Tributação

Retenciones brasileiras: A canetada, o choque e a articulação do agro contra a MP

Para as empresas, a impossibilidade de usar créditos acumulados vai, no mínimo, exigir maior fluxo de caixa. Para o produtor, preço da soja vai diminuir

Retenciones brasileiras. É assim que o agronegócio está encarando a Medida Provisória que restringiu o uso de créditos de PIS/Cofins. O setor é um dos mais impactados pela canetada do governo, com prejuízos sendo estimados na casa dos bilhões de reais para indústrias, exportadores e até para o produtor rural, que já passa por um ano difícil, com margens baixas.

Para as empresas, a impossibilidade de usar créditos acumulados vai, no mínimo, exigir um maior fluxo de caixa, o que pode resultar em um aumento nos custos financeiros, segundo especialistas consultados pelo The AgriBiz nos últimos dias.

Em casos mais extremos, pode haver prejuízos. Para o agricultor, haverá uma diminuição nos preços pagos pelos compradores de suas commodities no caso destes não terem “uma saída” para esses créditos, ou seja, caso eles não tenham alternativas para compensá-los.

A Abiove (Associação Brasileira das Indústrias de Óleos Vegetais) foi a entidade mais clara sobre o impacto da medida. A indústria de processamento de soja acumulou, no ano passado, R$ 6,5 bilhões em créditos de PIS e Cofins. Após a MP, não terá mais como utilizar esses créditos. Isso significa que haverá um aumento no custo operacional no valor de R$ 6,5 bilhões — que será repassado ao produtor rural.

“Esse custo será considerado na precificação da soja, representando a redução de 4% do preço pago aos produtores rurais. Isto é, o produtor de soja será prejudicado pela cumulatividade estacionada na indústria de oleaginosas”, disse a entidade em nota.

“Como você não consegue compensar (o crédito), vai ter que ter mais 5% de caixa. Isso será repassado para o preço ao produtor”, resumiu uma fonte do setor. “Os preços dos nossos produtos são determinados em Chicago. Não tem como repassar ao preço final”.

MP de PIS/Cofins vai resultar em queda no preço da soja ao produtor

Depois de um dia de paralisação nos negócios (quarta-feira, o dia da publicação da MP), os repasses começaram a acontecer, segundo uma outra fonte do setor de soja. Por enquanto, o desconto médio está sendo de 3% a 4% sobre o preço da soja, um percentual que deve se manter nesse patamar até que o setor tenha mais visibilidade sobre o futuro da MP — ou melhor, se ela será derrubada no Congresso Nacional (há um prazo de quatro meses para isso acontecer).

Caso o texto realmente seja confirmado como está, a perspectiva é de descontos ainda maiores, chegando perto da alíquota de PIS/Cofins paga por essas empresas, hoje em 9,25%, acrescentou a mesma a fonte.

Os agricultores estão cientes do prejuízo. “Como o mercado não exporta impostos, o produtor rural perderá esta renda nos contratos de aquisição”, lamentou a Aprosoja (Associação dos Produtores de Soja) em nota. A entidade destacou que a falta de ajuste nos gastos do governo resulta em prejuízos para toda a cadeia. “Agora surgem ações que se assemelham às retenciones argentinas, país que destruiu a sua cadeia agropecuária nas últimas décadas e gerou instabilidade no câmbio e inflação.”

Por dentro da MP

O caso da soja ajuda a entender as mudanças no sistema tributário causadas pela MP. É um setor que não tem saídas tributárias para os créditos acumulados de PIS/Cofins, que antes poderiam ser compensados com outros tributos. Agora, essa compensação pode ocorrer apenas com débitos do próprio PIS/Cofins — afetando tanto as empresas que comercializam produtos localmente quanto as exportadoras.

No cenário local, a indústria de óleos vegetais não tem débitos de PIS/Cofins porque seus produtos compõem a cesta básica, como o óleo de soja, ou são insumos para outras indústrias, como o farelo de soja, também desonerado de tributação. As exportações (de grãos, farelo ou óleo) também não têm incidência de PIS/Cofins, por um princípio tributário básico: a imunidade tributária é garante competitividade às exportações.

