
Com um esforço conjunto entre o setor privado e a academia, o Brasil está avançando para tirar um atraso no uso de algas marinhas na agricultura. A adoção é mais comum no auxílio à nutrição do solo ou tratamento de lavouras. Mas pesquisas indicam que a flora marinha pode também ajudar num dos maiores problemas da pecuária: a emissão de metano.
A aplicação da flora marinha no agro é popular desde o fim do século XIX em países europeus litorâneos, onde produtores utilizaram as algas inicialmente como adubo.
O avanço científico vem orientando o emprego delas como bioestimulantes, em combinação com fertilizantes e defensivos químicos ou biológicos, potencializando seus efeitos, com aplicação via pulverização ou na semente.
Nos últimos dez anos, as pesquisas dispararam, puxadas por Ásia e Índia, além de Egito, Brasil e Espanha. As algas passaram a ser consideradas também na regeneração de solos degradados — cujo saldo no País é estimado em 110 milhões de hectares pela Agroicone.
No mercado, essas aplicações mobilizam desde startups até gigantes. A JBS, por exemplo, tem um centro de biotecnologia em Florianópolis (SC) focado em soluções com microrganismos e algas para elevar a produtividade no campo.
“O uso de algas na agricultura tem mais de um século. No Brasil, começou há 20 anos, e hoje está se difundindo no mercado”, situa Átila Francisco Mógor, professor da pós-graduação em agronomia da UFPR (Universidade Federal do Paraná).
Segundo ele, as algas mais usadas são as vermelhas, marrons, verdes e microalgas.
No Brasil, as mais populares ainda são as marrons, como a ascophyllum nodosum, importadas de locais frios. Mas algas vermelhas nativas vêm se popularizando, como a kappaphycus alvarezii e a lithothamnium.
“É uma tecnologia horizontal que se difunde em várias frentes. Estamos construindo os alicerces para ela chegar com mais força ao agricultor”, diz Mógor.
Embora ainda não traga números específicos sobre algas, os dados sobre biológicos da Abisolo (Associação Brasileira das Indústrias de Tecnologia em Nutrição Vegetal) parecem confirmar a percepção do pesquisador.
Segundo o anuário 2025 da entidade, biodefensivos e biofertilizantes — alguns com extratos de algas — giraram mais de R$ 5 bilhões em 2024, ante R$ 1,3 bilhão em 2022. É menos que os R$ 52 bilhões gastos com defensivos químicos, mas o setor vem crescendo 20% ao ano, e já há mais de 620 produtos registrados no Mapa (Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento).
Resiliência
A extração e o preparo das algas seguem um mesmo roteiro: cultivo controlado ou coleta em áreas naturais, seguidos de lavagem, secagem e processamento, explica Adibe Luiz Abdalla, professor associado do Laboratório de Nutrição Animal do Cena-USP (Centro de Energia Nuclear na Agricultura da Universidade de São Paulo).
“O ciclo do cultivo à embalagem leva de duas a seis semanas”, detalha Vinícius Marangoni, gerente técnico de portfólio de Nutrição da Nitro.
A fabricante de químicos para indústria e agricultura utiliza algas em seus produtos há dez anos — elas representam 10% da vertical de nutrição e fisiologia. O faturamento da empresa no agro ultrapassou R$ 1 bilhão em 2024, e as algas são parte do plano de crescer entre 20% e 30% ao ano até 2030.
Com pesquisa focada na indução de resistência em plantas, Marciel Stadnik, professor da UFSC (Universidade Federal de Santa Catarina), credita à formação evolutiva das algas seu potencial para ajudar na lavoura.
“Elas estão há bilhões de anos sujeitas a estresse extremo, como altas profundidades, frio e radiação. Isso fez com que, para se defender, criassem mecanismos bioquímicos que agora podemos extrair e aplicar nas lavouras. Além disso, as algas têm paredes celulares que imitam ataques de patógenos, o que ativa genes de defesa nas plantas.”
