
Do voluntário ao obrigatório, do pontual ao geral: hoje uma quase-extravagância da União Europeia, a exigência de rastreabilidade para importar produtos agrícolas, comprovando que eles não foram fruto de desmatamento, deverá se tornar uma regra no mercado internacional.
A previsão é do economista e diplomata Eduardo Chikusa, subchefe da Divisão de Defesa Comercial e Salvaguardas do Ministério das Relações Exteriores.
Especialista em assuntos relacionados à Organização Mundial do Comércio (OMC), Chikusa afirmou que está em curso uma mudança no cenário internacional: qualidades antes diferenciais estão se tornando condições de existência.
“Durante anos, operamos de maneira facultativa, com empresas solicitando dados dos produtores. Agora, os protocolos voluntários estão se tornando políticas obrigatórias nacionais”, disse Chikusa durante um painel no evento Agro Em Código 2025.
Realizado nesta semana em São Paulo, o seminário marcou o lançamento da plataforma Agro Brasil + Sustentável. O app, que reúne dados de cadastros públicos e protocolos privados, é a principal aposta do governo brasileiro para atender às exigências da EUDR.
A legislação europeia antidesmatamento visa coibir a importação de produtos oriundos de terras desmatadas após 2020, com foco em cacau, café, óleo de palma, madeira, carvão, papel e proteína animal.
“Essa solução fundamental, fruto de uma política pública, agora poderá servir de comprovação de due dilligence junto aos europeus”, afirmou Chikusa.
Segundo o diplomata, o que antes era um “a mais, algo que diferenciava o produto”, deve se tornar um requisito.
“No longo prazo, a bússola aponta para a necessidade de comprovação de requisitos de sustentabilidade nas mais diversas cadeias e compreendendo novos biomas e países importadores.”
Ele detalhou: a forte integração entre mercados no comércio internacional e o fato de que passivos ambientais em qualquer estágio do ciclo de exportação comprometem as cadeias como um todo devem espalhar esse tipo de exigência para outros países importadores, como a China.
“A escala e os efeitos em mercados terceiros tendem a aumentar. Por exemplo, muitos produtos brasileiros são exportados para a China, manufaturados lá e exportados para a Europa. Esses compradores chineses vão passar a demandar rastreabilidade dos exportadores brasileiros para atender à exigência do destino final. É uma mudança de paradigma.”
Piora a situação, diz Chikusa, o fato de o Brasil ter sido classificado na EUDR como um país de médio risco, enquanto muitos competidores nas exportações brasileiras ficaram como de baixo risco. “Isso faz os importadores olharem para o Brasil como segunda opção, é o que não queremos”, completou.
Ele apresentou alguns números para dar conta do peso da exigência europeia sobre as exportações brasileiras.
“A União Europeia consome 45% das exportações globais de café, 15% na soja, 25% no couro e 20% na madeira. Um em cada três dólares exportados do Brasil para lá é alvo dessa medida. São R$ 16 bilhões envolvidos, e as cadeias vão precisar de ajuda para comprovar os requisitos.”
Munição ao Itamaraty
No mesmo painel, Leonel Almeida, gerente de sustentabilidade e Pecuária Sustentável da MBRF, reforçou a visão de Chikusa.
Segundo ele, a “demonstração da idoneidade do território”, que espera passar a ser feita por meio do aplicativo Agro Brasil + Sustentável, pode elevar a condição global do País.
“Hoje estamos falando de EUDR. Mas, uma vez lançada a semente, outros mercados devem repetir. Temos convicção de que não vai mais ser um diferencial, mas uma exigência de mercado. Quem tem, continua, e quem não tem, sai fora; simples assim.”
Ao final, pontuou o executivo, a ideia é dar subsídios para o governo brasileiro obter mais aberturas de mercados para a pauta agropecuária.
“Não adianta um cliente estrangeiro ter uma boa percepção de um produto brasileiro e querer levar para a Europa, é preciso um protocolo de validação feito pelos governos. Esse é um ponto em que temos sido penalizados.”