Com soja brasileira mais barata, China compra pouco dos EUA

A China dificilmente cumprirá o acordo comercial que fez com os Estados Unidos no mercado de soja, segundo Carlos Cogo, especialista que vem acompanhando de perto os desdobramentos da guerra tarifária e como ela pode impactar o Brasil.

O país asiático está muito longe da meta de comprar 12 milhões de toneladas na atual temporada — até 22 de dezembro, menos da metade desse volume (5,7 milhões) havia sido reportado em compromissos de venda pelo USDA (Departamento de Agricultura dos Estados Unidos). Para a próxima safra, que tem a meta de 25 milhões de toneladas, nenhuma carga sequer foi comercializada.

A razão é simples: a soja brasileira continua mais competitiva do que a americana, mesmo após a redução da tarifa de importação aplicada pela China aos EUA e o período de entressafra no Brasil.

Cogo lembra que os chineses reduziram a tarifa sobre a soja americana de 34% para 13%, enquanto a tarifa sobre a soja com origem na América do Sul é de 3%. “São 10 pontos percentuais de diferença, uma vantagem de mais de US$ 1 por bushel a favor do Brasil. Não é pouco”, afirmou ao The AgriBiz. “É muito difícil acreditar que o acordo será cumprido.”

O especialista, que é sócio-diretor da Cogo Inteligência de Mercado, destacou também que não existe um acordo formal assinado entre as duas partes — e que o anúncio dos volumes a serem comprados pela China foi unilateral, além de confuso.

“Não há um acordo no papel. O que o Trump e o secretário de Comércio falam é uma mera intenção”, disse. Além disso, as autoridades norte-americanas deram prazos diferentes para que as compras de soja fossem realizadas.

A informação inicial era de que as 12 milhões de toneladas seriam compradas pela China até o final de 2025. Mas, num segundo momento, o secretário do Tesouro americano, Scott Bessent, disse que o prazo seria até o final de fevereiro, quando as compras de soja do Brasil começam a acelerar. “Provavelmente não vai cumprir os dois”, diz Cogo.

Impacto no mercado

A descrença de que o comércio entre Estados Unidos e China voltará aos níveis pré-tarifaço paira também no mercado. Desde novembro, quando o acordo foi anunciado pelos americanos, os contratos futuros de soja caíram 9% na Bolsa de Chicago. No Brasil, os prêmios de exportação voltaram a ficar positivos.

“Os prêmios estão mais baixos em comparação com 2025, mas são positivos”, destacou Cogo, incluindo as indicações para o auge da safra — comportamento pouco comum visto apenas durante a guerra tarifária. “Eu acho que podem até voltar subir e ficar mais fortes no segundo semestre”, acrescentou.

Para Cogo, os chineses não estão buscando apenas preço quando compram a soja brasileira. Eles querem um fornecedor confiável — posição que o Brasil vem fortalecendo desde a primeira guerra comercial, passando pela pandemia de Covid-19.

“Há dez ou 15 anos, metade da soja que a China importava era do Brasil e metade dos EUA. O Brasil vem ganhando mercado consistentemente até chegar ao auge em 2025, quando a China deve importar 85 milhões de toneladas do Brasil e 12 milhões dos EUA na melhor das hipóteses. Esse mesmo movimento está se espalhando para outros mercados, como o algodão”, afirmou.

Margens e RJs

Depois de um 2025 difícil para o produtor, as margens devem ficar ainda mais apertadas em 2026, diz Cogo. “A margem de lucro real da soja em Mato Grosso é de 0,9%, muito baixa mesmo”, afirmou. O cálculo considera amortizações, depreciações, custo de oportunidade etc. Considerando a margem bruta, a estimativa de Cogo é de 20%, também historicamente baixa.

Com preços de commodities deprimidos e alta taxa de juros — que deve cair lentamente no próximo ano, aliviando pouco os balanços —, a tendência é que os pedidos de recuperação judicial continuem aumentando. “A curva deve ser levemente descendente, mas ainda em níveis elevados frente à média histórica. Não há nenhum fator que indique reversão disso”, disse.