Pay to play

Na Indigo, US$ 250 milhões para tentar sair da berlinda

“Nosso valor intrínseco, como empresa, é de aproximadamente US$ 1 bilhão, mas tivemos um desconto para fazer essa captação”, admitiu o CEO Ron Hovsepian

Depois de semanas sendo alvo de especulações sobre a deterioração de seu valuation, a startup americana Indigo AG — que já foi a agtech mais valiosa do mundo — anunciou nesta sexta-feira uma captação de US$ 250 milhões.

A rodada saiu realmente em condições adversas, mas a Indigo aposta que a injeção de capital abre o caminho para que a startup cresça e atinja a escala necessária para viabilizar seu modelo de negócios, que inclui biológicos e geração de créditos de carbono na agricultura.

Ao colocar mais dinheiro para dentro — a startup não especificou se todo o recurso foi levantado via equity —, a Indigo buscava também dar uma resposta ao mercado. “Valuation em uma startup é um jogo de longo prazo”, disse Ron Hovsepian, CEO global da Indigo, em entrevista ao The Agribiz na tarde desta sexta-feira.

“Quando a ação de uma empresa cai 20%, a maioria das pessoas não vende tudo. Você espera. E quando você vai ao mercado para captar recursos, validação é o que realmente importa”. Com a nova rodada, a Indigo teve sua tese validada, sustentou Hovsepian. E ainda conseguiu trazer novos investidores — cerca de 30% da base total.

Mas a rodada só ocorreu com um desconto em relação ao seu “valor intrínseco”, nas palavras do CEO. “Nosso valor intrínseco, como empresa, é de aproximadamente US$ 1 bilhão. E tivemos um desconto para fazer essa captação”, disse o CEO sem dar mais detalhes. “Fizemos isso porque o capital e a validação são as coisas mais importantes agora”, acrescentou.

Pay to play?

Há dois anos, a Indigo chegou a ser a agtech mais valiosa do mundo, com um valuation ao redor de US$ 3,5 bilhões. Mas assim como outras startups, que captaram muito dinheiro nos tempos de juros baixos, a situação mudou radicalmente, derrubando o valor de muitos negócios.

Num relatório da Unic-Tech (investidor da Indigo) que veio à tona nas últimas semanas por meio da mídia israelense e causou burburinho no ecossistema, a agtech americana teria sido avaliada em apenas US$ 200 milhões nesta última rodada, ou seja, uma queda de 94% desde o auge.

No início de agosto, o site americano The Information também reportou que a rodada sairia com um desconto de 96%. “Em alguns casos, os investidores precisam colocar dinheiro novo em empresas que estão em dificuldades para evitar perder tudo”, escreveu a reportagem. É o famoso pay-to-play.

Questionado sobre o desconto aplicado na rodada anunciada nesta sexta, Hovsepian mencionou o ambiente adverso para captações neste momento, citando um levantamento da Carta, empresa de pesquisa especializada no tema. No primeiro trimestre deste ano, menos de 15 empresas captaram cerca de US$ 500 milhões em séries D e E+ (ou seja, negócios maduros), seguramente o menor volume dos últimos anos, segundo a consultoria. “E nós acabamos de captar US$ 250 milhões”, comemorou.

A Indigo também não especificou se os investimentos da nova rodada, que o CEO chamou de “série múltipla”, foram só equity ou se também houve dívida. Para quem acompanha o mercado de startups, faria sentido que uma parte desse capital tenha sido levantado em instrumentos de dívida apartados para financiar projetos específicos de geração de crédito de carbono.

Há duas semanas, a Unic-Tech disse ao site israelense CTech que a Indigo captou US$ 160 milhões nessa última rodada de equity. A firma também argumentou que a redução da avaliação da agtech americana em seu portfólio foi uma “medida conservadora”, uma vez que a Indigo precisou engavetar os planos do IPO e passou por uma reestruturação.

Escala e breakeven

Para o CEO da Indigo, era preciso levantar funding mesmo com um valuation desfavorável. “O mercado exigiu que levantássemos capital para escalar”, disse o CEO. E como ele acha que ainda vai um bom tempo até que apareça uma janela de captação em condições de valuation favoráveis, não era possível esperar.

A rodada da Indigo foi liderada pela Flagship Pioneering, gestora de investimentos que fundou a agtech em 2013. Entre os novos investidores da rodada, destacam-se o Lingotto Investment Management, um fundo focado em inovação que gere US$ 3 bilhões da holding europeia Exor, e um fundo de pensão do Estado de Michigan.

Desde que Hovsepian assumiu a presidência da Indigo, em setembro de 2020, a startup levantou aproximadamente US$ 500 milhões, incluindo a última rodada, segundo o executivo. Antes disso, até o segundo trimestre de 2020, outros US$ 1,2 bilhão já haviam sido captados, segundo dados da Crunchbase.

Com a entrada dos novos recursos, a Indigo espera chegar ao brekeven e começar a gerar caixa a partir do quarto trimestre do ano que vem, segundo o CEO.

A gestão Hovsepian

Quando chegou ao comando da Indigo, Hovsepian — um executivo com grande experiência na indústria de tecnologia e sócio da Flagship Pioneering — definiu prioridades para a startup, que havia crescido rápido demais após captações bilionárias e parecia ter perdido o rumo. O antigo CEO, David Perry, chegou a afirmar que a Indigo teria cinco startups em uma.

Hovsepian optou pela reestruturação. “Decidimos focar em uma plataforma e duas áreas de negócios voltadas à sustentabilidade”, contou.

Uma delas é o braço de biológicos, o primeiro a receber a maior parte dos investimentos e, por isso, hoje em um estágio mais maduro, porém ainda em crescimento — 38 novos produtos biológicos devem ser lançados globalmente nos próximos 30 meses.

A segunda área de negócio refere-se a soluções digitais, incluindo um software de comercialização (Market+) e a geração e monetização de créditos de carbono para agricultores. Outros serviços, como o de transporte de grãos e de agronomia, foram descontinuados.

O negócio de defensivos biológicos responde atualmente por 80% das vendas, mas o objetivo é crescer no mercado de carbono, fazendo com que essa vertical passe a representar 50% do total em cinco anos.

A Indigo no Brasil

No Brasil, a Indigo segue buscando parcerias para introduzir a sua plataforma digital e para produzir biológicos localmente, em condições que atendam aos seus rigorosos padrões de qualidade. A empresa se prepara para lançar um bionematicida que ajuda uma melhor absorção de nutrientes e estimula o crescimento da planta.

Para ele, a adoção dos biológicos por parte dos produtores brasileiros tem sido rápida, apoiada também por uma agilidade na aprovação de novos produtos. “Isso tem contribuído para que o mercado brasileiro ganhe tração e maturidade”, avaliou.

“Esses últimos deals envolvendo biológicos no Brasil mostram que a demanda vai continuar a crescer no país”, afirmou citando a compra da Biotrop pelos belgas da Biobest e da Stoller pela Corteva. “O Brasil é crucial para toda a empresa que quer estar em biológicos.”