
A COP30 deixou um saldo dúbio, afirma Alessandra Fajardo, diretora de Sustentabilidade do CEBDS (Conselho Empresarial Brasileiro para o Desenvolvimento Sustentável).
Por um lado, o evento “destravou muita coisa na implementação”, diz Fajardo. Isso se manifestou em financiamentos — como os US$ 10,6 bilhões em aportes no Fundo Clima — e em menções nos documentos oficiais a grupos sociais, afrodescendentes e indígenas, algo fora do script usual das COPs.
Entretanto, “alguns temas centrais ficaram de fora”, destaca. O mais importante, na visão dela, é o detalhamento de como o dinheiro disponível vai chegar na ponta. “E assuntos de difícil consenso, como o plano de transição para os combustíveis fósseis, acabaram de fora do texto final e ficaram para a COP31, na Turquia”, ela detalha.
Antes da realização, a COP30 foi chamada de “a COP da implementação”. Ou seja, a Conferência em que, após anos em discussão, os detalhes para operacionalizar as medidas de descarbonização do Acordo de Paris, em 2015, seriam tornados práticos.
No fim das contas, ficou um saldo positivo, mas com uma trabalhosa lição de casa.
“Até o último minuto, havia o temor de que Belém fosse uma ‘nova Copenhague’, que foi a Conferência em 2009 em que não aconteceu nada; pelo contrário, voltou-se atrás em acordos anteriormente firmados. Mas não foi o que ocorreu. E a presidência da COP30, da qual sou fã, ainda pode obter mais bons resultados até o fim do mandato.”
Tropicalizar é preciso
O CEBDS é o braço local do World Business Council for Sustainable Development. Como o WBCSD no exterior, a entidade tem como missão reunir a iniciativa privada brasileira em torno dos objetivos de sustentabilidade e de transição ecológica.
No agronegócio, o foco é disseminar boas práticas para promover alinhamento às contribuições nacionalmente determinadas — as NDCs, na sigla em inglês, como são chamadas as metas voluntárias dos países para atingir os objetivos do Acordo de Paris.
Ao The AgriBiz, Fajardo realçou projetos nesse sentido que o CEBDS apresentou na COP30, como o Landscape Accelerator: Brazil — batizado de Lab, lançado neste ano.
Derivada de um acordo firmado na COP28 para incentivar a agricultura regenerativa, a iniciativa aproxima empresas do agro, instituições financeiras, tais quais o Rabobank e o Banco do Brasil, e setor público, em especial o Ministério da Agricultura e Pecuária.
O casting é amplo e inclui players “do campo à mesa”, de produtores até tradings e empresas de alimentos e bens de consumo, como Amaggi, Bayer, Pepsico e Nestlé.

O Lab visa traduzir os regulamentos para a geografia tropical. “Por que deveríamos ter regras sobre como proceder em caso de neve?”, pergunta a executiva. O projeto também incentiva a adesão a certificações internacionais — por exemplo, a Verra Improved Agricultural Land Management (VM0042). E questiona seus padrões.
“A VM0042 estabelece um uso menor de nitrogênio no solo. Mas em solos tropicais, a dificuldade de reduzir é maior. E a certificação não leva em conta as fontes regenerativas de nitrogênio que há na agricultura brasileira.”
Para ela, já está claro que o agronegócio é crucial para descarbonizar as cadeias das coalizões setoriais, como energia, minerais ou transporte. “As alavancas que sugerimos na COP podem promover 80% da descarbonização almejada. Cabe ao Brasil se posicionar.”
Fajardo é agrônoma com carreira no setor agrícola; primeiro na Monsanto, onde iniciou no marketing, e, depois, na Bayer, em sustentabilidade.
Neste ano, ela assumiu a diretoria técnica do CEBDS — a missão original era atuar por seis meses como consultora para a COP30, mas acabou ficando em definitivo como líder da equipe de “Clima e Economia Circular”.
A executiva falou com The AgriBiz sobre o saldo da 30ª Conferência do Clima, no Brasil. Confira a seguir os destaques da conversa.
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The AgriBiz: Esperava-se que esta fosse “a COP da implementação”. Isso aconteceu?
Alessandra Fajardo: A COP30 destravou muita coisa no campo da implementação. Temos que valorizar os 30 grupos em seis eixos de ação, com mais de cem iniciativas, que o CEBDS levou.
Mas alguns temas centrais ficaram de fora. No financiamento, até houve promessas, como as do TFFF (o mecanismo de financiamento para proteção de florestas tropicais, que chegou a US$ 6,5 bilhões), mas faltou detalhar como esse dinheiro vai chegar na ponta. E assuntos de difícil consenso, como o plano de transição para os combustíveis fósseis, acabaram não entrando no texto final e ficaram para a COP31.
Mesmo assim, saí com um saldo positivo de uma COP diferente, com menções a grupos sociais, afrodescendentes e indígenas, além de acordos importantes sobre métricas e mecanismos para encurtar o caminho entre projetos e financiadores.
Quais foram os principais cases apresentados pelo CEBDS?
Na COP28, nasceu um cronograma de regeneração de pastagens do qual o WBCSD é o parceiro global e o CEBDS, o braço no Brasil. Importamos o conteúdo na iniciativa Landscape Accelerator: Brazil, batizada de Lab, com olhar especial para o Cerrado.