Com a mudança, os créditos acumulados não desaparecem, mas reavê-los ficou mais difícil. Em vez de fazer a compensação entre créditos de PIS/Cofins e os débitos de outros impostos, agora, empresas terão de pedir o ressarcimento dos créditos para a Receita Federal, ou seja, a compensação em dinheiro.

“É um processo moroso. Se demorar mais de um ano, você tem a possibilidade de entrar com uma medida judicial para forçar a análise do pedido. Ou seja, temos um problema de caixa importante com a nova medida”, diz André Novaski, sócio do Demarest Advogados.

O impacto para as empresas

Além da soja, outros setores do agro demonstraram indignação com a medida e indicaram prejuízos, incluindo o de café, sucroalcooleiro e citricultura. Para quem tem débitos de PIS/Cofins, a pressa para garantir um novo planejamento tributário já se instaurou.

“Existem consultas sobre possíveis reestruturações de atividades nas empresas para que elas passem a gerar débitos de PIS/Cofins com o objetivo de minimizar esse impacto”, afirma Henrique Munia e Erbolato, sócio do Santos Neto Advogados.

De olho nas companhias abertas, os analistas Leonardo Alencar e Pedro Fonseca, da XP Investimentos, levantaram os créditos de PIS/Cofins acumulados pelas empresas de capital aberto nos balanços, no intuito de mostrar quem pode ser mais impactado pela nova medida.

A Raízen, por exemplo, tem um volume de créditos de PIS/Cofins que corresponde a 29,5% de seu valor de mercado. Na Marfrig, esse percentual é de 17,1%, na BRF, 7,9%, e na Jalles, 6,7%. 

Para chegar a essa conclusão, eles tomaram como premissa o fato de que essas empresas teriam de reduzir todo o valor apontado como crédito de PIS/Cofins como redução de valor recuperável no balanço (uma análise mais extrema, de “pior cenário possível”, nas palavras deles). Na regra, a MP estabelece que apenas os créditos presumidos, uma espécie de benefício fiscal concedido às empresas, passem por esse processo – e são uma pequena parte do todo de créditos.

Daqui para frente

A restrição no uso de créditos de PIS/Cofins é parte do estrago causado pela MP. Empresários e advogados têm demonstrado indignação sobre a forma com que o assunto foi tratado: por meio de uma Medida Provisória, sem debate no Congresso, consulta ou aviso prévio.

O argumento unânime é o de que não há urgência para uma modificação tão abrupta nas regras e que, tendo em vista o aumento (na prática) da carga tributária, teria de ser respeitado um prazo de 90 dias antes de as mudanças começarem a vigorar. No jargão, a anterioridade nonagesimal.

“A situação que as empresas tinham mudou da noite para o dia, com todo o planejamento de orçamento sendo modificado em planos plurianuais. De olho no estoque de créditos, companhias podem alegar insegurança jurídica, falta de razoabilidade, há uma série de princípios do direito tributário econômico que podem ser pensados”, diz Diego Caldas, sócio do Pinheiro Neto. 

A MP também vai na contramão do princípio de não cumulatividade plena, um dos principais da Reforma Tributária. “A mensagem passada com a MP é péssima. O governo fala uma coisa e faz outra. Isso é um reflexo do nosso sistema tributário, não temos soluções estruturadas. Essa confusão volta a afetar a segurança jurídica das empresas”, afirma Erbolato.

O setor produtivo e tributaristas aguardam uma resposta contundente do Congresso. A Coalização de Frentes Parlamentares pediu a devolução da medida, como informou a Folha de S. Paulo. De acordo com a notícia, a coalizão, que reúne 27 grupos, afirma que o texto é um retrocesso.

É mais um ruído entre Executivo e Legislativo no novo governo. A desoneração da folha, cujas benesses fiscais buscam uma contrapartida de arrecadação com MP do PIS/Cofins, passou por um processo similar, sendo aprovada pelo Congresso, vetada pelo presidente — e o veto, derrubado de novo pelo Senado.

Em Brasília, as conversas entre lobistas, executivos de relações institucionais e o Congresso são intensas. Do jeito como anda o humor, não será surpresa se os parlamentares derrotarem o governo (outra vez)…