
A cadeia do café acordou fazendo contas nesta quinta-feira, ainda aturdida após o anúncio pelos Estados Unidos de uma sobretaxa de 50% sobre os produtos brasileiros a partir de 1º de agosto.
Nos cálculos do Cecafé, o Conselho dos Exportadores de Café do Brasil, a diplomacia e o lobby devem prevalecer para reduzir parcial ou totalmente a taxação.
Mas, se o pior acontecer, os EUA não têm no curto prazo de onde comprar o café que tradicionalmente importam do Brasil. Com isso, o resultado será necessariamente um aumento de custos para indústria e consumidores locais.
Já o Brasil tem como redirecionar estoques para outros países onde o consumo tem crescido, principalmente a China e a Indonésia. Mas esse ajuste de rotas, embora viável, não é rápido.
O setor entrou em alerta por estar entre os mais afetados pela nova taxação, dado o tamanho dos EUA nas compras.
Em 2024, o país importou US$ 1,89 bilhão em café brasileiro, de um total de US$ 12,5 bilhões em exportações do Brasil. Foram 8,14 milhões de sacas aos EUA, 16% das 50,5 milhões de sacas exportadas pelo Brasil. Parte desse volume agora corre risco.
Mas, segundo Márcio Ferreira, presidente do Cecafé, a produção mundial está tão ajustada em relação ao consumo, e o Brasil tem tanto peso na produção do arábica que a substituição é improvável — no extremo, outros países podem ter de recorrer ao café brasileiro para revender aos EUA, fazendo triangulações.
Os EUA têm o maior consumo de café do mundo, e cerca de um terço (34%) vem do Brasil. A maior parte do café consumido no país é do arábica, o preferido do Starbucks e das redes de cafés especiais, e o Brasil é o maior produtor e exportador.
“Se um país adota uma tarifa de 50% em um café, é natural que busque outra origem para compensar com a mesma qualidade. Mas é possível que essas outras origens precisem comprar café do Brasil, porque a produção mundial está muito apertada”, disse Ferreira.
Como um atenuante, os exportadores no Brasil poderiam redirecionar vendas para países que vêm ampliando o consumo, como a China — hipótese aventada hoje pelo Ministério da Agricultura.
Mas esse tipo de mudança não acontece rapidamente, segundo Ferreira. “Se a produção mundial está apertada em relação ao consumo, uma realocação é normal. É viável, mas não é rápido”.
Aposta na diplomacia — e no PIB
Mas Ferreira ressalta que o objetivo maior do Brasil deve ser “continuar atendendo o mercado americano, sem perder market share, enquanto participamos desse crescimento de consumo em outros países”.
Para isso, as apostas do Cecafé são na diplomacia e no lobby a respeito do peso do café na economia americana para reduzir parcial ou totalmente a taxação.
“Já vimos anúncios que foram alterados depois, como o Vietnã, que tinha uma tarifa de 42% e caiu para 20%. O Brasil tem que negociar e tratar de forma pragmática”.
Na visão do Cecafé, a diplomacia precisa atuar em duas frentes. A primeira é salientar os prejuízos na economia americana, mostrando que o consumidor nos EUA terá de lidar com alta de preços e inflação, e detalhando os danos à indústria local — o Brasil exporta majoritariamente grãos verdes para os EUA, onde ocorre a maior parte dos processos de agregação de valor, como a torrefação.
“Temos um estudo com a National Coffee Association que demonstra que cada US$ 1 que os EUA gastam importando café do Brasil gera US$ 43 na economia americana. O café representa 1,2% do PIB dos EUA e gera 2,2 milhões de empregos”, detalha Marcos Matos, diretor-geral do Cecafé.
Segundo Ferreira, “o próprio importador americano também vai fazer o trabalho de mostrar ao governo local os impactos. 76% da população americana toma café diariamente, e, independentemente de ser republicana ou democrata, vai continuar querendo tomar o café que está habituada”.
A segunda frente é tentar convencer os americanos a enquadrar o café na lista de exceções tributárias para recursos naturais não disponíveis nos EUA — no mês passado, o secretário de Comércio dos EUA, Howard Lutnick, aventou a hipótese de que alguns recursos naturais que não são disponíveis nos EUA, como frutas tropicais e temperos, sejam isentos das tarifas de comércio de Trump.