Após décadas de destruição de consensos e de um unilateralismo intensificado pela pandemia de Covid-19, a diplomacia está fragilizada, tanto nos foros multilaterais — não mais percebidos como palcos de entendimento — como nas relações bilaterais.
Nesse contexto, do qual o tarifaço promovido pelo presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, é o episódio mais recente, o setor privado precisa buscar suas próprias alianças estratégicas, fomentando relações diretamente com entidades no exterior.
Sem a criação desses canais próprios, o agronegócio — empresas, indústrias e produtores — vai sofrer e pagar um custo muito alto com a guerra tarifária. Essa é a visão de Roberto Azevêdo, diplomata, consultor da Abag (Associação Brasileira do Agronegócio), presidente da 9G Consultoria e presidente global de operações da Ambipar.
Cacifado pela experiência como diretor-geral da Organização Mundial do Comércio (OMC) entre 2013 e 2020, Azevêdo fez a palestra inaugural do 24º Congresso Brasileiro do Agronegócio, nesta segunda-feira (11), em São Paulo.
Segundo ele, a polarização faz com que as decisões assumidas junto a outros países sejam reversíveis de forma súbita. “A sucessão de governos com orientações ideológicas distintas fragiliza os laços de confiança. Os compromissos de longo prazo quase não existem mais, porque um acordo feito neste mandato não vale no próximo.”
Diante da fragilidade das instituições e da diplomacia, no contexto em que tudo pode mudar a qualquer momento, “inclusive compromissos em acordos bilaterais”, o setor privado precisa assumir um papel mais proativo na formação de alianças, diz Azevêdo.
“No passado, o setor privado levava seus anseios para o governo. Mas esse canal não funciona mais. Hoje, precisamos de formas diferentes de engajamento. Ter alianças fora do arcabouço do Estado deixou de ser opção e virou necessidade estratégica. Ou o setor privado cria seus canais, ou vai sofrer.”
O papel da pandemia
Azevêdo iniciou a apresentação, intitulada “Agroalianças e o Futuro”, lembrando que este mundo novo — que “não tem nada de maravilhoso” — é fruto de 20 anos de transformações “profundas e irreversíveis” que dinamitaram a crença na globalização como solução aos desafios globais.
“As mudanças foram estruturais e redefiniram as bases da sociedade por meio da digitalização da economia, de uma profunda mudança do mercado de trabalho e da polarização ideológica. Esse coquetel criou novas dinâmicas de poder e riqueza e resultou em uma retração da cooperação internacional”, afirmou.
Com isso, o otimismo do mundo da globalização deu lugar a um sentimento do “eu primeiro”, disse Azevêdo. “E isso foi intensificado na pandemia, quando os países ricos se recusaram a exportar vacinas, medicamentos e respiradores. Isso teve implicações sérias. Uma delas foi o enfraquecimento da crença de que os grandes desafios globais podem ser resolvidos por meio de esforços coletivos.”
Citando medidas protecionistas adotadas pelo ex-presidente dos EUA, Joe Biden, como o aprofundamento de restrições tarifárias contra produtos chineses, o ex-diretor-geral da OMC pontuou que o agronegócio não deveria se iludir pensando que essa nova realidade pode mudar com uma nova gestão ou um novo governo.
“O enfraquecimento do multilateralismo não é circunstancial. É um novo normal.”
Além das tarifas
De acordo com Azevêdo, toda essa onda de transformações desembocou em um contexto de fragilização das infraestruturas de comércio internacional no qual o protecionismo é usado como arma e disfarçado de causas legítimas.
“O protecionismo é criativo e insidioso e não se limita a tarifas. Com frequência ele aparece disfarçado de causas legítimas, como regulações ambientais ou trabalhistas. Temos vários exemplos, como o mecanismo de ajuste de carbono da União Europeia, que impõe um custo adicional ao produtor estrangeiro sem considerar sua matriz energética”, afirmou.
Segundo ele, nesse contexto “o Brasil não precisa nem deve escolher lado”. Mais ainda, reforçou, “o País não pode permitir que outros decidam de que lado ele está”.
“Não precisa dizer ‘estou desse lado ou daquele’. Eles vão interpretar de que lado você está. Essa flexibilidade nas alianças é muito mais fácil dita do que feita. A diplomacia tradicional entre os Estados sofre com isso.”