OPINIÃO

Precisa de um congresso só de mulheres do agro?

Porque o setor precisa de um evento pensado para elas, mas não pode se esquivar da mudança no comportamento deles

Dos mais de 203 milhões de habitantes do Brasil, 104,5 milhões são do sexo feminino, ou 51,5% do total, de acordo com os dados recém-divulgados pelo Censo Demográfico 2022 realizado pelo IBGE. No agronegócio, por outro lado, elas representam 38,16% da população ocupada, que soma 28,3 milhões de pessoas no setor, conforme o Cepea.

Na paisagem do agro, os números confirmam o que um exercício de olhar já poderia inferir: no setor que é o carro-chefe da economia brasileira, há mais homens atuando profissionalmente do que mulheres.

Mas nem sempre é assim. Uma vez por ano, no Congresso Nacional das Mulheres do Agronegócio, nós somos absoluta maioria. Reunidas no Expo Transamérica, em 2023, fomos cerca de 3 mil congressistas. Em sua oitava edição, o congresso é um espaço para discutir de sustentabilidade a liderança, de gastronomia a gestão, passando também por política internacional e bem-estar dos animais dentro das fazendas.

Congresso de Mulheres do Agor
‘A Voz Humana do Agro Brasileiro para o Mundo’, uma das mesas-redondas no Congresso Nacional de Mulheres do Agronegócio | Reprodução

“E precisava de um congresso só de mulheres do agro?”, uma jovem questionou na roda de conversa em que apresentei os dados da pesquisa produzida pelo AgTech Garage (PwC) sobre o mercado de trabalho para o público feminino no setor. “Precisava”, ela mesma respondeu na sequência, por entender a importância do congresso para as mulheres se conectarem e dividirem seus desafios, um tanto particulares.

Segundo a pesquisa #MulheresQueInovamOAgro, que teve a participação de 838 respondentes de toda a cadeia do setor no Brasil, oito em cada dez mulheres afirmam se sentir acolhidas trabalhando no agronegócio — sobretudo por outras pessoas do sexo feminino. Mas isso está longe de significar que o ambiente é livre de problemas. Pelo contrário.

Nove em cada dez mulheres entrevistadas disseram já ter enfrentado situações de machismo ou constrangimento no ambiente de trabalho.

Manterrupting (interrupção masculina em uma conversa, com 53,7%), mansplaining (explicação de algo óbvio por uma pessoa do sexo masculino, com 47,3%) e bropriating (apropriação de ideias, com 37,7%) são só alguns dos “fenômenos” mais comuns, que de forma alguma devem ser naturalizados. Para acessar a pesquisa #MulheresQueInovamOAgro na íntegra, clique aqui.

Um espaço de empatia

No CNMA, a sensação, então, é de encontrar eco para que nossa voz/a voz delas, de fato, seja ouvida. Em uma manhã e uma tarde transitando para cima e para baixo no evento, colhi depoimentos diversos, de mulheres que ajudam a movimentar o ponteiro do PIB do agronegócio e fazer o setor aumentar a produtividade sem crescer em área.

Começo pela voz de uma agrônoma e pilota de vants, Isabella Rosa. “Há três anos pilotando drones, eu tenho acompanhado não só a evolução da tecnologia, mas a entrada da mulher, com força, no mercado de trabalho do setor. Não é raro o pai que compra um drone para despertar o interesse da filha pela fazenda e reter esse talento no campo. O drone é um equipamento tecnológico, que exige um certo tato e um certo cuidado, e a mulher leva jeito para pilotar. Os de pulverização também têm que estar sempre limpos e a mulher mantém o cuidado necessário para garantir o bom funcionamento”.

Criada no Sul, Isabella pilotou seus primeiros drones em lavouras de soja e milho, com terreno bastante irregular e difícil de chegar com maquinário pesado ou mesmo de avião. Hoje, trabalha numa representante da chinesa DJI, que vende drones de uso agrícola no Brasil e promove a campanha @mulheresquevoamm no Instagram, incentivando outras meninas a aderirem à tecnologia dos drones de pulverização.

No campo do acesso a crédito, Francieli Muller, especialista de inclusão, diversidade e equidade na Fundação Sicredi, conta que tem se envolvido em ações de apoio ao empreendedorismo feminino, que promovem a independência financeira e desenvolvimento não só, mas também, de trabalhadoras rurais.

Enquanto estava no evento, ela chegou a entrar em contato com a produtora Eunise Jacob da Rocha, associada do Sicredi Paranapanema (SP), que relatou em vídeo a importância da instituição cooperativa na sua capacitação para atuar com a produção pecuária. Em 2023, o Sicredi recebeu o prêmio Environmental Finance Bond Awards, de um portal de notícias inglês, na categoria Empréstimo Social para mulheres empreendedoras, após ter captado US$ 100 milhões para financiar micro, pequenas e médias empresas lideradas por mulheres.

Direto do Tocantins, um grupo de mulheres sucessoras de fazendas contou sua bandeira: “Estar lado a lado dos homens da família, sejam os pais ou os irmãos”. Vistas como decisoras indiretas sobre as compras de insumos e outros produtos, elas foram recebidas pelos times da Agrex do Brasil, Mosaic Fertilizantes e Seedz para uma primeira imersão, como grupo de mulheres produtoras, fora do seu Estado.

“A gente sabe que muitas compras são feitas pelo CPF ou CNPJ do pai da família, mas que quem gerencia as oportunidades dos programas de fidelidade são as filhas – que estão nas mídias digitais – e as esposas – que têm mais facilidade de conversar e buscar informação”, diz Izabelle Scoralick, coordenadora de marketing da Seedz.

São essas mulheres que vão dar destino, em muitos casos, a milhares de moedas Seedz, que podem ser usadas no pagamento de boletos ou resgate de produtos e benefícios. Hoje, considerando a base de titulares do programa de fidelidade, no entanto, a estimativa é de que menos de 20% seja de mulheres. “É uma questão de tempo até elas chegarem à posição de tomadoras de decisão, mas sabemos que hoje elas já atuam muito fortemente nos bastidores”, complementa Izabelle.

Contando com Isabellas, Francielis, Izabelles e Marinas, ainda há muito para ser feito no agronegócio em busca da equidade de gênero. Quando o assunto é a origem da transformação no cenário em que vivemos hoje, a esmagadora maioria das #MulheresQueInovamOAgro credita os avanços recentes à mudança no comportamento feminino, com maior independência (84,4%) e à maior união entre as mulheres (54,1%). Outros 40,7% são atribuídos a ações de inclusão em empresas privadas; 24,2% à transformação social desde as escolas; 24% a políticas públicas de equidade de gênero e 22,7% ao apoio financeiro ao empreendedorismo feminino.

Somente 13,7% das entrevistadas acreditam que a transformação em curso também tenha relação com a mudança no comportamento masculino. Mas isso não quer dizer que esse apoio seja menos essencial. Vamos juntos, Joões, Josés, Pedros e Enzos, fazer a diferença!

*Marina Salles é  editora-chefe de conteúdo do AgTech Garage, que integra o network PwC. Há 10 anos, cobre o mercado de tecnologia no agronegócio.