Opinião

Depois da bonança, o que esperar do ajuste no agro?

Apesar das semelhanças com as crises de 2005 e 2010, a boa notícia é que agricultura brasileira hoje é mais resiliente e menos endividada

“Não há bem que sempre dure nem mal que nunca acabe.” A frase não é só um dos ditados populares mais conhecidos. Trata-se de um resumo simplificado e certeiro sobre o funcionamento dos ciclos de negócios e do comportamento dos mercados de commodities em geral.

Veja a evidência dos últimos vinte anos: nesse período, os mercados de soja e milho passaram por três momentos de margens operacionais espetaculares, superiores a 60%. Cada uma dessas fases durou de dois a três anos, durante os quais houve saltos na adoção de tecnologia nas propriedades rurais e na capacidade produtiva. Esses períodos de altíssima rentabilidade foram naturalmente sucedidos por agudas fases de ajustes frequentemente associados às piores crises do setor agrícola.

Gráfico com margens operacionais da soja e expansão da área plantada no Brasil

Pois é precisamente neste momento do ciclo que estamos agora. O produtor rural viu as altas margens de 2021 e 2022 despencarem desde o início do ano, passando de patamares de 60% para abaixo de 30%.

Em bom português, o lucro encolheu para menos da metade. O fator principal para essa queda foi a redução dos preços agrícolas. A nova realidade impõe mudanças importantes tanto para os produtores quanto para as empresas da cadeia do agronegócio.

A atual fase de ajustes altera a dinâmica do mercado de insumos e exige adaptações

A primeira consequência da atual fase de ajustes recai sobre as taxas de investimento. Com as margens elevadas nos últimos anos, os agricultores aceleraram a adoção de novos produtos. Houve forte impulso para testar e incorporar novas tecnologias da porteira para dentro. Dispararam os investimentos em máquinas, irrigação e infraestrutura.

Agora os tempos já são outros. Pode-se notar um crescimento bem menos vigoroso no mercado de fertilizantes, sementes e defensivos. Os setores de máquinas e os investimentos em irrigação também perdem fôlego. A exceção mais provável a esse quadro geral deve ser o setor de armazenagem, que tende a continuar crescendo, tendo em vista os volumes recordes de produção de grãos.

Máquina agrícola colhendo soja
Margens do produtor rural no Brasil despencaram dos impressionantes 60% para menos de 30% | Crédito: Pixabay

A própria dinâmica do mercado de insumos acaba sendo alterada. Nas últimas safras, foi bastante comum ver as aquisições de fertilizantes, sementes e defensivos sendo fechadas cada vez mais antecipadamente. Num ambiente de boas margens e preços agrícolas em alta, boa parte dos agricultores chegava à conclusão de que era melhor comprar antes que os custos aumentassem mais ou que os insumos começassem a faltar.

Com a queda da lucratividade desde o início de 2023, aumentou a cautela para fechar negócios. Resultado: atraso na comercialização de insumos. O agricultor tende a esperar mais para adquirir insumos, mesmo que as relações de troca lhe sejam favoráveis.

É natural. Os números mostram que o fim de cada fase de alta diminui a disposição do produtor para aumentar a área plantada. A Veeries projeta para a safra 2023/24 uma expansão de apenas 1%, bem abaixo dos 5% a 6% anuais das duas temporadas anteriores.

Desta vez os produtores estão mais resilientes e tendem a atravessar bem a fase difícil.

A boa notícia é que, embora existam semelhanças entre o atual ciclo de ajustes e os momentos que ocorreram em 2005 e em 2010, há diferenças muito positivas. A principal é que a agricultura brasileira se consolidou e se tornou mais resiliente nos últimos 20 anos, sobretudo do ponto de vista agronômico.

Uma forma de comprovar isso é observar o percentual de área com até três anos de abertura. É uma boa proxy para o risco e o endividamento do produtor rural. Explica-se: normalmente, terras recém-abertas ainda não estão totalmente maduras do ponto de vista agronômico — são, por isso, menos produtivas e pouco resilientes a problemas climáticos, como períodos de seca durante fases críticas para o desenvolvimento das lavouras. Do ponto de vista financeiro, é comum que ainda estejam sendo amortizados os custos de abertura dessas áreas (incluindo os investimentos na sua aquisição e em máquinas e infraestrutura para cultivá-las). Resultado: um peso maior sobre o fluxo de caixa e elevação dos riscos de crédito.

Pois bem: antes da crise de 2005 a parcela da área de soja com menos de três anos de plantio era de 35%. Atualmente, as áreas de abertura recente correspondem a cerca de 15%.

Outra diferença importante é o custo e a disponibilidade do dinheiro. No momento, a economia brasileira está saindo do pico do aperto monetário, com a Selic em 13,25% ao ano e começando a cair. Não é demais lembrar que em 2005 e 2006, no primeiro vale das margens no período que estamos analisando, a taxa média foi de 17,5%, com picos de 19,75% (só chegando aos 13,25% semelhantes aos atuais em dezembro de 2006).

Além de mais caro, o dinheiro era escasso: havia menos alternativas de financiamento — diferentemente de hoje em dia, com maior presença de fontes privadas e instrumentos do mercado de capitais, como os Fiagros. Tudo isso deixa o setor agrícola em condições melhores para atravessar a fase de baixa rentabilidade. 

Resumidamente, a hora do ajuste chegou e suas consequências já aparecem no dia a dia de todos os integrantes da cadeia agrícola. Mas é alentador saber que o setor desta vez está muito bem-posicionado para atravessar uma fase difícil e emergir mais forte para aproveitar a próxima onda de crescimento.

*Marcos Rubin é fundador da Veeries Inteligência em Agronegócio