Melhor atriz coadjuvante
A mais recente utilização de algas na agricultura é junto de fertilizantes e defensivos tradicionais. Nesse papel coadjuvante, os extratos têm revelado seu maior potencial, explica Danielle de Bem Luiz, chefe-geral da Embrapa Pesca e Aquicultura: “Eles melhoram a absorção dos nutrientes e ajudam a mitigar estresses ligados ao clima, como falta d’água e excesso de temperatura”.
Os processados também podem ser usados com biológicos, otimizando a introdução de microrganismos no solo ou nas plantas. Stadnik, da UFSC, faz uma analogia com o café, “que tem efeito nutricional baixo, mas nos estimula a produzir mais”.
O mesmo raciocínio se aplica às microalgas, explica Everton Campos. Ele é diretor de marketing da Krilltech, da Casa Bugre — a AgriLife, outra empresa do grupo, tem produtos baseados em microalgas. “Uma das que a gente estuda tem o efeito de atrair microrganismos benéficos, potencializando o controle de nematoides biológicos.”
Solução para a “azia dos bois”
Na nutrição animal, a flora marinha tem um duplo potencial. O primeiro é incrementar as rações com componentes dos quais tem abundância, como cálcio e magnésio.
Essa vertente tem beneficiado desde rebanhos bovinos e suínos até piscicultura e frango — como em uma pesquisa em andamento da Universidade Federal de Pelotas em parceria com a Granja Faria.
A outra aplicação carrega um elemento terapêutico: certas algas têm substâncias que regulam o PH do sistema digestivo de ruminantes, elevando a eficiência alimentar e reduzindo a emissão de metano por bovinos, um enorme problema ambiental.
Essa é uma frente que avança no mundo e já tem alguns registros comerciais de formulações.
Viabilidade econômica e escala
Há dez anos estudando microalgas, Mógor, da UFPR, vê uma maior receptividade dos produtores. “No início, quando mostrava experimentos, se assustavam e pensavam que ia contaminar o lençol freático. A informação vem difundindo a tecnologia.”
Luiz, da Embrapa Pesca e Aquicultura, reforça essa percepção: “A recepção tem sido mais positiva. Mas ainda falta um maior volume de dados e mais padronização”.
O Brasil regulou o uso de algas na agricultura em 2020, na instrução normativa 61, do Mapa, que fixa as regras para biofertilizantes.
A norma ordena que os fabricantes comprovem a bioatividade, o “efeito benéfico que o produto apresenta sobre as plantas”. Marangoni, da Nitro, critica a regra: “A exigência de ensaios locais aumenta o tempo e o custo do registro de produtos”.
“A gente já passou da fase de validação pela ciência”, reforça Lucas Avila, CEO da PrimaSea, uma empresa nacional com produtos à base da lithothamnium, abundante no Nordeste.
O modelo de negócios é majoritariamente B2B, vendendo formulações para indústrias misturarem com fertilizantes minerais. “Também fornecemos direto para revendas e produtores. É uma porcentagem menor, mas é a principal alavanca de crescimento”, diz Avila.
A empresa projeta faturar mais de R$ 100 milhões neste ano. Além do Brasil, tem clientes na Europa, EUA, América Central, Austrália e Ásia.
Abdalla, da USP, pondera a importância da viabilidade econômica para a adoção. “Um estudo nos EUA com gado de corte e leiteiro mostrou que adicionar 6% de alga vermelha na nutrição reduz o metano em 14%, com custo de US$ 0,12 por quilo de ração”, afirmou, emendando considerar o custo competitivo. “É viável, o que é essencial, senão o produtor não vai [aderir].”
Wilson Nigri, fundador do fórum AgroSea e CEO da Tecnotropic, que hoje desenvolve produtos baseados em algas, endossa a ideia.
“A agricultura exige que se pague com produtividade: tenho que gastar menos com as algas do que com os químicos, e ter mais rendimento. Não se resolve problema algum no mundo sem retorno sobre investimento.”