Produtores de cacau secam amêndoas ao sol | Schutterstock

O aquecimento global pode prejudicar tradicionais regiões produtoras de cacau, mas pode também abrir possibilidades em novas áreas, especialmente na América Central e nas regiões em torno da linha do Equador. Nessas novas fronteiras, é possível que os produtores substituam lavouras de café e algodão por cacau nos próximos anos.

A previsão é de Michel Arrion, diretor executivo da ICCO, a Organização Internacional do Cacau (International Cocoa Association, em inglês).

“Eu não diria que o aquecimento global gera oportunidades. Mas em um nível local, podemos ver novas áreas se tornando potenciais para o cacau, com temperatura maior e mais umidade. Por exemplo, as partes ao norte da Costa do Marfim e de Gana, além de países na América Central. Mas infelizmente o preço a pagar é produzir menos café e algodão”, disse Arrion em entrevista ao The AgriBiz.

Na conversa, o diretor executivo da ICCO abordou também os recentes desdobramentos na legislação europeia sobre desmatamento e rastreabilidade. Para a entidade, as exigências são positivas, mas o custo gerado por elas não pode recair sobre os produtores.

“Temos monitorado a evolução da legislação europeia desde o princípio, há cinco anos. A grande questão neste tema é o custo. Não questionamos a relevância de combater o desmatamento, mas acreditamos que o custo desses sistemas de rastreabilidade não deveriam recair sobre os ombros mais fracos, que são os dos fazendeiros.”

Segundo Arrion, alguns países-membro da ICCO solicitaram um adiamento na implementação das medidas, o que foi aceito na semana passada pela Comissão Europeia, que deu mais prazo para fornecedores que são micro e pequenos empreendedores adotarem as práticas.

“Eles mantiveram o prazo para o início da implementação em 30 de dezembro, mas adiaram para operadores pequenos. No fim das contas, os países e as indústrias já são capazes de demonstrar a rastreabilidade, assim como as autoridades europeias estão prontas para fazer esse compliance. Mas se o produtor tiver que assumir o custo adicional, isso vai provocar uma crise no setor.”

COP30 pode fomentar financiamento

Ainda no tema da sustentabilidade ambiental, Arrion tem esperanças de que a COP30 em Belém (PA), em novembro, possa fomentar linhas de financiamento para o setor cacaueiro.

“Nós não estamos envolvidos nas discussões da COP30. O que provavelmente pode acontecer é alguma melhora em termos de financiamento. Embora as conferências do clima não sejam por natureza ambientes para esse tipo de pedido, acredito que os grandes doadores e financiadores globais podem se manifestar.”

Segundo ele, o desflorestamento no setor de cacau é um consenso hoje entre os países-membro, mas permanece o impasse a respeito dos custos para financiar iniciativas de proteção ambiental.

“Todo mundo concorda que implementar projetos de reflorestamento é uma coisa boa para a produção de cacau, mas precisamos de crédito para endereçar essa questão.”

A COP30 pode ser uma oportunidade também, ele diz, para o setor jogar luz sobre pesquisas que estão buscando um melhor aproveitamento do fruto, visando produtividade e sustentabilidade.

“Após a extração das amêndoas, sobra uma mistura que permite produzir suco de cacau, que pode ser usado para adoçar o chocolate. E é possível usar a casca — que também pode virar nutrição animal ou fertilizantes. Por isso, gigantes como a Barry Callebaut estão investindo no que eles chamam de ‘chocolate de fruta completa’, com 65% ou 70% de manteiga de cacau e aproveitando 100% do fruto.”

Segundo ele, esse nicho ainda é experimental e demandado por consumidores com diabetes ou outras restrições ao açúcar, mas pode vir a ser uma fonte de receita adicional para os produtores no futuro.

Em busca de uma cadeia sustentável

Nascido na Bélgica e formado em direito, Arrion fez carreira em organismos da União Europeia, como o escritório de Operações Humanitárias e Proteção de Civis e as embaixadas em Ruanda e Nigéria.

Ele é diretor executivo da ICCO desde 2018, e vive e trabalha em Abidjan, na Costa do Marfim, o maior produtor global de cacau — cerca de 70% da produção no mundo vem da África, embora nos últimos dois anos o volume tenha crescido na América Latina.

Michel Arrion, diretor executivo da Organização Internacional do Cacau (ICCO)
Michel Arrion, diretor executivo da Organização Internacional do Cacau (ICCO) | Divulgação

A organização internacional tem 52 países-membros, representando 95% da produção mundial, além dos principais importadores, a União Europeia e a Rússia. Dois importantes mercados consumidores, os Estados Unidos e o Canadá, não fazem parte da ICCO.

As principais missões da entidade são duas, diz Arrion. A primeira é produzir estatísticas, dados e relatórios com análises de mercado para promover transparência e ajudar os países em suas políticas no setor. E a segunda é promover a sustentabilidade da cadeia do cacau.

“No aspecto econômico, é de extrema importância que os produtores tenham renda. A maioria são pequenos e pobres — embora nos últimos dois anos tenhamos visto um aumento agudo nos preços do cacau.”

No aspecto ambiental, o objetivo ainda é combater o desmatamento, diz Arrion.

“O cacau ainda tem contribuído para o desflorestamento, infelizmente. Não em todo lugar, mas a colaboração da cultura do cacau para o desmatamento ainda é um assunto. E temos uma meta social de combater o trabalho infantil no cacau. Ainda tem muita criança trabalhando em plantações.”, reconheceu.

Para Arrion, os três eixos estão conectados: “Se os produtores forem bem pagos, vão desmatar menos e usar menos crianças no trabalho”.