Cultura

Na terra do babaçu, as quebradeiras cultivam a nova geração

Em busca de preservar sustento e identidade cultural, cooperativa maranhense desenvolve cadeia de produção ligada ao fruto nos arredores de Imperatriz

As quebradeiras Rosimar Pereira e Maria Célia Monteiro, que fazem parte da cooperativa criada para fomentar o trabalho das quebradeiras de coco no Maranhão

IMPERATRIZ (MA) — Na estrada do arroz, nos arredores da segunda cidade mais populosa do Maranhão, uma tradição de gerações luta para continuar de pé: as quebradeiras de coco babaçu. Essa atividade pesada, que começou com a busca das mulheres da região por uma renda, vem crescendo e quer reter as novas gerações com uma cadeia de produção cada vez mais avançada.

A bem da verdade, não se trata de um grande expoente econômico. Em Imperatriz, a importância do babaçu é outra — carregada de significado. Trata-se de um marco cultural da região, símbolo da relação da comunidade com uma planta nativa do Maranhão.

“O trabalho de quebrar coco é árduo, não é romântico. Quem quer herdar esse trabalho pesado?”, reflete Mauriana Sobrinho, diretora financeira da Coopeafe (Cooperativa dos Extrativistas e Agricultores Familiares da Estrada do Arroz).

Os produtos mais tradicionais feitos a partir do coco babaçu são o óleo (usado para cozinhar) e a farinha, feita a partir do mesocarpo do fruto — a segunda camada dele. Além disso, são produzidos chaveiros, cestarias e sabonetes, que misturam componentes do babaçu com outros elementos da agricultura da região amazônica, como o açaí.

Antes da cooperativa, essas atividades eram feitas de forma totalmente artesanal, e pesada. Para atrair os mais jovens, a cooperativa vem se desdobrando em busca de alternativas.

Esse trabalho é liderado por Mauriana e de Bárbara Pereira da Silva,  presidente da cooperativa. Ambas são intimamente ligadas à comunidade de quebradeiras da região — Bárbara é filha de Zuleide, quebradeira de coco babaçu desde os 13 anos.

“Quando a juventude começou a participar, começamos a pesquisar algumas coisas que poderiam melhorar a produção delas e aumentar. Achamos um moinho de extração de amido de milho, e hoje a comunidade de Petrolina é a única que tem um moinho para a extração de babaçu”, explica Silva.

A chegada da Suzano

Para que tudo isso acontecesse, a cooperativa conta com um legado de um trabalho social que começou originalmente em 2013, quando foi estruturado o Pindowa (apelido para o babaçu jovem), um projeto criado para incentivar a organização das atividades produtivas em torno do babaçu.

O projeto começou com um financiamento de R$ 125 mil oriundo do ISPN (Instituto Sociedade, População e Natureza) e ganhou fôlego com o financiamento da Suzano, uma das maiores companhias do País.

Barbara e a mãe, Zuleide: tradição de quebradeiras de coco atravessa gerações

A presença da gigante de papel e celulose na cultura do babaçu não é nada aleatória. Dois anos depois do lançamento do Pindowa, a companhia da família Feffer se tornou a primeira grande indústria a se instalar em Imperatriz, inaugurando uma megafábrica na cidade após um investimento de R$ 5,8 bilhões.

“Quando a Suzano chegou, a associação não tinha nem sede. Começamos fazendo cursos e, ao longo do tempo, a produção foi aumentando, mas nós ainda vendíamos os produtos individualmente. Então, decidimos criar a cooperativa”, conta Silva.

Para a gigante de papel e celulose, o bom relacionamento com as comunidades no entorno da fábrica de Imperatriz era crucial, tamanha a importância das atividades da companhia no entorno. São mais de 500 mil hectares sob a gestão da gigante de papel e celulose espalhados pelos estado do Maranhão, Pará e Tocantins, ou cerca de 370 fazendas.

Para fomentar projetos como o Pindowa, a Suzano investiu R$ 28,6 milhões no ano passado, ajudando a tirar 120 mil pessoas da linha da pobreza — a meta da companhia é checar a 200 mil beneficiados até 2030.

“A gente tem que buscar a vocação de cada comunidade, num esforço que prioriza que a Suzano seja vista como um parceiro, não como único financiador”, explica Clara Cruz, gerente executiva de sustentabilidade da Suzano.

É justamente o que aconteceu no caso do Pindowa. Além do dinheiro da Suzano, o projeto possui parceiros como a consultoria Terrapilheira, o Fundo Amazônia, o Funbio e o Fundo Ecos.

Além dos aportes financeiros, a Suzano tem um contrato com a cooperativa para que seja fornecido a partir dela o suprimento que garante o que é oferecido aos colaboradores no refeitório da fábrica. No período de entressafra do coco babaçu, há um estímulo para que as famílias produzam hortaliças, por exemplo, de olho em garantir uma renda adicional.

Atualmente, cooperativa reúne 27 associações da região, em três territórios, com mais de 1,2 mil pessoas atendidas. A Coopeafe cuida desde o processo de comercialização do extrativismo do coco babaçu, do açaí e do buriti, além de ter um contato próximo com a agricultura familiar da região. Entre azeite, óleo e mesocarpo, a produção somada é de uma tonelada por mês.

“Nossa meta é conseguir uma máquina pera fazer uma quebra de coco que a gente consiga fazer o óleo para cozinhar, porque hoje o único óleo para cozinhar, 100% limpo, vem da quebradeira”, explica Silva.

Agora, a meta é trazer mais pessoas para a base e comercializar os produtos vendidos pela cooperativa em redes de supermercados, além da busca por inserção no PNAE (Programa Nacional de Alimentação Escolar).

Tudo isso demanda a abertura de cada vez mais mercados, do lado da demanda — mas também uma conscientização do lado da oferta de coco babaçu. Essa árvore, nativa da região, ainda é frequentemente derrubada por pecuaristas, que alegam que a espécie pioraria a condição dos pastos deles.

“Na minha comunidade, estão matando muita palmeira e matando com veneno. O babaçu é uma cadeia de produtos em que todos têm seu valor, seu significado. Quando a palmeira morre, vira adubo. Da palha, nós conseguimos fazer artesanato”, disse Teresinha de Souza Cruz, quebradeira de coco desde os dez anos de idade.

Na região, uma das maiores reservas das palmeiras de coco babaçu é a reserva extrativista Ciriaco, que reúne 7,5 mil hectares dedicados à preservação das plantas, abrigando mais de 180 famílias extrativistas.

A safra do babaçu acontece durante nove meses, tendo seu auge em agosto e setembro. Um ponto que ajuda o acesso ao fruto (que só pode ser colhido quando cai da árvore) é a lei do Babaçu Livre, que assegura que as quebradeiras de coco entrem em fazendas que têm babaçu para coletarem o coco.

Na prática, entretanto, fazer o texto valer depende de muita conversa. “Como funciona essa conscientização dos fazendeiros? Com mediação. Às vezes, é mais fácil eles ouvirem a Suzano conversando com eles do que só a cooperativa”, conta Márcia Alves Varanda, consultora de extrativismo sustentável da Suzano.

Com o diálogo, as relações também dão frutos. Muitas vezes, lembra Varanda, os fazendeiros compram os subprodutos feitos a partir do babaçu retirado pelas quebradeiras.

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A jornalista viajou a convite da Suzano