Semente de soja royalties

As sementeiras de soja atravessam uma das maiores crises dos últimos anos. Não bastasse a escassez de crédito ao produtor (com uma piora significativa nos índices de inadimplência), os multiplicadores trabalham com uma sobra de estoques como poucas vezes se viu.

Nesse ambiente hostil, uma guerra de preços se instalou e a margem de lucro ficou ainda mais comprimida. Não à toa, começam a pipocar casos de sementeiras em busca de compradores e tentativas de renegociação de prazos de pagamento com os fornecedores.

“A verdade é que é difícil achar quem não está à venda”, resumiu uma fonte do setor ao The AgriBiz.

A situação parece facilitar o caminho de players mais capitalizados que almejam consolidar a indústria de sementes — o Pátria, que iniciou uma tese com a aquisição da goiana São Francisco, é um desses casos.

Companhias como a Boa Safra, com estrutura de capital forte, também estão tentando aproveitar esse momento para voltar a crescer, num movimento comercial agressivo que despertou a ira da concorrência.

Enquanto os consolidadores podem aproveitar o momento de crise para ganhar mercado, as sementeiras tradicionais vão precisar cortar um dobrado para atravessar a tempestade perfeita que se formou.

O tamanho da sobra de sementes

Os números falam por si. Pelos cálculos de André Schwening, presidente da ABRASS (Associação Brasileira dos Produtores de Sementes de Soja), a sobra de sementes de soja nesta safra 2024/25 deve ficar entre 30% e 40%, um nível inédito.

“Algum inventário sempre sobra, mas nos últimos anos começou a ter um excesso de oferta. Neste ano, será um recorde”, projetou Schwening.

Como a semente não mantém qualidade para ser comercializada na próxima temporada, os multiplicadores precisam comercializar esse volume como grão, perdendo margem e, especialmente, faturamento.

Nas contas de um sementeiro de Mato Grosso, numa saca de soja que seria vendida a R$ 220 (excluindo da conta os royalties) está embutido um custo de transformação da ordem de R$ 40 e aproximadamente R$ 50 de lucratividade. Ao vender a semente de soja como grão, a R$ 130 por saca, o produtor perderia esses R$ 90.

As causas da sobra de sementes

No mercado, a avaliação é que pelo menos três fatores provocaram essa sobra excessiva de sementes.

Nos últimos anos, diversos players entraram no mercado graças à concessão de novas cotas de multiplicação pela GDM, gigante argentina que possui 76% do mercado de germoplasma de soja, segundo estimativas da Kynetec. 

“Eles deram muitas cotas. Continuam lucrando, às custas do sementeiro”, lamentou uma fonte, criticando a estratégia do grupo argentino.

No ano passado, a GDM faturou R$ 2,5 bilhões no Brasil, mas também sofreu uma queda expressiva de lucratividade. A margem Ebitda do grupo atingiu 58%. Ainda é um número expressivo, especialmente se comparada ao aperto das sementeiras, mas está bem aquém da margem de 77% de 2023.

Além das cotas para os novos entrantes, os players tradicionais também ampliaram as unidades de beneficiamento nos anos de bonança. Com isso, a capacidade ociosa da indústria só cresceu.

Afora a competição legal, há quem aponte o aumento da pirataria, com produtores salvando sementes para além do uso próprio, como um agravante.

Embora isso seja menos comum em Mato Grosso, onde o clima prejudica a manutenção da semente em boa qualidade sem uma estrutura de refrigeração, a prática vem crescendo em outros estados.

O momento de crédito mais apertado também pode ser um estímulo à compra de sementes pirata, segundo Schwening. A ABRASS estima que a participação das sementes não certificadas (salvas ou piratas) no mercado tenha passado de 25% para 30%.

Lei de proteção de cultivos

Para combater esse problema, os sementeiros estão engajados na lei de proteção de cultivos. Em novembro, a Comissão de Agricultura da Câmara dos Deputados aprovou o PL relatado pelo deputado Alceu Moreira (MDB-RS).

Entre as medidas, o projeto prevê que qualquer produtor que beneficie, armazene ou multiplique sementes usando os serviços de terceiros será obrigado a pagar royalties – para os detentores de biotecnologia, como Bayer e Corteva, ou para os detentores do germoplasma (GDM e TMG, entre outros).

O projeto ainda terá de passar por outras duas comissões antes de chegar ao plenário da Câmara e, posteriormente, do Senado. Na indústria, no entanto, nem todos guardam a mesma esperança. “O setor está animado, mas não acho que isso vai trazer muita mudança”, disse uma fonte.

Uma alteração significativa depende da melhora das condições do mercado, o que só deve vir no médio e longo prazo, conforme a produção brasileira de soja continue crescendo e, portanto, reduzindo a imensa capacidade ociosa que as sementeiras possuem.

No curto prazo, o cenário é nebuloso. Além dos problemas de mercado, as dificuldades financeiras enfrentadas por algumas sementeiras levantam dúvidas sobre a retenção dos royalties. Neste caso, a conta pode sobrar para o agricultor.

Ao comprar a semente, a multiplicadora recolhe o royalty do produtor e fica responsável pelo pagamento à empresa detentora da tecnologia. Em caso de grave dificuldade financeira, a sementeira pode deixar de fazer esse repasse. E, ao entregar os grãos no armazém, o agricultor pode ter de honrar esse pagamento.

“Se o sementeiro não quitar os royalties, o produtor pode ser cobrado pela biotecnologia duas vezes na moega”, alertou uma fonte.