O Brasil é reconhecidamente um produtor nato de alimentos. Com recursos naturais, a vocação de nossos produtores e um profundo desenvolvimento tecnológico acumulado ao longo dos anos, despontamos em diversos setores.
É o caso da carne de frango, um setor que lideramos em nível global com cerca de 35% de todo o fluxo transacionado internacionalmente, exportando para quase 150 países. No setor de suínos, temos 12% de participação no comércio internacional, ocupando o quarto posto mundial.
Nossos diferenciais competitivos vêm sustentando as estratégias internacionais do Brasil para avançar como indústria globalizada, mas podem não ser suficientes para o que está por vir. Temos um desafio comercial urgente.
Há poucos anos, nossa maior parceira comercial fez um anúncio histórico. A China, juntamente com diversas outras nações, tornou-se signatária do RCEP (Parceria Econômica Regional Abrangente, na tradução livre). Este mesmo acordo foi assinado por Japão, Coreia do Sul, Singapura, Vietnã, Mianmar e outras nações, como Indonésia e Tailândia, formando o maior acordo de livre comércio do planeta.
A força da Ásia
Afinal, o que este acordo significa para a indústria de proteína animal do Brasil?
A Ásia é o principal drive do aumento das exportações brasileiras. Quase 40% dos embarques de carne de frango encontram destino nos portos da região. No caso de carne suína, esse índice é de aproximadamente 80%. É, também, a região que indicará parte das tendências do comércio internacional de proteína animal, onde o consumo segue em franca ascensão, acompanhando o incremento da renda média e o acelerado ritmo de urbanização da região.
O RCEP é só é mais um entre os diversos acordos comerciais anunciados recentemente, um reflexo de um movimento que não é recente — e todos sabem. A visão global de economia dos anos 90 ascendeu os anseios pela construção de acordos entre os diversos players do mercado internacional, um quadro que ganhou força especialmente a partir do início deste século.
Isolamento comercial
Naquele período, justamente quando concorrentes com grau de desenvolvimento equivalentes ao brasileiro consolidavam negociações de âmbito bilateral ou regional com mercados como a Ásia, o Brasil fixou seus olhos no próprio quintal, com a ampliação de alguns acordos com países latino-americanos ou, via Mercosul, com a assinatura de acordos tímidos apenas com Palestina, Líbano, Israel e Egito — e só dois destes acordos estão, de fato, em vigor.
Apesar dos recentes esforços governamentais, infelizmente continuamos a observar da janela a celebração de novos acordos que tiram ainda mais nossa competitividade, graças a uma exacerbada cultura protecionista que ainda perdura em determinados setores nacionais, receosos em competir no mercado global e sempre com alguma desculpa pronta para evitar se conectar ao mundo.
Desvantagem tarifária
Vejam o caso do Vietnã, um valioso mercado asiático que ainda sofre os efeitos da grave crise sanitária da peste suína africana. O país perdeu um quarto de sua produção de suínos para a enfermidade nestes últimos dois anos. É uma das nações que apresentaram as maiores altas na importação da proteína animal brasileira dos últimos anos.
A Rússia, outrora um grande importador de carne do Brasil, também aumentou suas exportações para os vietnamitas, com uma vantagem significativa sobre nós. Notem a disparidade: para exportar ao Vietnã, pagamos uma tarifa de 15%. Já os russos efetivam exportações com tarifa zero, fruto de um acordo comercial.
Há outros casos. A Coreia do Sul, um gigante asiático e um dos maiores importadores mundiais de carne suína, tem se empenhado em construir acordos ao longo das últimas duas décadas. Lá, em situação normal, pagamos tarifa de 25% sobre nossas exportações, ainda que uma cota emergencial tenha sido colocada recentemente pelo governo local, mas que irá se expirar em futuro próximo.
Enquanto isto, nossos maiores concorrentes da Europa e da América do Norte, graças aos benefícios tarifários e regulatórios de acordos, estão sempre em vantagem: não pagam qualquer taxa sobre diversos produtos ou, se pagam, é inferior à que nos é imposta.
O resultado se vê em números: após a assinatura do acordo entre Coreia do Sul e União Europeia, a Alemanha — grande concorrente do Brasil, que neste momento enfrenta dificuldades devido aos focos de peste suína africana — aumentou suas exportações de carne suína, que saltaram de 4 mil toneladas em 2010 (antes do acordo) para mais de 110 mil toneladas em 2019.
O que o Brasil deve fazer
Acordos com nações como a Coreia do Sul e o Vietnã são urgentes. O Brasil tem se esforçado para tentar resgatar o tempo perdido. Os Ministérios da Agricultura, MDIC e das Relações Exteriores tem conquistado novas e valiosas oportunidades em mercados estratégicos. A própria diplomacia presidencial é um fato importante neste novo momento.
Além disso, por meio do Mercosul, fechamos acordo com a União Europeia e o EFTA. Falta a ratificação, uma negociação que, graças a uma minoria das nações-membros destes blocos, não dão sinais de avanços rápidos.
Enquanto o protecionismo demonstrado pelas barreiras de terceira geração em curso pela União Europeia (leia-se Green Deal e outros pontos) congela, por ora, nossa esperança de um grande acordo, o bloco europeu e outros competidores internacionais do setor de proteína animal avançam em grandes tratativas com importadores-chave. A própria alteração de rumos da política estadunidense indica que a maior economia mundial também pode voltar a se engajar em novos acordos comerciais.
Para o Brasil, seguir em isolamento em um mundo cada vez mais integrado pode estabelecer prazo de validade para esta liderança no comércio de proteína animal. Precisamos avançar em novos acordos, deixar a “quarentena” comercial e conquistar uma nova posição no cenário global. São milhões de empregos e bilhões em divisas em jogo.
*Este texto foi escrito com Luis Rua, diretor de mercados da Associação Brasileira de Proteína Animal (ABPA).