
Startups são empresas inovadoras que usam capital de risco e tecnologia para solucionar problemas crônicos de setores da sociedade e da economia. Na Olho do Dono, esses elementos se revelam com clareza. O setor é a pecuária — bovina de corte, de leite e suína.
A tecnologia é um software que combina câmeras 3D portáteis e inteligência artificial para contar e pesar os animais usando imagens. Os recursos são R$ 2,2 milhões sendo levantados em um aporte liderado pelo grupo de investidores-anjo BR Angels. E o problema a resolver é a histórica dificuldade dos pecuaristas em calcular o peso dos animais em rebanhos.
Apenas entre 15% e 20% das fazendas de gado no Brasil têm balanças, segundo estimativas do mercado, e a maioria dos pecuaristas no País é formada por pequenos produtores — há mais de 1 milhão de propriedades com menos de 100 cabeças.
No sistema tradicional, esses produtores incorrem em custos para alugar balanças dos vizinhos mais estruturados — R$ 10 a R$ 15 por animal, em média.
Além de custosa, a atividade é arriscada: a pesagem de um boi demanda até cinco vaqueiros por dia, e não raro gera lesões nos trabalhadores ou nos animais. Por isso, a ampla maioria dos pecuaristas faz no máximo duas pesagens por ano.
É aí que entra a Olho do Dono, cuja solução promete transformar a pecuária bovina e suína viabilizando pesar e acompanhar o desempenho dos animais sem necessidade de balanças.
“No sistema tradicional, o boi precisa andar longas distâncias até o curral, onde muitas vezes passa o dia sem alimento e água. O processo é estressante para o animal, que pode se acidentar e ter que ser abatido, e requer muita mão de obra. Por isso, o peso raramente é monitorado”, explica Pedro Henrique Mannato, CEO da Olho do Dono e um dos fundadores da startup criada em 2015, ao lado dos sócios Hudson Ramos e Rafael Bragatto.
A ferramenta surgiu quando Mannato recebeu uma provocação de um amigo, gestor de um family office, que se ressentia por não ter dados suficientes para avaliar a qualidade de um investimento em pecuária. “Eu respondi: por que que não usa balanças digitais? Foi aí que conheci esse problema mundial”, diz Mannato.
A inovação
O processo começa na captura dos dados usando uma câmera que gera imagens em 3 dimensões (3D), posicionada de forma que o gado passe por baixo. “Ela é portátil, tem autonomia de energia e resistência à água e pode ser levada na mochila do vaqueiro. Não é mais o boi que vai à balança, é a câmera que vai até o boi.”
A inteligência artificial, ele diz, entra no processamento das imagens para transformar os referenciais — largura e contornos físicos do animal, histórico de pesagem e idade, entre outros — em informação. Durante o desenvolvimento, foram mais de 1,5 milhão de imagens confrontadas com as balanças, com alto índice de assertividade.
A ferramenta permite integração com os brincos eletrônicos que facilita o manejo. E se aplica tanto a animais em confinamento, setor que tem um nível um pouco maior de tecnificação, quanto para rebanhos em pastagens abertas.
O nome da agtech, aliás, é inspirado no ditado “O olho do dono é que engorda o gado” — que tem réplicas em outras línguas, como o inglês (“The eye of the master fattens the cattle”).
A expressão carrega uma relação de causa e efeito que, na visão de Mannato, é enganosa: a presença do dono não é mais suficiente para garantir resultados na produção de carne ou de leite, e é preciso abraçar a tecnologia.
Software integrável
Segundo o CEO, a solução pode ser complementar a plataformas de gestão pecuária, como a JetBov e a iRancho, outra investida da BR Angels.
A Olho do Dono é um SaaS, ele diz, citando o modelo de distribuição de softwares no qual o usuário paga uma subscrição. No caso da startup, é uma assinatura anual — o valor depende da faixa de tamanho do rebanho.
“A gente tem duas formas de entrega. Uma é por meio de dashboards em softwares de gestão nos quais estamos integrados, como o da iRancho. E outra é gerando relatórios em Excel ou PDF, para o produtor que ainda atua por WhatsApp ou e-mail.”
Crescimento
Os atributos atraíram a BR Angels, que lidera o aporte de R$ 2,2 milhões com mais da metade do valor — a rodada será concluída em outubro.
“A startup foi indicada por uma pessoa do próprio BR Angels, o que ajuda. E alguns aspectos saltaram aos olhos. Primeiro, nosso foco recente no agro. Segundo, a ética e a qualidade do empreendedor. E, terceiro, o uso de inteligência artificial para solucionar um problema concreto”, diz Orlando Cintra, fundador e CEO da BR Angels.
O modelo de negócios é prioritariamente B2C, com vendas direto para as fazendas. De acordo com Mannato, os novos recursos serão usados para atrair mais usuários e estruturar uma rede de representantes comerciais.
“Nossos clientes são os pecuaristas. Hoje, a solução é viável para fazendas a partir de 500 cabeças de gado”, ele afirma.
Mas a Olho do Dono ambiciona fechar parcerias com cooperativas e sindicatos, permitindo que produtores pequenos acessem a tecnologia via aluguel diário.
A agtech também iniciou uma frente B2B, com foco em grandes empresas. Um primeiro resultado foi a recente contratação pela JBS para integrar a solução ao serviço de assistência técnica que a gigante de carnes fornece a seus produtores.
O espaço para crescimento é enorme, dizem Mannato e Cintra. Atualmente, a startup atua em todo o País, com mais foco nas regiões Centro-Oeste e Norte, ao encontro da concentração de rebanhos nessas geografias.
Foram 500 mil pesagens em 2025 por meio da tecnologia. Isso equivale a 0,25% do rebanho bovino no País, estimado em 202,78 milhões de cabeças em 2024 pela Abiec (Associação Brasileira das Indústrias Exportadoras de Carne).
Capitalizada, a agtech tem metas ambiciosas: o CEO não divulga o faturamento em 2024, mas diz que a ideia é aumentá-lo em 300% neste ano.
O aporte ainda vai embasar um esforço por internacionalização. A startup já tem clientes na Argentina, no Paraguai e no México, e quer explorar novos mercados, como China e Colômbia.
Também está nos planos lançar um novo produto em 2026, atualmente em fase de registro de patente.