
O agronegócio brasileiro ganhou nesta quinta-feira um recurso para atender às exigências de rastreabilidade dos importadores estrangeiros, especialmente os requisitos da EUDR, a lei antidesmatamento da União Europeia.
Chamada Agro Brasil + Sustentável, a plataforma teve seu lançamento oficial hoje, no evento Agro Em Código 2025, promovido pelo escritório brasileiro da ONG global GS1, pela Embrapa e pelo Cubo Agro, o braço de agronegócio do hub de inovação do Itaú.
Segundo Bruno Vilela, superintendente de Negócios da Serpro, a plataforma — cuja elaboração começou em 2024 — integra bases públicas e privadas para criar um atestado geral de conformidade.
“A ideia é trazer o produtor e as informações dele para um grande ecossistema e, com base nele, entregar uma fotografia socioeconômica da propriedade e da produção”, afirmou Vilela.
Com essa foto, a ideia é qualificar os produtores brasileiros para se manterem exportando, ou para passarem a fazê-lo.
Cadastros e protocolos públicos e privados
O superintendente da Serpro explicou que o aplicativo visa apoiar o produtor e a cadeia produtiva promovendo uma integração de bases oficiais, permitindo uma análise de conformidade baseada em diversas verticais. Entre elas:
- cadastros ligados à situação da propriedade, como o SNCR (Sistema Nacional de Cadastro Rural) e o CAF (Cadastro Nacional da Agricultura Familiar);
- registros de conformidade ambiental, como o CAR (Cadastro Ambiental Rural);
- sobreposições com áreas de interesse, como terras indígenas ou quilombolas, a exemplo da Inde (Infraestrutura Nacional de Dados Espaciais);
- bancos de dados de direitos trabalhistas e evasão fiscal;
- informações sobre monitoramento do uso e cobertura da terra, como as do Ibama.
O sistema também integra protocolos públicos e privados. No primeiro time estão, por exemplo, os dados da propriedade e do produtor no Plano Safra, no RenovaBio e no programa Boi na Linha, entre outros.
Na segunda vertical, aparecem as demandas dos chamados “mercados exigentes”, como a União Europeia, a China e o Japão, além de certificados privados que atestam a sustentabilidade em produções agrícolas ou pecuárias.
Segundo Vilela, instituições interessadas em integrar seus protocolos na Agro Brasil + Sustentável devem pedir a habilitação à Secretaria de Desenvolvimento Rural do Mapa. A pasta conduz o desenvolvimento da plataforma junto com a Serpro e vai informar quais os critérios de elegibilidade para que o protocolo seja absorvido.
“Selo oficial” de conformidade
Vilela ressaltou ainda que a plataforma é gratuita e de adesão voluntária. “Não há obrigatoriedade de uso pelo produtor, a ideia é que ele se sinta incentivado a adentrar pelos benefícios que ela proporciona”, afirmou.
O objetivo é que o serviço seja universal, sendo adotado por “produtores de pequeno a grande porte, em todas as cadeias, passando por instituições que agregam o agronegócio”.
Disponível em um site do Mapa (Ministério da Agricultura e Pecuária) com acesso via sistema gov.br, a plataforma começou a ser construída no ano passado pela Serpro, uma empresa pública vinculada ao Ministério da Fazenda responsável por desenvolver soluções de tecnologia para a administração pública.
O investimento veio do Mapa, que participou da elaboração.
Vilela salientou que o serviço já esteve disponível enquanto era rodado no piloto e, a partir de janeiro, terá uma atualização para passar a certificar não só as fazendas, mas também os itens nelas produzidos.
“Já tem produtores qualificando suas propriedades, e, a partir do mês que vem, teremos também qualificando a produção”, afirmou.
Em meio a uma profusão de iniciativas privadas de certificação de sustentabilidade ambiental, a ideia é que a ferramenta lançada hoje se torne “o caminho oficial para o Brasil mostrar para o exterior como é conduzida a agropecuária por aqui”, diz Vilela.
UE participou da idealização
Segundo Vilela, a plataforma Agro Brasil + Sustentável nasceu das demandas e pressões globais por uma agricultura com práticas sustentáveis, rastreabilidade completa e baixa emissão de carbono, intensificadas nos últimos dez anos após o Acordo de Paris.
A principal dessas demandas é a EUDR, a lei europeia antidesmatamento criada em 2023 que estabelece requisitos de rastreabilidade e compliance para evitar a importação de itens provenientes de áreas desmatadas após 2020.
O objetivo dos europeus é desincentivar o desmatamento em âmbito global realizado com a finalidade de produzir produtos agropecuários que depois são importados pelo bloco. Os alvos na mira são cacau, café, óleo de palma, madeira, carvão, papel e proteína animal.
A implementação da lei, que vem passando por sucessivos adiamentos desde sua promulgação, foi recentemente adiada novamente para o final de 2026 — e para junho de 2027 no caso de pequenos e médios empreendedores.
Ou seja: a partir do início ou do meio de 2027, a depender do perfil, os agricultores e pecuaristas brasileiros precisarão comprovar efetivamente, por meio de ferramentas de rastreabilidade, que suas produções não foram realizadas em terras desmatadas após 2020.
Ao The AgriBiz, Vilela respondeu que houve, e continuará havendo, esforços para assegurar a legitimidade da nova ferramenta junto à União Europeia — essencial para transformar a certificação em acesso efetivo ao mercado europeu.
Segundo ele, o bloco não apenas foi procurado durante o desenvolvimento do app, como também participou do processo desde seus estágios iniciais.
“A gente apresentou a concepção quando ainda estava na ideia, e eles adoraram, disseram que ia muito além do que imaginavam anteriormente poder acessar.”
Em sua fala no evento, Vilela sinalizou que o governo espera que o lançamento do app estimule os europeus a contribuírem com financiamento para escalar sua adoção.
“O aplicativo pode ser o caminho para demonstrar que os diversos setores do agro têm conhecimento, técnica e capacidade de implementação de sustentabilidade. Mas isso não é de graça.”