O Lab também incentiva a harmonização para a geografia tropical dos regulamentos de agricultura sustentável. O pilar mais importante é o da adaptação das métricas. Para que termos regras sobre como proceder em caso de neve na lavoura, por exemplo? Não faz sentido.
A certificação internacional ordena um uso menor de nitrogênio. Mas os solos tropicais são mais dependentes desse elemento, a dificuldade de reduzir neles é maior. Além disso, a regra não considera as fontes regenerativas de nitrogênio na agricultura brasileira, como a fixação biológica. Precisamos de métricas harmonizadas para a nossa realidade, para conectarmos as políticas às alavancas de financiamento.
O que falta mais: volume de recursos ou fazer chegar na ponta e instruir o uso?
Existe uma demanda gigantesca por recursos. O CEBDS entregou à presidência da COP30 um estudo que mostra que mesmo com o Plano Safra, há um gap de US$ 100 bilhões, até 2050, em mecanismos de adoção para atingirmos a meta de 80% de descarbonização do agro. Isso é mais urgente do que o mercado de créditos de carbono.
Por outro lado, muitas vezes ouço alguém reclamar que os fundos não estão chegando na ponta porque exigem um ticket alto. Por exemplo, projetos de no mínimo US$ 50 milhões. Esse piso muitas vezes impede a adesão dos produtores.
A gente fala muito no CEBDS sobre o conceito de transição na adoção. Por exemplo: certos projetos exigem que o produtor aplique técnicas regenerativas em 100% da fazenda. Mas principalmente o pequeno não quer apostar tudo de uma vez, prefere 15% no primeiro ano, 25% no segundo, e por aí vai.
Precisamos de dinheiro, mas o que falta mesmo é um olhar sobre como entregar. Falta gente no campo ensinando ao produtor as práticas de agricultura regenerativa. E falta diversificar os mecanismos, em linha com o pagamento por serviços ambientais e o blended finance (projetos de impacto ambiental que unem recursos públicos, privados e filantrópicos), porque somente o que existe hoje não é o suficiente para resolver.
Outra demanda reiterada na COP30 foi por remunerar o produtor por não desmatar. Como o CEBDS vê isso?
O primeiro passo para chegar nesse objetivo é estruturar um “first loss” (primeira camada de capital de risco em um projeto de sustentabilidade). O produtor pensa: vou reunir aqui a empresa de adubo, a de insumo e a de máquina, e a gente vai fazer um pool para aderir às práticas regenerativas. Mas quem vai pagar a perda no primeiro ano? O agricultor, o cara do adubo, o da máquina ou quem emprestou o dinheiro?
A gente precisa de mais capital catalítico. Se tivermos instituições que aceitem o risco inicial, como uma Gates Foundation, vamos atrair empresas que entendem do negócio e que possam assumir as perdas iniciais até o produtor pegar o jeito.
A demanda por métricas foi outro mote na COP30. Houve avanço nesse sentido?
Acho que sim, houve ao menos uma formalização da demanda. O principal avanço foi o Global Carbon Harvest Coalition, uma coalizão para acelerar soluções mensuráveis e desencadear gatilhos de financiamento.
Mas ainda subsistem dificuldades de visualização. Por exemplo: fui recentemente à Costa Rica ver plantações de banana exportada para a Europa, que demanda baixo carbono. Mas nelas não dá para entrar com trator, então a pulverização é feita com avião. Com tantos voos gastando querosene, a pegada de carbono fica gigante.
Mas a União Europeia não leva em consideração o carbono no solo. O professor Carlos Eduardo Cerri, da Esalq-USP, estimou que aquele solo podia estocar até 20 toneladas de carbono por hectare. Em comparação, na soja, fala-se em 1,5 tonelada por hectare.
Por isso, iniciamos estudos para criar um cálculo que leve em conta também o sequestro nos solos tropicais.
Os estrangeiros entendem as peculiaridades da nossa agricultura?
Mais ou menos, e às vezes é melhor mostrar na prática. Há alguns anos, levei agricultores europeus para ver o plantio direto. Você põe a mão em cima do solo na palhada e sente o calor. Aí você pega essa palha, faz um buraco e põe a mão lá dentro, e é fresco. Dessa prova empírica simples já se imagina o benefício para todo o sistema: uma proteção biológica contra um veranico ou uma seca.
A gente lançou na COP30 um compilado de métricas elaborado com pesquisadores como a Ludmila Rattis, do IPAM e do Woodwell, além da Embrapa e da Esalq-USP. A gente precisa do respaldo científico, senão vira uma mera comercialização de mais uma calculadora de emissões, e esse não é o objetivo.
Essa relativa falta de entendimento no exterior deriva de falhas de comunicação ou de protecionismo?
É uma mistura. Tem um pouco de falta de entendimento e um tanto de barreira comercial.
A gente tem mostrado, e participei de diversos painéis pré-COP sobre esse tema, que temos 50 milhões de hectares de áreas degradadas facilmente regeneráveis e já sob compromisso de restauro. Nossa expansão pode acontecer sem tirar área de comida, ao contrário da Europa, que não tem para onde crescer.
Mas embora haja aspectos econômicos na balança, não acho que seja um “todo o mundo contra o Brasil”.
Já está claro que o agronegócio é crucial para descarbonizar as cadeias das coalizões setoriais, como energia, minerais ou transporte. As alavancas que sugerimos na COP podem promover 80% da descarbonização almejada. Cabe ao Brasil se posicionar.