Commodities

Biocombustíveis: a nova China para o mercado de grãos

Mandatos de biodiesel e etanol serão o novo motor de crescimento da demanda de soja e de milho, gerando oportunidades e impondo desafios para farelo e DDG

A China já não é mais a mesma para o mercado de commodities. O gigante asiático, que chegou a responder por mais da metade do crescimento da demanda de soja no início dos anos 2010, verá a sua contribuição para o aumento do consumo cair para cerca de um terço nos próximos cinco anos. A desaceleração do motor chinês, no entanto, está longe de ser uma ameaça aos produtores agrícolas.

“A China não é mais um driver de crescimento como foi no passado. Estamos ansiosos pelo país ou grupo de países que podem substituir a China nesse papel. Mas hoje não existe ninguém na mesma dimensão — e provavelmente nem existirá”, disse Marcos Rubin, CEO da Veeries, durante a palestra de abertura do evento Agri – Outlook 2030, promovido pela empresa nesta terça-feira em São Paulo.

Não são os demais países asiáticos, a Índia e nem os países africanos a ocupar o protagonismo que começa a ser deixado pela China, cujas taxas de crescimento populacional estão em declínio. O principal candidato a ser o próximo vetor de crescimento agrícola são os biocombustíveis. “Eles não são mais secundários, se tornaram o novo driver de crescimento”, afirmou.

Números não faltam para comprovar a tese. No caso do óleo de soja, Rubin prevê um “crescimento brutal” da demanda nos próximos cinco anos devido ao aumento da mistura do biodiesel ao diesel para 20% em 2030. Com isso, o consumo de biodiesel subirá dos atuais 9,8 bilhões de litros, em 2025, para 15,4 bilhões de litros em cinco anos.

Como aproximadamente 70% do biodiesel produzido no País utiliza soja como matéria-prima, o acréscimo da mistura vai demandar 63 milhões de toneladas de soja em 2030 — o equivalente a um crescimento anual de 9,6%.

Esse adicional será suficiente para o biodiesel ocupar parte do espaço deixado pela China no crescimento da demanda por soja — que não desaparecerá, ponderou Rubin. A demanda chinesa de soja deve avançar cerca de 3% ao ano até 2030, o equivalente a “expressivas” 20 milhões de toneladas.

Mas o biodiesel responderá por mais da metade do crescimento de consumo estimado para a demanda da oleaginosa em um cenário conservador, considerando apenas os mandatos de biocombustíveis de Brasil e Estados Unidos, segundo a Veeries.

No etanol, o protagonismo do milho

A mesma lógica vale para o mercado de etanol. Com o aumento do blend de 27% para 30%, a demanda pelo biocombustível subirá dos atuais 38 bilhões de litros para 48 bilhões de litros em 2030. “E teremos um novo protagonista nessa história: o etanol de milho”, ressaltou.

O consumo de etanol de milho passará de 9 bilhões para 16 bilhões de litros em cinco anos, demandando 38 milhões de toneladas do grão ao final do período, o equivalente a um crescimento anual de 12%. Em outras palavras, mais da metade da demanda adicional pelo milho brasileiro será para a produção de etanol.

Os desafios

A produção de farelo de soja e de DDG vai acompanhar o forte crescimento dos biocombustíveis, impondo desafios aos produtores. “Haverá um descasamento entre o ritmo de crescimento da oferta e da demanda”, disse Rubin. “Não vai ser fácil acharmos um mercado para o nosso farelo de soja.”

O cenário ideal seria o preço do farelo incentivar a demanda doméstica, mas o CEO lembra que esses ciclos demoram para se ajustar. Será preciso, portanto, conquistar novos mercados — e melhorar a logística para escoar esse farelo adicional.

“São 12 milhões de toneladas a mais de farelo que a gente precisaria reposicionar no mercado”, disse ele. Enquanto os embarques de soja em grão devem avançar 3,7% ao ano até 2030, a taxa anual de crescimento da exportação de farelo será de 8,4%.

Considerando farelo e DDG, as exportações vão saltar de 25 milhões de toneladas neste ano para 38 milhões de toneladas. Somando soja e milho, em cinco anos os portos brasileiros vão embarcar 225 milhões de toneladas. “São 50 milhões de toneladas a mais que precisarão encontrar caminhões, ferrovias, barcaças, berços, vias, armazéns”, elencou Rubin.

Para viabilizar esses volumes, a Veeries também estima que será necessário construir 20 novas processadoras de soja (seis já foram anunciadas), 15 unidades produtoras de biodiesel e 20 usinas de etanol (que já estão no pipeline). O aumento da área plantada é estimado em 9,5 milhões de hectares, que demandarão cerca de R$ 40 bilhões em crédito para custeio de produtores.

“Se tirássemos os biocombustíveis do mercado hoje, certamente teríamos uma perspectiva muito diferente para o agro nos próximos cinco a dez anos”, finalizou Rubin.