Segundo a perspectiva mais correta, objetiva e técnica, define-se a Moratória da Soja como um acordo multissetorial, por meio do qual as empresas signatárias comprometem-se a não adquirir soja produzida em áreas desmatadas no Bioma Amazônia.
O acordo é firmado não apenas por empresas privadas, mas por entidades do terceiro setor (como WWF e Greenpeace), por associações (como ANEC e ABIOVE), o Banco do Brasil e, em caráter chancelador de sua existência, o Governo Federal por meio do IBAMA, Ministério do Meio Ambiente e INPE, os quais exercem papel frontal nas regras e controles da Moratória da Soja.
A criação da Moratória da Soja em 2006 (sim, já existe há 19 anos, aproximadamente) foi uma resposta a exigências do mercado consumidor europeu por soja não derivada de áreas desmatadas. Existem inúmeros estudos que identificam a expansão da fronteira agrícola da soja com o desmatamento de áreas do Bioma Amazônia.
A carta emitida pelo Greenpeace em julho de 2006 (Call for an End To Amazon Deforestation) ilustra com precisão o contexto histórico no qual o comércio de soja se encontrava e quais as medidas necessárias eram exigidas para manutenção de seu desenvolvimento sustentável.
Eram necessárias a criação e a execução precisa de ações voltadas para o plantio responsável e com critérios controlados, de forma a salvaguardar os interesses econômicos do país com a exportação de soja.
Atualmente, fala-se muito no prejuízo experimentado por agricultores com a soja não comercializada, plantada fora dos parâmetros da Moratória da Soja, mas a realidade é que o prejuízo já experimentado pelo País com embargos comerciais passados da soja supera largamente qualquer estimativa nesse sentido.
A existência da Moratória da Soja, pois, protege a posição do País e a continuidade da comercialização de sua principal commodity de exportação.
A batalha administrativa e judicial
Existem hoje movimentações coordenadas e estudadas de ataque à Moratória da Soja em caráter administrativo e judicial. Por meio dessas ações, busca-se classificar as condutas realizadas no escopo da Moratória da Soja como aquelas típicas de cartel, ou seja, como se tais ações fossem desenhadas com o objetivo de manipular preços e limitar a concorrência. Tal narrativa não poderia estar mais equivocada.
Para ser um cartel, a Moratória da Soja precisaria ter como finalidade a eliminação da competição, o domínio de mercado ou ao aumento arbitrário dos lucros. Logicamente, não é esse o propósito do acordo.
O acordo representa os interesses mútuos do governo federal e da sociedade civil organizada (empresas privadas e entidades do terceiro setor, como já mencionado) direcionado à implementação voluntária de um “selo verde”, de afirmação que a soja comercializada não contribui para o desmatamento da Amazônia. Como isso poderia ser negativo ou contra um desenvolvimento-sustentável?
A adesão ao pacto é absolutamente voluntária, sem penalidades ou retaliações para quem opta por não participar (aqueles que não aderem, podem livremente comercializar sua produção). Ao conferir o “selo verde” mencionado, viabiliza a expansão da produção agrícola sustentável.
Tal “selo verde” pode ser comparado a outras normas de mercado, como as certificações Kosher, Halal, de soja transgênica e de soja orgânica, que também respondem a exigências de consumidores e não configuram práticas anticoncorrenciais, mas padrões legítimos de produção e classificação de mercado.
Todas essas certificações, incluindo a Moratória da Soja, são respostas a exigências de mercado – interno e externo –, que orientam a produção brasileira sem impor barreiras anticompetitivas. Elas refletem a liberdade de mercado para atender a preferências específicas, fortalecendo a competitividade.
Além disso, não há fixação de preços, (já que a soja é uma commodity com preços definidos na CBOT), divisão de mercados ou barreiras à entrada.
Finalmente, as informações sobre a Moratória da Soja são absolutamente públicas, estando contidas em relatórios anuais a respeito da metodologia utilizada para averiguação da conformidade de áreas de sojicultura exploradas no Bioma Amazônia, bem como das auditorias realizadas junto às empresas signatárias.
Os efeitos de uma potencial suspensão
Então, vista a Moratória da Soja como um acordo voluntário e multissetorial, qual seria o propósito de se buscar sua suspensão ou eliminação? Seria pela defesa de direitos de livre concorrência ou, até mesmo, de outros direitos de ordem constitucional?
Acreditamos que não. O motivo nada mais é que econômico. Busca-se um atalho produtivo, uma forma de se poder vender sem passar pelos crivos do mercado consumidor atual, como se os compradores primários da soja fossem o mercado consumidor final, o que não é verdade, claramente.
Os compradores primários atendem, como já dito, a desejos de determinados mercados consumidores finais. Essa lógica é inafastável e forçar os compradores primários a comprar uma soja não certificada não mudará isso.
Pelo contrário, poderá, sim, significar a exclusão da soja de origem brasileira da prateleira dos mercados europeus e chineses, por exemplo. Lembre-se que um único embargo comercial de 30 dias da China acerca da soja brasileira em 2004 provocou prejuízos da ordem de aproximadamente R$ 7,9 bilhões.
Assim, precisaríamos entender em qual medida e por qual motivo seria legítimo obrigar alguém a contratar, ou seja, seria permitido forçar um mercado consumidor a comprar um produto que não legitima, que fere seus princípios produtivos?
Aqui a resposta é jurídica, constitucional e, mais uma vez, defende a posição das signatárias da Moratória ao afirmar que “cada empresa é livre para estabelecer a sua política de compras e não pode ser punida por exercer essa liberdade inerente ao direito de propriedade (art. 5º, inciso XXII, CF)”, assim afirmado pelo STF em decisão da ADIN nº 7774/MT.
A Moratória da Soja não pode ser vista como uma restrição indevida ao direito de propriedade. Ao contrário, o acordo alinha a produção de soja às exigências constitucionais de preservação ambiental e às demandas do mercado internacional, promovendo um modelo de desenvolvimento sustentável que protege o meio ambiente e possibilita a expansão do mercado brasileiro de soja.