
Após um aumento de preços histórico desde o início do ano passado, o café começou a devolver as altas nas bolsas internacionais em abril e maio. Para Gil Barabach, especialista em café e fundador da consultoria Safras & Mercado, a tendência é clara daqui para frente: queda forte.
Depois da escassez que marcou as primeiras projeções para a safra 2024/25, as estimativas mais recentes da Safras & Mercado surpreenderam positivamente ao apontar 65,51 milhões de sacas, bem acima das 55,7 milhões de sacas estimadas pela Conab. E as perspectivas são de melhora para a temporada 2025/26 e de otimismo para a oferta em 2026/27.
“Para 2026, começa a se construir uma narrativa de sobra de café. Com isso, os estoques crescem, o que naturalmente joga os preços para baixo”, disse Barabach durante evento promovido na semana passada pela startup Culttivo.
O preço ao produtor do café arábica, predominante na lavoura brasileira, caiu 15% em maio, para R$ 2.320 a saca de 60 kg no mercado interno. É bem menos que os R$ 2,8 mil em que bateu em fevereiro, mas ainda carrega um ganho de 132% na comparação com janeiro de 2024, quando estava perto de R$ 1 mil.
A expectativa para os próximos meses é de mais queda, com 40% de chances de a cotação do arábica ficar abaixo de R$ 1.500 até dezembro, segundo Barabach. Isso representaria uma queda de 35% até o fim do ano.
Melhora na oferta
A safra 2024/25, que está em plena colheita, foi marcada por uma quebra puxada por fatores climáticos — choveu menos e fez mais calor em São Paulo e Minas Gerais.
Já para a safra 2025/26, que inevitavelmente ainda sofrerá alguns impactos dos problemas climáticos recentes, as projeções estão melhorando. Em 2026/27, é possível que o mundo — e o Brasil — tenham produção recorde.
Dessa vez, o clima deve jogar a favor. Os modelos meteorológicos indicam chuvas mais regulares e temperaturas ligeiramente abaixo da média em julho e agosto nas regiões produtoras, segundo Barabach. E, entre os efeitos do El Niño e da La Niña, a previsão é de prevalência da neutralidade.
Com isso, se não houver geada no inverno e a florada pegar no segundo semestre, a safra 2025/26 poderá ser maior que o estimado até aqui. O potencial, ele diz, é de elevar a produção de arábica de 40 milhões para 50 milhões de sacas, e a de robusta manter em 25 milhões, o que resultaria em um recorde de 75 milhões de sacas.
Para completar o cenário de baixa para os preços, a expectativa para a safra da Ásia é positiva, com um aumento da área plantada no Vietnã e na Indonésia. “Se tudo se confirmar, será um ponto de inflexão, e o mercado vai precificar, como fez no ano passado. Tem que combinar com o clima.”
No Brasil, a diferença entre os volumes de arábica e robusta segue caindo ano a ano. Na safra 2020/21, foram 50 milhões de sacas de arábica e 19 milhões de sacas de robusta, e em 2025/26 devem ser 40 milhões de arábica e 25 milhões de robusta.
Segundo o especialista, o País caminha para passar o Vietnã e se tornar o maior produtor mundial também de robusta — o volume brasileiro cresceu de 20 milhões para 25 milhões de sacas no último ano, enquanto no país asiático subiu de 29 milhões para 30 milhões.
Mercado invertido
A mudança de narrativa, como Barabach se refere, se reflete no mercado futuro, com os contratos para setembro de 2026 sendo negociados a preços 11% mais baixos do que setembro de 2025 — considerado o mês-chave no ano para os produtores brasileiros, quando começa a florada da temporada seguinte.
A queda nos futuros só não foi ainda maior porque os fundos estão de olho na consolidação das previsões climáticas. “Só vão desmontar aquela posição comprada quando dissipar esse risco”, diz Barabach.
A volatilidade deve seguir alta, graças aos baixos níveis de estoque. “Tem muito pouco café no mercado, principalmente arábica. A relação estoque-consumo está em 6%. Imagine ser um comprador em uma indústria e ter só 6% do que precisa para o ano. Isso deixa o mercado mais nervoso, qualquer notícia já faz os preços oscilarem.”
Nesse contexto, ele vê uma oportunidade para os produtores investirem na lavoura.
“Tenho falado sobre aproveitar que estão capitalizados pela alta nos preços para investir. O que precisa para melhorar a eficiência? Construir um terreiro? Comprar trator, instalar irrigação? Assim, quando o mercado devolver a cotação, o produtor estará mais preparado para enfrentar preços baixos de forma mais competitiva.”
China puxa demanda
Em paralelo com a perspectiva de aumento da produção, existe uma projeção de crescimento no consumo, puxado pela China, que vem se tornando um mercado relevante na cadeia cafeeira, lembrou Barabach.
O consumo no país asiático, que era de pouco mais de 2 milhões de sacas ao ano em 2014/15, chegou a 5,5 milhões de sacas ao ano em 2023/24 e pode ultrapassar 6 milhões de sacas/ano em 2024/25.
Os motivos são a expansão da classe média local, o aumento do turismo estrangeiro e a ascensão de um novo perfil de consumidor, jovem e urbano, que frequenta redes de cafeterias tanto para o “take away” quanto para o consumo em casa.
Puxado pelo crescente interesse chinês, o consumo na Ásia já chegou ao segundo lugar entre os continentes em 2023/24, totalizando 25,8 milhões de sacas por ano, atrás apenas da Europa, com 30,4 milhões de sacas/ano.
“Nos mercados tradicionais, como EUA, Europa e Japão, tem pouco potencial de crescimento do consumo, porque a população cresce menos e a renda já é alta. Já na Ásia vem surgindo um novo público. E isso é muito bom, pois em um cenário de aumento, um crescimento da oferta não vai fazer o preço despencar.”
Queda de preço chegará ao consumidor
No Brasil, o café protagonizou uma disparada nos preços nos supermercados, acumulando uma alta de 82% em 12 meses encerrados em maio, bem acima da inflação acumulada de 5,3% no período.
Segundo Barabach, a esperada queda nas cotações internacionais tem potencial para influenciar o varejo, mas ainda vai demorar um pouco.
“A indústria está carregando estoque de café a preço alto do final do ano passado e começo do ano de 2025. Agora, com a safra vindo, ela vai começar a comprar café mais barato, e isso tende a se refletir no segundo semestre.”
Outro efeito que o consumidor deve notar é uma mudança no sabor do café, fruto do aumento da mistura de arábica e conilon por parte da indústria, sob efeito direto das cotações. E essa, segundo Barabach, também deve ser uma tendência.
“Acho que o robusta vai ganhar participação no blend, com até 85%, e o arábica vai ficar para um consumo mais sofisticado”, disse Barabach. Nos últimos cinco anos, segundo fontes do mercado, a mistura usada no café solúvel tem sido de 65% arábica e 35% robusta.