
GOIÂNIA — Seis irmãos, pai e mãe. A família também se tornou uma empresa, há mais de duas décadas. Nesse intervalo, filhos cresceram, pais se afastaram das funções diárias e uma porção de desafios em relação ao futuro surgiu. A história é da família do produtor Joel Ragagnin, ex-presidente da Aprosoja-GO, mas poderia ser de muitos: o enredo, marcado pela mistura de papéis, é comum em grupos do agronegócio brasileiro.
Se a confusão entre parentes e sócios está longe de ser uma exclusividade dos Ragagnin, sócios do Condomínio Ragagnin, um ponto colocou a família numa posição privilegiada. Ainda nos anos 2000, ela estruturou uma robusta estrutura de governança, que funcionou como uma espécie de bússola para a empresa chegar até aqui.
Em um tempo em que pouco se falava sobre organização patrimonial, a busca por uma governança dos negócios veio, principalmente, por necessidade.
“Em 2006, 2007, quando a gente foi fazer uma análise da documentação das escrituras, a gente percebeu um erro contábil gravíssimo, que poderia significar o fim do negócio”, explicou Ragagnin, em evento promovido pelo grupo Safras&Cifras, nesta terça-feira, em Goiânia. Em busca de uma solução, a família foi a primeira cliente da consultoria em Goiás.
Num primeiro momento, resolveu os problemas contábeis e, ao longo do tempo, implantou uma rigorosa agenda de reuniões — toda segunda-feira, por mais de duas décadas — além de protocolos e regras que se transformaram na governança do grupo.
De lá para cá, o grupo saiu de uma operação de dois mil hectares (e quatro caminhões) para uma operação muito maior: em 2025, são 12,5 mil hectares, além de um confinamento com o abate de 3 mil animais por ano e outros 9 mil litros de leite na pecuária leiteira.
“Eu acho que a gente só está onde está na organização por conta desse processo. A gente queria estar junto, trabalhar junto. Se meu irmão estiver no canto olhando para o chão, eu sei o que ele está pensando, e isso faz diferença. A gente não merece trabalhar separado, merece trabalhar junto”, frisou Ragagnin.
O discurso de união e dessa visão da família aliada aos negócios trouxe uma onda de empatia na plateia de produtores rurais. Houve quem se emocionasse, quem compartilhasse memórias e até quem dividisse questões geracionais no dia a dia do campo.
“Eu e meu irmão começamos a tocar uma propriedade e os funcionários da fazenda não acatavam o que a gente pedia. Meu pai teve que ir lá e explicar que nós representávamos a vontade dele. A partir daí, as coisas melhoraram”, contou Eduarda Van Lieshout, produtora rural de Goiás.
A prática
Nessa onda de transições, famílias procuram ávidas por métodos capazes de ajudá-las a estruturar seus negócios e levar as empresas do agro em direção ao futuro. Isso ajuda a explicar, em parte, por que um curso para sucessores, feito pela consultoria, está na oitava edição.
“Agora estamos pensando em estruturar um novo conteúdo, focado para quem vai ser sucedido. É uma etapa fundamental do processo para a qual ninguém está olhando”, contou Cilóter Borges Iribarrem, co-fundador da Safras&Cifras, ao The AgriBiz.
Na visão do fundador, existe hoje uma disposição maior para falar sobre o tema de sucessão e governança, impulsionada, de um lado, por produtores rurais, e de outro lado, por bancos e outras instituições financeiras.
“O processo de sucessão é a perenidade do negócio. Hoje os bancos estimulam isso porque dão crédito para pagar em 10, 12 anos. Aí o patriarca está com 60, 70. Como eles vão receber? Têm os contratos sociais, sabem quem vão ser os administradores. É muito mais fácil, para o banco, atender 10 clientes que vão tomar R$ 100 milhões do que 100 clientes com R$ 1 milhão cada”, frisou.
Do lado dos produtores, o processo de sucessão, na visão de Iribarrem, tem de partir dos patriarcas, da geração que está à frente do negócio hoje.
“Se partir dos filhos, os pais vão dizer: ué, tu já quer tomar conta do meu negócio? É importante os pais entenderem primeiro o processo de sucessão para depois chamarem os filhos”, explicou.
Diferenças regionais
Geograficamente, as dinâmicas entre sucessores e sucedidos têm seguido a trajetória de expansão do agronegócio, saindo do sul do Brasil em direção ao Norte.
“Hoje, quando estou lá no Maranhão ou no Piauí, eu encaro os problemas que apareciam em 2015, 2016 e 2017 em Goiás. Não é que seja melhor ou pior. A gente tem de estar preparado para preservar a união, o legado e a continuidade” explicou Franco Cammarota, sócio da Safras&Cifras.
Nesse exemplo, o sul do Piauí tem um perfil mais corporativo, enquanto a partir de Bom Jesus, na metade norte do estado, a situação organizacional dos grupos ainda é mais bagunçada. No Maranhão, Balsas e Imperatriz já estão mais estruturadas, enquanto regiões como Colinas e Codó ainda estão num estágio anterior de maturação.
Hoje, a qualidade de informação e produtividade, além de contratos com terceiros, têm levado as empresas a buscar uma regularização dos próprios negócios, contou Cammarota.
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Além de estudar a melhor forma de organizar o patrimônio dessas famílias que estão comprando novas áreas no norte do País, a consultoria também consegue assessorá-los na própria compra e venda de terras por meio da Acres, o braço imobiliário do grupo, comandado por Daniel Meireles.
“Por exemplo, uma família na primeira geração tem uma fazenda. Aí vêm dois filhos, já se considera que vão ter de comprar mais duas fazendas. Muitos vão comprando módulos e dividindo entre os familiares. Isso exige uma visão, entender os negócios com profundidade e o momento atual de compra de terras”, explicou Meireles.
A repórter viajou a Goiânia a convite da Safras&Cifras.