
BELÉM (PA) – Integrar a criação de animais às cadeias agrícolas e agroindustriais e reaproveitar mais e melhor os seus resíduos e coprodutos, com ganhos relevantes de produtividade e de reduções nas emissões de gases causadores do efeito estufa.
Se tudo der certo, é isso que vai acontecer a partir da aplicação prática de um guia sobre a inserção da produção animal em sistemas circulares de bioeconomia que foi lançado nesta sexta-feira (14), na COP30.
O trabalho foi desenvolvido pela LEAP, a Parceria para Avaliação e Performance Ambiental na Pecuária (Livestock Environmental Assessment and Performance Partnership, em inglês). A entidade existe para fornecer assistência técnica, estimular a adoção de sistemas circulares e engajar stakeholders. Desde 2012 é parte da FAO, a Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura.
O guia, cuja elaboração levou dois anos e envolveu 800 pesquisadores em todo o mundo, além de entidades nacionais em 21 países, foi apresentado em um painel na AgriZone, a sede da Embrapa na Conferência do Clima.
Participaram representantes do governo brasileiro e da Embrapa, além de entidades setoriais e ONGs nacionais e estrangeiras.
Da nutrição ao fertilizante
No trabalho, a LEAP aponta para possíveis caminhos para implantar e escalar soluções de circularização de resíduos, com ênfase no uso sustentável de biomassa em sistemas circulares fechados com fins de energia ou nutrição.
Isso vai desde resíduos de origem vegetal, como os coprodutos da fermentação alcoólica do milho, tal qual o DDG, e os restos de alimentação animal e humana, até aqueles de origem animal, como esterco e sebo bovino, além de peles e couros.
Seus usos nos sistemas circulares são variados, diz a LEAP, e incluem a nutrição animal e a substituição de fertilizantes de origem química, passando pelo emprego na cadeia de biocombustíveis, como etanol, biodiesel e biometano.
“Ao buscarmos entender o potencial do esterco produzido na cadeia da proteína animal, fomos obrigados a reavaliar seu papel na agricultura”, detalhou Michael Lee, professor da Universidade Harper Adams, na Inglaterra, e um dos responsáveis pelo estudo.
“Ele evita que precisemos usar quantidades altíssimas de fósforo nas lavouras. Com isso, dispensam a extração de matéria-prima na África e o processo produtivo desses fertilizantes, que são grandes emissores de gases causadores do efeito estufa, e reduzem contaminações de lençóis freáticos e mananciais”, completou.
Segundo Christopher Browne, chefe global de pesquisa e políticas públicas da ONG Compassion in World Farming (CIWF), que defende melhores condições para os animais na pecuária, o desenvolvimento de técnicas circulares poderia resultar no aproveitamento de um saldo de perdas de alimentos que chamou de “vergonhoso” — segundo um relatório recente da entidade, as perdas de comida no processo agrícola global poderiam alimentar um saldo adicional de 2 bilhões de pessoas no mundo.
Adaptação no Brasil
O corolário de práticas sugerido pela LEAP tem enorme potencial de aplicação no Brasil, embora precise ser adaptado às diversas pecuárias que coexistem na continental dimensão do País, afirmou ao The AgriBiz Bruno Leite, coordenador geral de Produção Animal no Ministério da Agricultura e Pecuária.
“O bom desse guideline é que nos permite sair um pouco daquele ‘túnel de visão do carbono’, ou seja, olhar para outros aspectos da transição ecológica além da emissão de carbono. A pecuária oferece outras possibilidades, ainda mais no modelo tropical, onde podemos produzir o ano inteiro e temos as integrações com lavoura e floresta.”
Para ele, a adoção das orientações da LEAP em paralelo com as metas estabelecidas pelo governo, como o Plano ABC+, pode contribuir para gerar mais valor para a pecuária — ao encontro de uma conclusão pragmática e recorrente nesta COP30, no sentido de que os produtores não adotam práticas sustentáveis por ideologia ou romantismo, mas sim para obterem mais receitas.
“A pecuária no Brasil tem um espaço grande para crescer eficiência, o que resulta em menos emissões e comprovadamente aumenta a renda. Com um benefício adicional de ampliar a resiliência dos sistemas perante os incidentes de turbulência climática que a gente têm passado”, concluiu Leite.
Fernando Sampaio, diretor de sustentabilidade da Abiec (Associação Brasileira das Indústrias Exportadoras de Carne), também salientou o aspecto da renda. Segundo ele, com os sistemas circulares, a pecuária tende a se intensificar, ampliando o retorno do produtor.
“As barreiras nós já conhecemos: acesso a crédito e assistência técnica. O difícil é dar o start, mas é importante que estejamos discutindo como resolver esses gargalos”, comentou.
Sampaio salientou ainda intersecções entre o relatório da LEAP e um estudo lançado há dois dias pela Abiec e pela FGV, também na COP30, sobre o potencial de redução de emissões na pecuária brasileira em quatro distintos cenários de adoção de práticas sustentáveis.
“Nada é mais circular do que o boi. Como se diz, do boi se aproveita até o berro, desde a pedra no rim até o chifre. O que ambos os estudos mostraram em comum é o entendimento da pecuária como parte da agricultura. Com os sistemas circulares, a pecuária se beneficia do crescimento das lavouras.”