
A novela da moratória da soja continua.
Em uma sessão realizada nesta terça-feira, o plenário do Cade (Conselho Administrativo de Defesa Econômica) ganhou tempo, em uma decisão que agradou a gregos e troianos — ao menos, por enquanto.
O órgão antitruste manteve a moratória da soja em vigor até 31 de dezembro, dando espaço para as tradings signatárias se adaptarem para atender as preocupações anticoncorrenciais.
Para os produtores de soja representados pela Aprosoja-MT, a decisão do Cade abriu o caminho para suspender a moratória da soja a partir de janeiro.
“Ou seja, ninguém saiu derrotado: a decisão deixou espaço para as duas narrativas e manteve em aberto o desfecho final”, resumiu Marcelo Winter, sócio de agronegócio do VBSO Advogados.
Na prática, a decisão não encerra o caso, e o setor terá até 31 de dezembro para encontrar uma alternativa, acendendo esperanças de que o pacto possa continuar em novos moldes.
Para endereçar as preocupações do órgão antitruste, uma possibilidade seria a adoção de um protocolo com regras sobre informações sensíveis, pontuou Patricia Carvalho, sócia na área de Direito da Concorrência do TozziniFreire Advogados.
“Em tese, a partir de 1º de janeiro de 2026 volta a vigorar a suspensão preventiva da moratória, como foi decidido em agosto. Contudo, o Tribunal do Cade se reunirá de novo para deliberar se a suspensão será mantida. Como houve divergência entre os conselheiros, a tendência é que o tema volte à pauta antes dessa data”, explicou Winter, do VBSO Advogados.
Até lá, o Cade vai continuar investigando a moratória da soja para fundamentar uma decisão final.
Alívio pré-COP
Além de não promover mudanças na rotina das tradings no curto prazo — elas poderão continuar fazendo as suas auditorias —, o prazo dado pelo Cade também significa um respiro para a imagem do Brasil às vésperas da COP 30, que será realizada em novembro, em Belém, no Pará.
Dessa maneira, o País não precisará passar por escrutínio durante o evento graças ao fim da moratória da soja — ou verá os questionamentos perderem força.
Curiosamente, ambos os lados da disputa emitiram comunicados em tom positivo após a decisão.
Como a Abiove (Associação Brasileira da Indústria de Óleos Vegetais) descreveu em nota, o prazo estipulado pelo Cade será “destinado a permitir que agentes privados e públicos dialoguem em busca de uma solução”.
“A decisão do Cade é muito boa neste momento. Reconhece que a moratória da soja não é uma questão simples e não pode ser decidida em uma medida preventiva, com uma análise superficial”, afirmou Frederico Favacho, sócio do Santos Neto Advogados que atua pela Anec (Associação Nacional dos Exportadores de Cereais) no caso.
A Aprosoja MT também celebrou a decisão, entendendo que o julgamento suspendeu o acordo a partir de 1º de janeiro de 2026.
“Os votos do relator e do presidente do Cade sobre as medidas preventivas reforçam os indícios de cartel e as distorções geradas por esse mecanismo e suas práticas anticoncorrenciais que lesam o ambiente de mercado justo e competitivo”, declarou a entidade por meio de nota.
“A Aprosoja comemora, pois o tempo joga a favor dela, uma vez que está estabelecido que a moratória será suspensa em janeiro ausente qualquer mudança na conjuntura”, disse Fábio Giorgi, sócio do Giorgi Martins Advogados, escritório especializado em agronegócio.
“A Abiove também comemora”, ele prossegue, “pois o fundamento dos votos de boa parte dos conselheiros — em especial, Diogo Thomson e Camila Alves — foi bastante favorável à moratória, o que pode dar combustível para esse lado da discussão”.
“É prematuro falar em cartel”
Durante a sessão no Cade, as principais partes interessadas apresentaram os seus pontos. A Aprosoja salientou que vê na moratória uma inconstitucionalidade que onera injustamente os produtores que desmataram entre 2008 e 2012. Vale lembrar que a moratória proíbe a compra de soja de áreas desmatadas da Amazônia Legal após 2008, ainda que em áreas permitidas pelo Código Florestal, de 2012.
Já o Ibama se baseou nos resultados positivos em termos de preservação ambiental, principalmente do bioma amazônico, para defender a manutenção do acordo.
O MPF (Ministério Público Federal) questionou o uso do termo cartel, que implicaria em uma apuração criminal, e lembrou que a moratória, embora seja um acordo privado, guarda a peculiaridade de ter endosso do Estado e de instituições, como o Banco do Brasil.
“O uso do termo cartel é forte demais, o que há é um acordo setorial”, disse o procurador regional da República Ubiratan Cazetta.
O presidente do Cade reconheceu que “é prematuro dizer que estamos diante de um cartel”, mas afirmou que “restou incontroverso um acordo entre concorrentes”.
“Cada concorrente ter sua política de compra, ok. Mas a possibilidade de concorrentes se sentarem entre si e determinarem os requisitos para o mundo inteiro, não. Em um momento em que se discute soberania, está se deixando quatro empresas, nenhuma delas brasileira, dizer o que podemos vender para a China e como cumprimos nossa legislação ambiental, que é muito melhor que a europeia”, disse Lima.
A menção dele a “quatro empresas” se refere às companhias ADM, Bunge, Cargill e Louis Dreyfus, que formam o ABCD das principais tradings globais.
O presidente do Cade afirmou ainda que vê “periculum in mora” (perigo de dano no caso de inação, do termo jurídico em latim) sobre os produtores brasileiros caso seja mantida a moratória.
“Estamos no meio de uma guerra comercial. Nossos produtores poderiam trocar a lavoura e plantar soja para vender para a China. Mas em uma área ocupada após 2008, se o produtor quiser parar de plantar milho e plantar soja, ele não pode. Isso pode quebrar aqueles que não conseguirem se adaptar”, defendeu Lima.