No embalo de uma sinalização de melhora nas condições climáticas, as próximas safras de cacau no Brasil devem ser positivas, com pequenos aumentos ano a ano que vão aproximar o País da autossuficiência em cacau até 2030. A previsão é de Michel Arrion, diretor executivo da ICCO, a Organização Internacional do Cacau (International Cocoa Association, em inglês).
Em entrevista ao The AgriBiz, Arrion afirma que a produção brasileira — de 180,8 mil toneladas de cacau na última safra — deve subir para perto de 300 mil toneladas, o patamar estimado da demanda das indústrias no País nas próximas “duas ou três safras”.
O Brasil ainda está às voltas com a vassoura-de-bruxa, uma doença causada por um fungo que dizimou as lavouras nacionais no fim dos anos 1980. E monitora outra doença grave que ameaça se alastrar pela América Latina, a monilíase do cacau.
Mesmo assim, Arrion acredita que a produção local vai crescer — com um empurrão de incentivos adotados por alguns estados produtores, como Bahia e Pará.
“Não faz sentido o Brasil importar cacau, pois tem produtores relativamente bem treinados, boas genéticas, e um bom inventário de árvores. Muito em breve, em dois anos ou três, o País verá uma produção ampliada.”
No médio prazo, Arrion acredita que possa haver investimentos em novas plantações equipadas com irrigação, tanto em regiões amazônicas, como no Pará, como em novas geografias, como em São José do Rio Preto (SP).
Ao menos para a safra 2025/26, a previsão dele vai ao encontro das estimativas divulgadas nesta semana pela StoneX. Segundo a consultoria, o Brasil deve ter uma safra de 215 mil toneladas, puxada pelo cenário climático mais favorável, e um aumento de quase 5% na área plantada no Pará que pode impulsionar a produção nas safras seguintes.
Queda no consumo contém deficit
Arrion diz que o próximo ano ainda será de mercado “nervoso”, situação que perdura desde a safra 2022/23, quando a produção na Costa do Marfim e em Gana, os maiores produtores mundiais, surpreendeu negativamente — o resultado foi um rally histórico que quadriplicou as cotações internacionais.
Segundo o executivo da ICCO, uma vez repassado aos consumidores, esse aumento nas cotações provocou uma queda no consumo, e isso — não a recuperação da oferta — é que tem sido determinante para atenuar o deficit de estoques globais.
De acordo com Arrion, países como Brasil, Equador, Camarões e Nigéria devem ter aumentos de produção mais que compensando as perdas na África Ocidental.
O vizinho sul-americano é destaque: segundo a StoneX, a produção equatoriana vai subir expressivos 38% para 580 mil toneladas.
“Em Costa do Marfim e Gana, responsáveis por metade da produção mundial, quatro motivos explicam a provável queda na próxima safra. Um é a mudança no regime de chuvas. Outro, o vírus do broto inchado, uma doença que afetou 30% da lavoura. A terceira razão é o envelhecimento das árvores, e a quarta, o envelhecimento dos produtores, em um cenário de difícil sucessão no campo.”
Segundo ele, as décadas de preços baixos afastaram as novas gerações dos cacaueiros, mas a recente alta nas cotações pode mudar esse cenário. “Hoje, uma lavoura de cacau é rentável; eu não teria dito isso há três anos.”
De acordo com Arrion, o cenário ideal para uma estabilização do mercado incluiria a recuperação na produção africana em 2026/27, em paralelo com uma retomada da demanda na América do Norte e na Europa, os principais mercados consumidores.
“Não gosto da ideia de voltarmos aos preços baixos, isso seria um desastre para toda a cadeia. Acredito que haja um consenso no setor, incluindo as grandes indústrias, de que o mais saudável seria manter os preços onde estão hoje”, diz Arrion.
As estimativas serão mais precisas em março, quando a ICCO deve divulgar suas primeiras projeções para a safra. “As condições para uma retomada na produção estão colocadas. Mas são hipóteses, é difícil prever o que pode acontecer mesmo em um período curto, de seis meses.”
Substituição do cacau no chocolate
No Brasil, o aumento de preços nos últimos dois anos acelerou um movimento de produtos chamados de chocolate, mas feitos de “substitutos de cacau”, como o amendoim.
De acordo com Arrion, essa é uma tendência global. “Desde os anos 1970, a indústria testa substitutos à manteiga do cacau. Na União Europeia, os reguladores definiram em 5% o máximo de óleos diferentes no produto para poder chamá-lo de chocolate.”
Mais recentemente, vêm se popularizando os “compostos de chocolate”, produtos que usam óleos vegetais mais baratos que o de cacau. “Em muitos países onde a renda é mais baixa, mesmo as marcas famosas já vendem ‘compostos de chocolate’.”
Há também pesquisas para substituir totalmente o licor de cacau — o produto resultante da moagem que é a base para o chocolate — ou mesmo para criar chocolate em laboratório.
“Temos visto produtos que usam outras matérias-primas para simular o cacau, como a alfarroba, além de alguns grãos e cerais. Nesse caso, não se trata de substituir a manteiga, mas de trocar tudo. E há laboratórios tentando criar cacau artificial. Não vejo isso escalando em breve, mas nunca se sabe o que pode ocorrer no longo prazo.”