
Tenho insistido na necessidade de se revisar os recursos das agências reguladoras para que cumpram, de fato, suas competências e obrigações fiscalizatórias. Em um ambiente fiscal constantemente pressionado, há o risco de o ajuste recair de forma desproporcional sobre o orçamento desses órgãos, essenciais para garantir a qualidade dos serviços regulados.
No caso das enchentes no Rio Grande do Sul, ficou evidente que a integração de dados e sistemas é urgente para ampliar a capilaridade das informações e assegurar qualidade e velocidade em situações de calamidade pública. Um protocolo que defina com clareza as responsabilidades nesses momentos, somado a tecnologias e treinamento, é essencial para reduzir danos às pessoas, aos negócios e ao meio ambiente.
Nos combustíveis, um dos pontos mais sensíveis na gestão da informação e na fiscalização está em garantir o cumprimento da mistura obrigatória de biocombustíveis.
No diesel, por exemplo, diversos levantamentos públicos e privados já constataram teores menores de biodiesel inferiores ao previsto em lei. Quando isso ocorre, todos perdem: o meio ambiente, os consumidores, as usinas e as distribuidoras que se veem em situação de concorrência desleal.
Para modificar isso, não bastam métodos tradicionais de fiscalização baseados apenas em por dados declaratórios ou em análises químicas do diesel, mesmo com equipamentos de resultado instantâneo: o número de pontos de distribuição e revenda torna a tarefa praticamente inexequível. Basta olhar a quantidade de locais de revenda ao consumidor para entender que fiscalizar assim é o mesmo que enxugar gelo.
Por isso, defendo a retomada do modelo eficiente desenvolvido ao longo de quase duas décadas de leilões públicos de biodiesel. Naquele período, além da fiscalização da ANP, houve o apoio essencial da Petrobras com um sistema de controle volumétrico de mistura em que as distribuidoras só recebiam diesel A (derivado do petróleo) mediante comprovação da retirada efetiva de biodiesel. O resultado foi atendimento pleno e, na prática, sem intercorrências relevantes quanto ao cumprimento da lei.
Também não por acaso, a lei nº 15.082, de 30 de dezembro de 2024, acrescentou o art. 68-G à lei nº 9.478, de 6 de agosto de 1997, retomando o dispositivo de fiscalização por balanço de massa. Foi uma conquista da sociedade em favor da concorrência leal e do combate a fraudes. Causou surpresa, portanto, a regulamentação pelo Decreto nº 12.437, de 16 de abril de 2025, ter omitido a garantia de acesso da ANP às notas fiscais e a existência de um sistema eletrônico capaz de tratar informações em tempo real.
É claro que isso pode ser corrigido pelo Congresso, como já se discute no PLP 109/2025. Mas não caberia ao próprio Poder Executivo promover essa adequação, dada sua responsabilidade e maior agilidade para alterar o decreto?
Os casos recentes de contaminação por metanol trouxeram esse debate à tona, como mostrou a matéria do Estadão sobre o sistema de rastreabilidade da República Dominicana, que zerou as mortes por esse tipo de contaminação. Como bem escreveu Elena Landau no mesmo veículo, o crime organizado está disseminado em diversos setores e exige ações enérgicas e urgentes. Uma delas é fortalecer a fiscalização com rastreabilidade plena por documentos, aliada aos sistemas tradicionais de amostragem física.
Enquanto mantivemos modelos de fiscalização sem o devido apoio e integração dos órgãos que deveriam sustentar esse processo, o Estado continuará adotando estratégias desatualizadas e lentas, ao passo que as empresas sérias lutam para se manter competitivas em um ambiente concorrencial injusto e cada vez mais difícil.
É imprescindível revisar o Decreto nº 12.437, de 2025, e assegurar à ANP e a outras agências acesso imediato às informações fiscais que as ajudem a cumprir suas atribuições, seja no controle da mistura de biodiesel, seja nas demais responsabilidades de garantia do abastecimento, da qualidade e da concorrência.
Reitero meu respeito e reconhecimento pelo trabalho corajoso e fundamental das agências reguladoras e, por isso, defendo que elas tenham condições de continuar atuando pelo Brasil com ferramentas do século XXI. Acredito que a omissão do decreto decorreu de desconhecimento do problema.
Também creio que operações como a Carbono Oculto e as ações de combate ao desvio de metanol sejam suficientes para sensibilizar a todos e promover as mudanças necessárias. Precisamos salvar vidas, preservar empregos dignos e proteger as cadeias produtivas honestas.