ANTITRUSTE

Cade suspende a moratória da soja

Órgão investiga tradings por práticas anticoncorrenciais no acordo que barra soja de áreas desmatadas na Amazônia após 2008; exportadores temem impactos comerciais

Área de soja em Mato Grosso

A Superintendência-Geral do Cade (Conselho Administrativo de Defesa Econômica) suspendeu ontem à noite, de forma preventiva, a Moratória da Soja — acordo privado voluntário que impede a comercialização de soja produzida em áreas desmatadas da Amazônia Legal após 2008, ainda que em áreas permitidas pelo Código Florestal.

No mesmo ato, o superintendente-geral do Cade, Alexandre Barreto de Souza, instaurou um processo administrativo contra as tradings exportadoras de soja e associações do setor “integrantes do Grupo de Trabalho da Soja (GTS)”, que são signatárias da Moratória da Soja.

Entre os alvos da medida estão a Abiove (Associação Brasileira das Indústrias de Óleos Vegetais), principal entidade representativa do setor de esmagamento de soja, e a Anec (Associação Nacional dos Exportadores de Cereais), além de 30 empresas, incluindo gigantes como Amaggi, Bunge, Cargill, Cofco, Cutrale, Louis Dreyfus Company e 3tentos.

A suspensão veio na forma de medida preventiva, “instrumento que pode ser adotado quando houver indício ou fundado receio de que as condutas investigadas causem ou possam causar lesão irreparável ou de difícil reparação”, informou o Cade. A multa para descumprimento é de R$ 250 mil por dia.

Em nota, a Abiove diz que “recebeu com surpresa a decisão do Cade”. A entidade lembra que a Moratória da Soja é um “pacto multisetorial que tem a participação do Estado, como o Ministério do Meio Ambiente e o Ibama, é reconhecido pela União, por meio da Advocacia-Geral da União (AGU) como uma política pública ambiental, que vige há mais de 20 anos”.

A entidade afirma que respeita a decisão e as normas vigentes, detalhando que “reitera seu compromisso com a legalidade e informa que tomará as medidas cabíveis de defesa, além de colaborar de forma plena e transparente com as autoridades competentes”.

Segundo os organizadores da moratória, a regra não impediu o desenvolvimento da sojicultura, mas mitigou seu avanço sobre novos desmatamentos.

“Acordo anticompetitivo”

O procedimento no Cade teve início a partir de uma representação encaminhada pela Comissão de Agricultura, Pecuária, Abastecimento e Desenvolvimento Rural da Câmara dos Deputados.

No ano passado, a Aprosoja (Associação dos Produtores de Soja de Mato Grosso) também havia apresentado uma denúncia formal ao Cade contra supostas práticas anticoncorrenciais das tradings signatárias do acordo. Mais recentemente, a CNA (Confederação Nacional da Agricultura) solicitou ao Cade providências imediatas, alegando que há danos concretos aos produtores.

Na medida, o Cade dá um prazo de dez dias, a contar da publicação no Diário Oficial da União, para que as associações e empresas se manifestem. E, enquanto isso, proíbe os citados de “coletar, armazenar, compartilhar ou disseminar informações comerciais referentes à venda, produção ou aquisição de soja”.

A decisão ainda ordena que os membros das entidades investigadas se abstenham de “compartilhar relatórios, listas e documentos que instrumentalizem o acordo”, e proíbe a retirada de documentos relacionados à moratória “de seus sítios eletrônicos”.

Herói ou vilão?

Para o superintendente-geral do Cade, a aliança “constitui um acordo anticompetitivo que prejudica a exportação de soja”.

Para os exportadores, o efeito pode ser oposto: a suspensão da moratória pode ter impactos comerciais. Alguns importadores exigem que a soja não seja proveniente de áreas desmatadas. Caso os exportadores não consigam assegurar o cumprimento dessa exigência, pode haver impacto nas exportações, argumentam.

O maior exemplo é o mercado europeu. Em dezembro, entra em vigor a EUDR (Regulamentação Europeia de Produtos Livres de Desmatamento), que exigirá a rastreabilidade total das exportações agrícolas brasileiras.

Os grupos contrários dizem que o pacto restringe o crescimento econômico na região amazônica e confronta a legislação ambiental do País. Em 2019, com o apoio do então presidente, Jair Bolsonaro, a Aprosoja já se mobilizava para tentar encerrar a Moratória sob o argumento de que o pacto estabelecia condições mais exigentes do que a legislação ambiental.

Fontes do setor estranharam a decisão do Cade em um momento em que o governo brasileiro está incluindo a Moratória da Soja no âmbito da investigação dos Estados Unidos contra o País por práticas anticompetitivas — a defesa do País menciona o acordo como um trunfo ambiental de seu agronegócio.

(Colaborou Tatiana Freitas)

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