egito. Todos países altamente dependentes de petróleo e gás natural. Não havia interesse em discutir a queima de combustível fóssil”, afirma Carlos Eduardo Cerri, professor da Esalq (USP – Piracicaba) e diretor do Centro de Estudos de Carbono em Agricultura Tropical (CCarbon).

Como signatário do Acordo de Paris, o Brasil assumiu compromissos voluntários de redução de Gases do Efeito Estufa (GEE) e adaptação às mudanças climáticas. São as famosas Contribuições Nacionalmente Determinadas (NDCs), atualizadas pelo Brasil na COP passada.

O novo compromisso do País é reduzir as emissões líquidas de gases de efeito estufa entre 850 milhões e 1,05 bilhão de toneladas de CO2 equivalente até 2035, o que significa uma redução entre 59% e 67% em relação a 2005.

Como chegar lá

O Ministério do Meio Ambiente e Mudança Climática deve apresentar na COP30 o Plano Clima, um guia da política nacional brasileira para enfrentamento da emergência climática até 2035.

Pela primeira vez, o plano coloca a adaptação e mitigação às mudanças climáticas sob o mesmo guarda-chuva — mudança elogiada por Cerri. “Antes eram separados, mas há uma série de atividades que a gente faz, como sistemas integrados [ILPF], que são ações conjuntas de adaptação e mitigação”, diz o coordenador do CCarbon.

“A adaptação é reação ao impacto do problema. Por exemplo, a Embrapa e o IAC estão desenvolvendo cultivares mais tolerantes a períodos sem chuva”, explica.

“Já mitigação é como a gente enfrenta, estamos falando de redução das emissões de GEE. Todos os setores do Brasil e do mundo têm que fazer isso. A indústria tem que fazer a lição de casa, o setor de transporte nacional tem o RenovaBio, um programa voltado à descarbonização. Mas a agricultura, pecuária e silvicultura são as únicas atividades que conseguem reduzir as emissões e aumentar a fixação, porque têm vegetação e solo associados”, complementa Cerri.

De acordo com dados de 2020 do Sistema de Estimativas de Emissões e Remoções de Gases do Efeito Estufa (SEEG), a maior parte das emissões do Brasil (46,2%) está relacionada à mudança de uso da terra (desmatamento), na sequência vem a agropecuária com 26,7%, seguido pelo setor de energia (18,2%), processos industriais (4,6%) e resíduos (4,3%).

“A realidade do Brasil é bem diferente do mundo, quase metade das emissões vem de um setor que nem é econômico, vem de desmatamento ilegal, que é crime. Não é questão de política pública, é questão de polícia”, explica o diretor do CCarbon.

A controvérsia do Plano Clima

O Plano Clima aloca parte das emissões de gases de efeito estufa do uso da terra para um novo setor de conservação da natureza e para a agricultura e pecuária, o que tem gerado discordância das entidades do agro.

“Desta forma, eles transferem quase todo o desmatamento para o setor agropecuário sem dar clareza da metodologia adotada. E não dizem se é desmatamento legal, ilegal, se é dentro da propriedade rural, se é em áreas públicas. Temos várias críticas porque o plano impacta o agro no curto, médio e longo prazo”, explica Nelson Ananias, coordenador de sustentabilidade da CNA.

“Há um equívoco metodológico mesmo, e mais do que metodológico, político, de querer atribuir ao setor agro as emissões dos 46% de desmatamento, que não é só oriundo de atividade agropecuária, tem um monte de grilagem, desmatamento ilegal, demarcação de terra, urbanização que não tem ligação com o agro”, reforça Cerri.

Segundo o diretor do CCarbon, o cômputo está desequilibrado. “A redução de emissão de GEE por substituição por biocombustíveis (etanol, biodiesel) vai para o setor de transporte. Mas as emissões dos fertilizantes usados para produzir esta cana e soja vão para o setor agro. Isso não faz sentido”, diz.

Diante disso, uma aliança formada por Embrapa, FGV e CCarbon redigiu um documento destinado à consulta pública do Plano Clima alertando sobre o problema.

“Se as emissões são atribuídas para um setor, tem também que atribuir as remoções. O agro entende que o Plano Clima está desbalanceado e precisa ser profundamente alterado para que seja levado à COP”, afirma Ananias, da CNA.