
A atual guerra tarifária entre Estados Unidos e China é bem diferente da vista em 2018, durante o primeiro mandato de Donald Trump. Além da menor dependência chinesa das commodities americanas, nuances da disputa atual levam a uma interpretação diferente das consequências da guerra comercial — inclusive para o Brasil.
“A guerra comercial atual tem muito mais um perfil Trump. É muito mais egocêntrica, é muito mais nacionalista e não deverá ceder totalmente. As tarifas vão continuar existindo, só não sabemos em que patamar”, disse Aurélio Pavinato, CEO da SLC Agrícola, durante o AGRO 360º, evento promovido pelo Brazil Journal em parceria com The AgriBiz nesta semana, em São Paulo.
Com a extensão da tensão comercial, o Brasil desta vez tende a se beneficiar mais no longo prazo — ao contrário do que ocorreu em 2018, quando o susto da primeira onda de tarifas fez a demanda chinesa pela soja brasileira disparar imediatamente após o anúncio do aumento das tarifas, levando o preço da commodity no Brasil a um recorde.
“Lá atrás, a guerra comercial beneficiou bastante o agro no curto prazo e, no longo prazo, nem tanto ou quase nada. Agora, vai beneficiar menos no curto prazo e mais no longo prazo, à medida que vai ter uma diferenciação nas tarifas para a China importar”, disse Pavinato.
A menor dependência da China dos Estados Unidos na importação de alimentos coloca o país asiático em condições melhores para negociar.
Segundo o CEO da maior empresa agrícola do Brasil, 43% das importações chinesas de soja tinham os Estados Unidos como origem em 2018. De lá para cá, essa dependência caiu praticamente pela metade. Atualmente, apenas 20% vêm dos Estados Unidos.
Os chineses também estão mais preparados: entraram na nova guerra tarifária com 43 milhões de toneladas de soja em estoque, ante 18 milhões de toneladas em 2018. “A China hoje está muito mais tranquila em termos de suprimento de produtos do agro.”
Fornecedor seguro
Outro efeito secundário da guerra comercial para o Brasil é o fortalecimento da imagem do País como um fornecedor seguro de alimentos — o que tem beneficiado também a relação do País com a União Europeia, na visão de Pavinato.
“Depois do trade war, a Europa mudou a sua posição nas relações com o Brasil e o Mercosul”, observou o CEO da SLC. Diante de (mais uma) constatação de que não pode ficar dependente dos Estados Unidos, a Europa, que é importadora líquida de produtos agrícolas, passou a ficar mais aberta a negociações com os países da América do Sul.
Com a volatilidade de seu rival no mercado de commodities agrícolas nas negociações comerciais, o Brasil consolida a sua posição como parceiro desses países importadores, mais uma vez trazendo impactos positivos para o longo prazo.
“No curto prazo tem um benefício direto no preço, mas no longo prazo esse benefício fica mais consistente porque o Brasil vai ser sempre a opção para o comprador, o que trará mais liquidez para os nossos produtos”, disse.
O executivo emendou, numa crítica pouco comum entre os produtores de soja ao líder norte-americano: “Essa é a parte positiva da guerra comercial — se é que dá para ter algo positivo no trade war, que, no conjunto da obra e em nível global, é um pesadelo. O que o Trump está fazendo é uma destruição de valor.”
A visão da JBS
No mundo das proteínas, o impacto da guerra tarifária é menos direto. Segundo Renato Costa, CEO da Friboi, Brasil e Estados Unidos não competem pelo mercado chinês.
Cerca de metade das exportações brasileiras de carne bovina tem a China como destino, enquanto 45% das importações chinesas têm origem no Brasil. “Os Estados Unidos não mandam 200 mil toneladas das 3 milhões de toneladas que a China importa”, disse Costa ao participar, ao lado de Pavinato, do painel “As dores e as delícias de ser gigante”.
O perfil dos embarques também é diferente. Enquanto os frigoríficos americanos atendem somente ao food service na China, o Brasil tem clientes em todos os canais, da indústria ao varejo.
Até mesmo a tarifa adicional de 10% imposta pelos Estados Unidos à carne brasileira não assusta a Friboi, empresa controlada pela gigante global de alimentos JBS. Depois da China, os Estados Unidos são o principal comprador da carne brasileira. Nos últimos anos, as importações americanas explodiram devido a um problema de escassez no mercado interno — o rebanho bovino nos EUA é o menor em 70 anos.
Hoje, a maioria das exportações de carne brasileira para os Estados Unidos já são taxadas em 26,4%. A exceção é o que o País consegue mandar dentro de uma cota de 65 mil toneladas isenta de imposto de importação. Para se ter uma ideia do tamanho do apetite americano, neste ano ela foi totalmente preenchida em uma semana, segundo Costa.
“A oportunidade é grande. De 2023 para 2024, a exportação dobrou. De 2024 para 2025, dobrou de novo e vai dobrar novamente este ano. Saímos de 100 mil toneladas, em 2023, para quase 400 mil toneladas que devemos fechar em 2025. Não tem outro país com essa relevância”, disse o CEO da Friboi em referência ao tamanho da produção brasileira.
O executivo também ressaltou o potencial de aumento das exportações para países asiáticos além da China. Ele revelou que os frigoríficos brasileiros estão recebendo uma missão do Japão para avaliar o sistema sanitário— uma conquista da última viagem presidencial ao país. Pelo perfil das importações, de valor agregado mais alto do que a média, o Japão é um dos mercados mais almejados pela indústria brasileira.
Costa lembrou ainda de outros países do sudeste asiático, onde o consumo per capita de carne bovina ainda é baixo. “Qualquer ganho é muito, porque a população é muito grande”, disse.